Regulamentação da Lei 8080: Um Decreto com 20 Anos de Atraso

Comentários preliminares de Gilson Carvalho ao decreto nº 7.508
por Gilson Carvalho, médico pediatra e de saúde pública

É muito cedo para uma avaliação mais profunda do Decreto publicado hoje pela Presidente Dilma e que pretende regulamentar a lei 8080. Na sequência de algumas leis tem-se a chance de ser editado um decreto mais detalhado que aprofunde os temas, detalhe-os e, compulsivamente não inove nem contrarie a lei ou outras leis.

Isto não foi feito quando em 1990 foi publicada a Lei 8080 que regulamentava a Constituição Federal. Aqui se aplica como luva o popular “antes tarde, do que nunca”.

Adianto minha opinião: muita coisa boa, favorável ao desenvolvimento do SUS. Outras poderiam ser melhor colocadas e, assim sim, o pior: aquilo que por motivos equivocados, fui suprimido nas várias redações e ainda no corte da corte palaciana.

O mérito dos estudos e da primeira redação do Decreto foi de uma demanda do Temporão no Governo Lula. Padilha apenas deu continuidade e o finalizou – ato não muito comum nas mudanças de governo. Agora, como sempre, vão aparecer vários autores, mas, a primeira redação é da advogada-sanitarista Lenir Santos. Depois houve o momento da escuta aonde chegaram reflexões e contribuições. Neste momento, retiraram-se capítulos essenciais e outros não tão importantes foram colocados. Tenho certeza de que não será unanimidade. Mas, como Decreto, existe a vantagem de que pode ser mais facilmente modificado.

Já vi gente que leu minutas anteriores e se irritou com determinados conceitos. Quando fui verificar a que se devia a crítica, vi que o Decreto estava apenas transcrevendo aquilo que já contava na lei e não havia sido percebido ou assimilado pelo crítico. É, sem dúvida o resultado do desconhecimento que se tem de questões essenciais da lei 8080! Assustam-se sem saber que já existia a determinação legal, só que descumprida.

Vou elencar abaixo alguns destaques preliminares começando por mostrar as inúmeras vantagens e conquistas:

Ø Definiu, aprofundou ou clareou conceitos essenciais ao sistema como exemplo: regionalização, hierarquização, região de saúde, rede interfederativa, protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, contratos entre os entes públicos, comissões intergestores.

Ø Oficializou a Atenção Primária como porta de entrada do SUS, e como ordenador do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde.

Ø Como novidade os Contratos Organizativos da Ação Pública ponto fulcral do Decreto e que se espera ponha fim ao profícuo das nobs, noas, pactos, compromissos inter e intra etc. etc.

Ø Este ponto é a grande inovação e sem dúvida a fonte de inúmeras polêmicas e dos prós e contra. Se medida acertada em definitivo ou sujeita a alterações só o tempo dirá. O que não podia continuar existindo é uma profusão de portarias casuísticas e oportunistas incapazes de serem seguidas e sem nenhuma unidade entre elas.

Ø Os contratos vão trabalhar com a organização do sistema a partir dos conceitos constitucionais e legais da rede pública regionalizada e hierarquizada com competências e responsabilidades solidárias e próprias de cada esfera de governo e não apenas delegadas.

Ø As Comissões Intergestores tiveram uma maior legitimação agora em decreto o que apenas estava formalizado em portarias. Não tem possibilidade do sistema de saúde se organizar sem que haja um fora paritário das três esferas no âmbito nacional e nas duas no âmbito estadual. Dia virá em que as presidências destas reuniões serão rotativas tanto no âmbito nacional como estaduais. As funções das Comissões Intergestores foram aprofundadas e melhor explicitadas.

Ø A prática tem que acompanhar este dispositivo. Já nos fartamos do autoritarismo de que quem está com o dinheiro dos três entes, se sinta no direito de decidir sozinho o que dele fazer, de que modo e ainda dizendo que tenha sido decisão tri ou bipartite.

Ø Mapa de Saúde é uma nomenclatura nova para uma coisa que sempre se fez, mas sem sistematização e que é a descrição de todas as ações e serviços de saúde, públicos e privados, disponíveis em determinado território. Servirá, como expresso em outro local, para identificar as necessidades de saúde de cada local.

Ø Quanto à rede regionalizada uma das questões fundamentais de avanço é quanto diz que a REGIÃO DE SAÚDE será a base de alocação de recursos. Se assim for é possível colocar fim a dois grandes problemas: melhor distribuir as regiões de saúde e melhorar a relação entre os municípios pequenos e os de referência que andam sempre em atrito devido à abrangência dos serviços. Espera-se que esta medida seja mais feliz que todas as iniciativas anteriores de POIs, PPIs e mais.

Ø Outra novidade que também dará polêmica é a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – RENASES, algo nunca regulado dentro do genérico sempre citado de “ações e serviços de saúde”. Regulação é função constitucional precípua do sistema de saúde.

Ø Dentro da idéia da RENASES uma pactuação negociada das ações e serviços de saúde de responsabilidade de cada esfera de governo, seu financiamento e a possibilidade expansão deste rol com características estaduais e municipais.

Ø A RENAME, já existente há vários anos está sendo aperfeiçoada com reforço sobre os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. Também se disciplina melhor o acesso aos medicamentos em acordo com as novas diretrizes acrescentadas à lei 8080.

Por fim seria importante desnudar o que faltou ou julgo imperfeito, numa mera análise preliminar:

Ø Nada muda em relação à legislação anterior, nem a 8080, nem outras, pois Decreto algum pode fazê-lo. Apenas aprofunda o entendimento e a operacionalização.

Ø No mérito o risco. Lamentabilissimamente, o Decreto não regula o uma série de questões, algumas delas extremamente polêmicas, mas, fundamentais ao funcionamento do SUS como enumero a seguir.

Ø Por exemplo a questão das transferências de recursos federais para estados e municípios, onde existem artigos essenciais que jazerão intocáveis, como o Art.35 na totalidade. Descumpre-se a lei por falso argumento de desregulamentação inexistente (o que seria desnecessário) e deixa-se exatamente de regulamentar no momento definido e possível.

Ø O argumento usado foi a existência da regulamentação da EC-29 no Congresso e que trata do assunto. Com isto, nem se cumpre hoje e desde sempre o que trata de financiamento na 8080, nem se regula por decreto à espera de uma decisão ainda imaginária do Congresso e que lá jaz desde 2003 e no andar da carruagem lá ficará por mais alguns anos, sem acontecer.

Ø Não entendi, ainda, que técnica legislativa é esta que não regulamenta o que já está numa lei há vários anos, para não sensibilizar o Congresso que tem modificações para esta lei e nem sabe, nem se compromete a aprová-la. Reles mortais, jamais entenderemos.

Ø A questão de regulamentação do desempenho (a meu ver erradamente traduzido na mídia como mérito criando a meritocracia) é questão já prevista na Lei 8080 no seu artigo 35, IV como um dos critérios de transferência de recursos: desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior. E não pode ser definida como única ou mais importante das características de transferência. Tem-se que fazer o mix de critérios, como previsto na Lei 8080, Art.35.

Ø Pode-se cometer iniquidade redistributiva, transferindo mais recursos a quem já tem mais desempenho e prejudicando a população de outros locais com menos desempenho mas, com muito mais necessidades.

Ø Outro ponto não tocado foi o do FUNDO DE SAÚDE e sua operacionalização, ponto de tantos desencontros e de tantas normas díspares. Perdeu-se uma grande chance de fazê-lo. Tem-se um Decreto desde 1994 sobre as transferências fundo a fundo, mas nada sobre a organização e funcionamento do Fundo de Saúde com sua peculiaridade.

CONCLUINDO:

Demos um passo à frente com atraso de 20 anos. Não é perfeito e nem é completo. Muito dirão por que mais normas se já foram feitas várias inclusive as mais recentes do pacto com objetivos, metas e indicadores?

O Decreto é muito maior, mais abrangente e mais eficaz que todas as normas que até hoje foram feitas e são um aperfeiçoamento do sistema, tanto pela sua abrangência como seu nível hierárquico na legislação.

O Decreto não é a salvação do SUS, seria muito pouco. Sempre resumo no final que vida e saúde é um esforço que demanda melhor cumprimento do sistema de saúde já definido, mais eficiência em sua execução vedando-se os caminhos errados do mau uso e da corrupção e também é necessário mais dinheiro. Mais um instrumento do SUS de busca de vida-saúde para as pessoas, com qualidade, o que depende de muitas questões e de muitas pessoas.

Fonte: Blog Saúde com Dilma

Conheça o texto:

DECRETO Nº 7.508, DE 28 DE JUNHO DE 2011

Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde-SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 8.080, 19 de setembro de 1990, DECRETA :

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa.

Art. 2º Para efeito deste Decreto, considera-se:

I – Região de Saúde – espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde;

II – Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde – acordo de colaboração firmado entre entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada e hierarquizada, com definição de responsabilidades, indicadores e metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, recursos financeiros que serão disponibilizados, forma de controle e fiscalização de sua execução e demais elementos necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde;

III – Portas de Entrada – serviços de atendimento inicial à saúde do usuário no SUS;

IV – Comissões Intergestores – instâncias de pactuação consensual entre os entes federativos para definição das regras da gestão compartilhada do SUS;

V – Mapa da Saúde – descrição geográfica da distribuição de recursos humanos e de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, considerando-se a capacidade instalada existente, os investimentos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de saúde do sistema;

VI – Rede de Atenção à Saúde – conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde;

VII – Serviços Especiais de Acesso Aberto – serviços de saúde específicos para o atendimento da pessoa que, em razão de agravo ou de situação laboral, necessita de atendimento especial; e

VIII – Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica – documento que estabelece: critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS.

CAPÍTULO II

DA ORGANIZAÇÃO DO SUS

Art. 3º O SUS é constituído pela conjugação das ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde executados pelos entes federativos, de forma direta ou indireta, mediante a participação complementar da iniciativa privada, sendo organizado de forma regionalizada e hierarquizada.

Seção I

Das Regiões de Saúde

Art. 4º As Regiões de Saúde serão instituídas pelo Estado, em articulação com os Municípios, respeitadas as diretrizes gerais pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite – CIT a que se refere o inciso I do art. 30.

§ 1º Poderão ser instituídas Regiões de Saúde interestaduais, compostas por Municípios limítrofes, por ato conjunto dos respectivos Estados em articulação com os Municípios.

§ 2º A instituição de Regiões de Saúde situadas em áreas de fronteira com outros países deverá respeitar as normas que regem as relações internacionais.

Art. 5º Para ser instituída, a Região de Saúde deve conter, no mínimo, ações e serviços de:

I – atenção primária;

II – urgência e emergência;

III – atenção psicossocial;

IV – atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e

V – vigilância em saúde.

Parágrafo único. A instituição das Regiões de Saúde observará cronograma pactuado nas Comissões Intergestores.

Art. 6º As Regiões de Saúde serão referência para as transferências de recursos entre os entes federativos.

Art. 7º As Redes de Atenção à Saúde estarão compreendidas no âmbito de uma Região de Saúde, ou de várias delas, em consonância com diretrizes pactuadas nas Comissões Intergestores.

Parágrafo único. Os entes federativos definirão os seguintes elementos em relação às Regiões de Saúde:

I – seus limites geográficos;

II – população usuária das ações e serviços;

III – rol de ações e serviços que serão ofertados; e

IV – respectivas responsabilidades, critérios de acessibilidade e escala para conformação dos serviços.

Seção II

Da Hierarquização

Art. 8º O acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas Portas de Entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquizada, de acordo com a complexidade do serviço.

Art. 9º São Portas de Entrada às ações e aos serviços de saúde nas Redes de Atenção à Saúde os serviços:

I – de atenção primária;

II – de atenção de urgência e emergência;

III – de atenção psicossocial; e

IV – especiais de acesso aberto.

Parágrafo único. Mediante justificativa técnica e de acordo com o pactuado nas Comissões Intergestores, os entes federativos poderão criar novas Portas de Entrada às ações e serviços de saúde, considerando as características da Região de Saúde.

Art. 10. Os serviços de atenção hospitalar e os ambulatoriais especializados, entre outros de maior complexidade e densidade tecnológica, serão referenciados pelas Portas de Entrada de que trata o art. 9º

Art. 11. O acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e deve ser fundado na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo e no critério cronológico, observadas as especificidades previstas para pessoas com proteção especial, conforme legislação vigente.

Parágrafo único. A população indígena contará com regramentos diferenciados de acesso, compatíveis com suas especificidades e com a necessidade de assistência integral à sua saúde, de acordo com disposições do Ministério da Saúde.

Art. 12. Ao usuário será assegurada a continuidade do cuidado em saúde, em todas as suas modalidades, nos serviços, hospitais e em outras unidades integrantes da rede de atenção da respectiva região.

Parágrafo único. As Comissões Intergestores pactuarão as regras de continuidade do acesso às ações e aos serviços de saúde na respectiva área de atuação.

Art. 13. Para assegurar ao usuário o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS, caberá aos entes federativos, além de outras atribuições que venham a ser pactuadas pelas Comissões Intergestores:

I – garantir a transparência, a integralidade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde;

II – orientar e ordenar os fluxos das ações e dos serviços de saúde;

III – monitorar o acesso às ações e aos serviços de saúde; e

IV – ofertar regionalmente as ações e os serviços de saúde.

Art. 14. O Ministério da Saúde disporá sobre critérios, diretrizes, procedimentos e demais medidas que auxiliem os entes federativos no cumprimento das atribuições previstas no art. 13.

CAPÍTULO III

DO PLANEJAMENTO DA SAÚDE

Art. 15. O processo de planejamento da saúde será ascendente e integrado, do nível local até o federal, ouvidos os respectivos Conselhos de Saúde, compatibilizando-se as necessidades das políticas de saúde com a disponibilidade de recursos financeiros.

§ 1º O planejamento da saúde é obrigatório para os entes públicos e será indutor de políticas para a iniciativa privada.

§ 2º A compatibilização de que trata o caput será efetuada no âmbito dos planos de saúde, os quais serão resultado do planejamento integrado dos entes federativos, e deverão conter metas de saúde.

§ 3º O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, de acordo com as características epidemiológicas e da organização de serviços nos entes federativos e nas Regiões de Saúde.

Art. 16. No planejamento devem ser considerados os serviços e as ações prestados pela iniciativa privada, de forma complementar ou não ao SUS, os quais deverão compor os Mapas da Saúde regional, estadual e nacional.

Art. 17. O Mapa da Saúde será utilizado na identificação das necessidades de saúde e orientará o planejamento integrado dos entes federativos, contribuindo para o estabelecimento de metas de saúde.

Art. 18. O planejamento da saúde em âmbito estadual deve ser realizado de maneira regionalizada, a partir das necessidades dos Municípios, considerando o estabelecimento de metas de saúde.

Art. 19. Compete à Comissão Intergestores Bipartite – CIB de que trata o inciso II do art. 30 pactuar as etapas do processo e os prazos do planejamento municipal em consonância com os planejamentos estadual e nacional.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Art. 20. A integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na Rede de Atenção à Saúde, mediante referenciamento do usuário na rede regional e interestadual, conforme pactuado nas Comissões Intergestores.

Seção I

Da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – RENASES

Art. 21. A Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – RENASES compreende todas as ações e serviços que o SUS oferece ao usuário para atendimento da integralidade da assistência à saúde.

Art. 22. O Ministério da Saúde disporá sobre a RENASES em âmbito nacional, observadas as diretrizes pactuadas pela CIT.

Parágrafo único. A cada dois anos, o Ministério da Saúde consolidará e publicará as atualizações da RENASES.

Art. 23. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pactuarão nas respectivas Comissões Intergestores as suas responsabilidades em relação ao rol de ações e serviços constantes da RENASES.

Art. 24. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão adotar relações específicas e complementares de ações e serviços de saúde, em consonância com a RENASES, respeitadas as responsabilidades dos entes pelo seu financiamento, de acordo com o pactuado nas Comissões Intergestores.

Seção II

Da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME

Art. 25. A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME compreende a seleção e a padronização de medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de agravos no âmbito do SUS.

Parágrafo único. A RENAME será acompanhada do Formulário Terapêutico Nacional – FTN que subsidiará a prescrição, a dispensação e o uso dos seus medicamentos.

Art. 26. O Ministério da Saúde é o órgão competente para dispor sobre a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas em âmbito nacional, observadas as diretrizes pactuadas pela CIT.

Parágrafo único. A cada dois anos, o Ministério da Saúde consolidará e publicará as atualizações da RENAME, do respectivo FTN e dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.

Art. 27. O Estado, o Distrito Federal e o Município poderão adotar relações específicas e complementares de medicamentos, em consonância com a RENAME, respeitadas as responsabilidades dos entes pelo financiamento de medicamentos, de acordo com o pactuado nas Comissões Intergestores.

Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:

I – estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;

II – ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;

III – estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e

IV – ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.

§ 1º Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.

§ 2º O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a medicamentos de caráter especializado.

Art. 29. A RENAME e a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos somente poderão conter produtos com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

CAPÍTULO V

DA ARTICULAÇÃO INTERFEDERATIVA

Seção I

Das Comissões Intergestores

Art. 30. As Comissões Intergestores pactuarão a organização e o funcionamento das ações e serviços de saúde integrados em redes de atenção à saúde, sendo:

I – a CIT, no âmbito da União, vinculada ao Ministério da Saúde para efeitos administrativos e operacionais;

II – a CIB, no âmbito do Estado, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde para efeitos administrativos e operacionais; e

III – a Comissão Intergestores Regional – CIR, no âmbito regional, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde para efeitos administrativos e operacionais, devendo observar as diretrizes da CIB.

Art. 31. Nas Comissões Intergestores, os gestores públicos de saúde poderão ser representados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – CONASEMS e pelo Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde – COSEMS.

Art. 32. As Comissões Intergestores pactuarão:

I – aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS, de acordo com a definição da política de saúde dos entes federativos, consubstanciada nos seus planos de saúde, aprovados pelos respectivos conselhos de saúde;

II – diretrizes gerais sobre Regiões de Saúde, integração de limites geográficos, referência e contrarreferência e demais aspectos vinculados à integração das ações e serviços de saúde entre os entes federativos;

III – diretrizes de âmbito nacional, estadual, regional e interestadual, a respeito da organização das redes de atenção à saúde, principalmente no tocante à gestão institucional e à integração das ações e serviços dos entes federativos;

IV – responsabilidades dos entes federativos na Rede de Atenção à Saúde, de acordo com o seu porte demográfico e seu desenvolvimento econômico-financeiro, estabelecendo as responsabilidades individuais e as solidárias; e

V – referências das regiões intraestaduais e interestaduais de atenção à saúde para o atendimento da integralidade da assistência.

Parágrafo único. Serão de competência exclusiva da CIT a pactuação:

I – das diretrizes gerais para a composição da RENASES;

II – dos critérios para o planejamento integrado das ações e serviços de saúde da Região de Saúde, em razão do compartilhamento da gestão; e

III – das diretrizes nacionais, do financiamento e das questões operacionais das Regiões de Saúde situadas em fronteiras com outros países, respeitadas, em todos os casos, as normas que regem as relações internacionais.

Seção II

Do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde

Art. 33. O acordo de colaboração entre os entes federativos para a organização da rede interfederativa de atenção à saúde será firmado por meio de Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde.

Art. 34. O objeto do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde é a organização e a integração das ações e dos serviços de saúde, sob a responsabilidade dos entes federativos em uma Região de Saúde, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência aos usuários.

Parágrafo único. O Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde resultará da integração dos planos de saúde dos entes federativos na Rede de Atenção à Saúde, tendo como fundamento as pactuações estabelecidas pela CIT.

Art. 35. O Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde definirá as responsabilidades individuais e solidárias dos entes federativos com relação às ações e serviços de saúde, os indicadores e as metas de saúde, os critérios de avaliação de desempenho, os recursos financeiros que serão disponibilizados, a forma de controle e fiscalização da sua execução e demais elementos necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde.

§ 1º O Ministério da Saúde definirá indicadores nacionais de garantia de acesso às ações e aos serviços de saúde no âmbito do SUS, a partir de diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Saúde.

§ 2º O desempenho aferido a partir dos indicadores nacionais de garantia de acesso servirá como parâmetro para avaliação do desempenho da prestação das ações e dos serviços definidos no Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde em todas as Regiões de Saúde, considerando-se as especificidades municipais, regionais e estaduais.

Art. 36. O Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde conterá as seguintes disposições essenciais:

I – identificação das necessidades de saúde locais e regionais;

II – oferta de ações e serviços de vigilância em saúde, promoção, proteção e recuperação da saúde em âmbito regional e interregional;

III – responsabilidades assumidas pelos entes federativos perante a população no processo de regionalização, as quais serão estabelecidas de forma individualizada, de acordo com o perfil, a organização e a capacidade de prestação das ações e dos serviços de cada ente federativo da Região de Saúde;

IV – indicadores e metas de saúde;

V – estratégias para a melhoria das ações e serviços de saúde;

VI – critérios de avaliação dos resultados e forma de monitoramento permanente;

VII – adequação das ações e dos serviços dos entes federativos em relação às atualizações realizadas na RENASES;

VIII – investimentos na rede de serviços e as respectivas responsabilidades; e

IX – recursos financeiros que serão disponibilizados por cada um dos partícipes para sua execução.

Parágrafo único. O Ministério da Saúde poderá instituir formas de incentivo ao cumprimento das metas de saúde e à melhoria das ações e serviços de saúde.

Art. 37. O Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde observará as seguintes diretrizes básicas para fins de garantia da gestão participativa:

I – estabelecimento de estratégias que incorporem a avaliação do usuário das ações e dos serviços, como ferramenta de sua melhoria;

II – apuração permanente das necessidades e interesses do usuário; e

III – publicidade dos direitos e deveres do usuário na saúde em todas as unidades de saúde do SUS, inclusive nas unidades privadas que dele participem de forma complementar.

Art. 38. A humanização do atendimento do usuário será fator determinante para o estabelecimento das metas de saúde previstas no Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde.

Art. 39. As normas de elaboração e fluxos do Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde serão pactuados pelo CIT, cabendo à Secretaria de Saúde Estadual coordenar a sua implementação.

Art. 40. O Sistema Nacional de Auditoria e Avaliação do SUS, por meio de serviço especializado, fará o controle e a fiscalização do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde.

§ 1º O Relatório de Gestão a que se refere o inciso IV do art. 4º da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, conterá seção específica relativa aos compromissos assumidos no âmbito do Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde.

§ 2º O disposto neste artigo será implementado em conformidade com as demais formas de controle e fiscalização previstas em Lei.

Art. 41. Aos partícipes caberá monitorar e avaliar a execução do Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde, em relação ao cumprimento das metas estabelecidas, ao seu desempenho e à aplicação dos recursos disponibilizados.

Parágrafo único. Os partícipes incluirão dados sobre o Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde no sistema de informações em saúde organizado pelo Ministério da Saúde e os encaminhará ao respectivo Conselho de Saúde para monitoramento.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 42. Sem prejuízo das outras providências legais, o Ministério da Saúde informará aos órgãos de controle interno e externo:

I – o descumprimento injustificado de responsabilidades na prestação de ações e serviços de saúde e de outras obrigações previstas neste Decreto;

II – a não apresentação do Relatório de Gestão a que se refere o inciso IV do art. 4º da Lei nº 8.142, de 1990;

III – a não aplicação, malversação ou desvio de recursos financeiros; e

IV – outros atos de natureza ilícita de que tiver conhecimento.

Art. 43. A primeira RENASES é a somatória de todas as ações e serviços de saúde que na data da publicação deste Decreto são ofertados pelo SUS à população, por meio dos entes federados, de forma direta ou indireta.

Art. 44. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes de que trata o § 3º do art. 15 no prazo de cento e oitenta dias a partir da publicação deste Decreto.

Art. 45. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de junho de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF

Alexandre Rocha Santos Padilha

D.O.U., 29/06/2011 – Seção 1