Relatório diz que ANS não cobrou R$ 2,6 bilhões de planos de saúde
Tribunal argumenta que a ANS tem se limitado a promover a cobrança apenas quando ocorre internação hospitalar
Antonio Gois e Janaina lage (Sucursal do Rio, Folha de S. Paulo)
Relatório do Tribunal de Contas da União mostra que, de 2003 a 2007, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) deixou de cobrar dos planos de saúde R$ 2,6 bilhões de ressarcimento por atendimentos de média e alta complexidade feitos pelo SUS a segurados de operadoras. Com base no relatório, os ministros do TCU aprovaram em 25 de março um acórdão determinando que a agência passe a considerar esses procedimentos em seus processos e que tente reaver o que deixou de ser cobrado desde 1998, quando entrou em vigência a lei dos planos de saúde.
A lei que regulamentou o setor (9.656, de 1998) determina em seu artigo 32 que as operadoras têm que ressarcir o SUS (Sistema Único de Saúde) quando um paciente utiliza a rede pública para um procedimento para o qual esteja coberto pelo plano. A cobrança tem sido questionada pelas operadoras, que movem ação de inconstitucionalidade ainda não julgada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal. A única decisão do órgão, em caráter liminar, autorizou a cobrança.
O TCU argumenta que a ANS tem se limitado a promover a cobrança apenas quando ocorre internação hospitalar, deixando de lado casos de atendimento ambulatorial (como consultas e exames) de média e alta complexidade, alguns bastantes onerosos. A estimativa de que R$ 2,6 bilhões deixaram de ser arrecadados nesse período leva em conta auditoria feita pelo TCU na ANS referente aos anos de 2003 a 2007.
4% do Orçamento
Segundo o tribunal, esse valor representa mais de quatro vezes o que hoje é efetivamente ressarcido ao SUS pelos planos pelas internações hospitalares. Ele corresponde a cerca de 4% do orçamento previsto para o Ministério da Saúde neste ano, da ordem de R$ 60 bilhões. “O TCU detalha claramente o crime do não ressarcimento ao SUS. Trata-se de uma transferência vergonhosa de dinheiro público para o setor privado”, diz o deputado federal licenciado José Aristodemo Pinotti (DEM-SP), que fez o pedido de auditoria ao tribunal quando estava na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados.
Além de determinar que a ANS passe a fazer cobrança também dos atendimentos ambulatoriais de alta e média complexidade, o TCU criticou o atual sistema de ressarcimento, que dá, no entender do órgão, excessivas possibilidades de recursos por parte das operadoras, o que acaba provocando lentidão na cobrança. A ANS prepara para este ano uma mudança na forma de cobrança das operadoras. Hoje, a iniciativa de procurar pacientes segurados atendidos no SUS cabe à agência, que notifica a operadora e, a partir daí, abre um processo que pode ou não levar a cobrança.
Sabe-se já que o novo sistema funcionará como o do imposto de renda, ou seja, caberá inicialmente a cada operadora informar, por meio eletrônico, quanto ela deve ao SUS. A ANS passará então a ter um papel fiscalizador, identificando e punindo a sonegação. A Folha procurou a ANS, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar o relatório. A agência diz que não irá se manifestar até ter acesso ao relatório do TCU.
Em artigo publicado em fevereiro na Folha -porém, antes da divulgação do relatório- o presidente da agência, Fausto Pereira dos Santos, e seu diretor, Leoncio Feitosa, reconhecem dificuldades do órgão para agilizar as cobranças e lembram que haverá mudanças nos processos administrativos para facilitar o ressarcimento. Eles argumentam, no entanto, que os atendimentos passíveis de ressarcimento ao SUS representam apenas 1,16% do total de internações e que precisam respeitar todos os prazos regimentais de defesa por parte das operadoras antes de efetuar a cobrança.
Fonte: Folha de S. Paulo, 28/3/09
A notícia foi comentada no blog de Josias de Souza (Folha On Line – josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br). Ele chama atenção para o prejuízo causado ao Ministério da Saúde pelo fato de a ANS cobrar dos planos privados apenas o custo relativo das Autorizações de Internações Hospitalares e deixar de exigir o ressarcimento dos procedimentos ambulatoriais, inclusive os mais caros.
Governo deixa de cobrar bilhões de planos de saúde
* Só entre 2003 e 2007, prejuízo foi de R$ 2,6 bi, diz TCU
* Dinheiro cobriu exames da clientela dos planos privados
* Pela lei, SUS deveria ser ressarcido, mas ANS não cobrou
* Cobrança vem sendo negligenciada desde o ano de 1998
Sancionada em 1998, ainda sob FHC, a Lei dos Planos de Saúde (9.656) traz em seu artigo 32 uma regra que foi vista como redentora para o SUS. Prevê que os planos privados de saúde teriam de ressarcir o governo sempre que um de seus clientes fosse atendido em hospitais públicos. O ressarcimento alcançaria as internações e os exames ambulatoriais cobertos pelos contratos firmados com as operadoras dos planos de saúde.
Pela lei, cabe à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) realizar o encontro de contas e efetuar a cobrança. Auditoria feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União) mostra que a ANS vem realizando o seu trabalho pela metade. A agência cobra dos planos privados apenas o custo relativo às chamadas AIHs (Autorizações de Internações Hospitalares). E deixa de exigir o ressarcimento dos procedimentos ambulatoriais, inclusive os mais caros, liberados por meio de uma chamada APAC (Autorização de Procedimentos de Alto Custo).
O resultado da inépcia é um prejuízo bilionário ao ministério da Saúde. Pelas contas do TCU, só no intervalo de 2003 a 2007, o rombo soma R$ 2,6 bilhões. O prejuízo é bem maior se considerados os valores que deveriam ter sido devolvidos à Viúva desde 1998, quando a lei foi aprovada. Uma conta que está por ser feita. A encrenca foi descoberta numa inspeção que os auditores do TCU fizeram na ANS. Deu-se no período de 25 de agosto a 5 de setembro do ano passado. O trabalho dos auditores (íntegra disponível aqui) foi a voto, no plenário do TCU, sete dias atrás. O texto foi aprovado pelos seis ministros presentes à sessão.