Região Nordeste lidera ranking de partos em menores com até 14 anos

O Globo – 18/12/2011

Em cidade pernambucana, gravidez na adolescência é problema histórico

XEXÉU (PE). Com histórico familiar de gestações precoces – a mãe procriou aos 11 anos – e ostentando cara e corpo de menina, Maria Vanessa da Silva, de 13 anos, tem vida e responsabilidade de mulher. Engravidou aos 12, deu à luz aos 13 e hoje divide a casa com um companheiro, o lavrador Elielson Antônio dos Santos Filho, de 21. Teve uma gravidez difícil, sentiu muita dor e enfrentou várias ameaças de aborto. Seu corpo franzino de 49 quilos, distribuído em 1,65 metro de altura, reagiu mal ao peso da barriga, prejudicando as costas. Chegou a 60 quilos quando esperava Douglas Victor, que nasceu rapidamente, dez minutos após a mãe ter chegado à maternidade. Antes, em casa, a espera foi longa, quase um dia em trabalho de parto e muito sofrimento. O bebê veio com menos de três quilos, já completou seis meses e aparenta estar bem.

— Minha mãe teve 12 filhos, era muita gente em casa. Eu morava com a minha avó, mas ela me tratava mal, porque não aceitava que eu namorasse. Quando comecei a gostar de Elielson, saí de casa. Não queria ter menino agora. Mas ele veio. Vou fazer o quê? Hoje vivo com meu marido e tenho que criar o filho – diz Maria Vanessa, moradora no vilarejo rural de Campos Frios, município de Xexéu, em Pernambuco, estado onde, só no ano passado, 1.470 meninas com idades entre 10 e 14 anos trocaram as bonecas por bebês.

Atualmente, o Nordeste é a região recordista em partos em meninas com idades até 14 anos. Segundo números preliminares do Ministério da Saúde aos quais O GLOBO teve acesso, no Brasil houve, só no ano passado, 26.221 mil partos de meninas com até essa idade. Destes, 10.868 se concentram no Nordeste, inclusive em Xexéu, na região canavieira de Pernambuco.

Casos de gravidez em adolescentes se multiplicam

Pouco mais velha do que Vanessa, Elaine Maria de Lima, de 14 anos, está no sétimo mês de gestação. Mora sozinha numa casa de apenas um cômodo, cuja mobília se restringe a um fogão, mesa, cadeiras, uma cama de solteiro e o berço do bebê. Ela vive há dois anos com o lavrador Everson Luiz Santana, de 20, que se divide entre a colheita de café, em Minas Gerais, e o corte de cana, em Pernambuco.

– Eu queria um filho mesmo. Me sinto preparada para ser mãe – diz a quase menina, no bairro de Alaíde, na periferia de Xexéu.

Na cidade, uma rápida observação nas fichas das pacientes dos postos de saúde da família acusa o problema. Em 47 prontuários de pacientes grávidas examinadas pelo GLOBO, sete eram de meninas entre 14 e 15 anos. No distrito de Campos Frios, a menos de dez quilômetros de Alaíde, em 44 fichas investigadas, a equipe detectou oito casos de gestação entre 13 e 17 anos.

– As meninas não fazem nenhum tipo de prevenção. E muitas já chegam aqui grávidas, logo após a primeira menstruação – afirma a enfermeira Roberta Pereira Alencar, do PSF do Alto da Capela.

— Para elas e para a população em geral, isso é um fenômeno normal. Para nós, um problema não só de saúde, mas social e cultural – acrescenta a enfermeira Thais Gabrielle Soares Sampaio, do PSF de Alaíde.

Jovens engravidam no primeiro namoro

Mesmo sem utilizar as fichas como guias, não é difícil achar meninas mães em Xexéu, quando se anda pelo campo ou na área urbana. Na casa de Gislane Teixeira dos Santos, na zona rural, a situação não é diferente. Ela engravidou aos 15 anos, deu à luz aos 16 e tem uma filha na mesma situação: Carla Teixeira dos Santos, de 14, espera um bebê. Na casa vizinha, Luana Brasiliano de Barros, de 15, e Tália Brasiliano de Barros, de 14, também são mães.

– Foram só sete meses de namoro. Eu não estava preparado para ser pai – afirma o companheiro de Luana, Artur da Silva, 16, ao lado do filho de três meses.

Em Pernambuco, Xexéu é o recordista em nascimentos com mães entre 15 e 19 anos, com 31,1% de todos os partos realizados no município. O percentual é bem maior que o registrado no estado, onde a proporção nessa faixa é de 21%. O fato é encarado pelo secretário de Saúde de Xexéu, Sueldinson Ramos, como resultado da pobreza do município, que possui o décimo segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano no estado: 0,561, de acordo com a edição de 2011 do Anuário dos Municípios Pernambucanos.

– A pobreza aqui é grande e secular. Vem dos tempos do Império, com a monocultura da cana. A cidade vive sem perspectivas, não há fontes de emprego e renda. As meninas ou casam cedo ou enfrentam problemas piores (exploração sexual) nas estradas – diz Ramos.

A gestação precoce entre 15 e 19 anos não se limita a Xexéu nem a Pernambuco. De acordo com o Ministério da Saúde, no ano passado foram 159.405 partos de mães nessa faixa etária no Nordeste. Somando-se as que pariram a partir de 10 anos, o número chega a 170.273, um recorde nacional. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reconhece o problema:

– Estamos concentrando esforços no Nordeste, por meio da Rede Cegonha e de apoio a programas estaduais, como o Coruja, em Pernambuco. Temos ações preventivas, inclusive na escola. A prevenção à gravidez na adolescência é uma das principais medidas para reduzir a mortalidade infantil e materna.

Apesar dos programas citados por Padilha, as iniciativas ainda são tímidas por parte dos órgãos municipais e conselhos tutelares.