Retomada do Mais Médicos para o Brasil: cuidado de qualidade com base na formação profissional

Ligia Giovanella, sanitarista e pesquisadora pesquisadora no campo de Políticas Públicas e Saúde, escreveu ao portal da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (Rede APS) uma análise sobre a retomada do programa Mais Médicos, anunciada na segunda-feira (20) pelo presidente Lula e pela Ministra da Saúde Nísia Trindade. Ligia chamou atenção para o enfoque na formação profissional, que contará com apoio de uma Comissão lnterministerial de Gestão da Educação na Saúde.

Sobre o novo Mais Médicos, Ana Costa, diretora-executiva do Cebes, destacou o fortalecimento do compromisso do Sistema Único de Saúde na redução da desigualdade do direito à Saúde no Brasil. Para ela, o programa avança na ocupação em áreas longínquas do País por médicos, fortalecendo a Atenção Primária e atuando também na formação de profissionais.

Segundo Ana, a presença de um médico “sem dúvida” tem impacto em assuntos sanitários importantes, como controle de doenças crônicas, de desnutrição e outros aspectos relativos à Saúde da população. Ela lembrou da queda de mortes maternas, resultado da primeira edição do Mais Médicos, que propiciou facilidade de acesso a consultas de pré-natal em lugares antes desprovidos de profissionais. A diretora do Cebes também reconheceu a necessidade de médicos e outros profissionais para lidar com efeitos da pandemia de Covid-19 no Brasil – incluindo o que se convencionou de chamar de Covid Longa, que são efeitos mais duradouros da doença.

Para Ana, não é suficiente apenas prover mais médicos. “Precisamos prover infraestrutura, equipe de saúde e condições para essas pessoas de fato tenham seus problemas de saúde resolvidos”. “Precisamos de mais profissionais de enfermagem, mais fisioterapeutas, mais nutricionistas, mais odontologistas. Enfim, mais profissionais de saúde para que a saúde realmente seja prestada com a dignidade que a nossa população merece”.

Claudia Travassos, pesquisadora em Saúde Coletiva, também viu avanços em incentivos para adesão de médicos às regiões mais remotas ou periferias pobres dos grandes centros metropolitanos. Claudia destacou o apoio de profissionais através do recurso da telemedicina. “Há, portanto, um cuidado com a qualidade e com a formação continuada”.

Veja a seguir o texto de Ligia Giovanella publicado originalmente no portal da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (Rede APS).

A retomada do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMM) foi anunciada pelo Presidente Lula em solenidade no Palácio do Planalto em 20 de março de 2023. Além da Ministra da Saúde e do Ministro da Educação, a solenidade contou com a participação dos presidentes do Conass, Conasems, e Conselho Nacional de Saúde e da presidenta da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade). Os integrantes da mesa, em suas falas, foram unânimes em afirmar a importância do PMM em levar médicos para as áreas remotas e periferias e ao demonstrar contentamento da retomada do diálogo intergovernamental e com o controle social na formulação das políticas de saúde. A Ministra Nísia Trindade ao apresentar as novas medidas do PMM destacou que o programa resulta do trabalho conjunto do MS com Conass, Conasems, CNS para o fortalecimento da APS no SUS. Enfatizou a importância do cuidado de qualidade com prioridade do programa na formação profissional, em estreita colaboração com o Ministério da Educação. 

Lula em seu pronunciamento destacou a prioridade em seu governo para a saúde, e a intenção de melhorar o financiamento do SUS, voltando a reafirmar: saúde não é gasto é investimento. “Cuidar das pessoas e salvar vidas não é gasto”. “Você não pode tratar a saúde como gasto porque não tem investimento maior do que salvar uma vida”…“Tudo o que é para cuidar da saúde da população, a gente tem que ver sempre como investimento”.

A prioridade para a formação médica, componente estratégico na lei do PMM é retomada, com ênfase na garantia da qualidade da atenção prestada, via formação, com diversas estratégias de educação permanente, incluindo residências médicas e multiprofissionais, mestrado profissional e especializações lato sensu e aperfeiçoamento. 

O importante componente de formação para a qualificação profissional, na retomada do PMM se expressa também na criação de uma Comissão lnterministerial de Gestão da Educação na Saúde, por decreto presidencial. De natureza consultiva e com caráter permanente, a comissão integrada pelos Ministérios da Saúde e da Educação deverá fornecer subsídios para a formação de recursos humanos para a saúde, conforme princípios e diretrizes do SUS (Presidência da República, Decreto n 11.440 20.03.2023.) A Comissão deverá identificar a demanda de profissionais de saúde no SUS, para subsidiar políticas de provimento e incentivo à fixação de profissionais de saúde, conforme a necessidade da respectiva região; e entre outras atribuições,  propor ao Ministro da Educação políticas para a revalidação de diplomas de cursos de nível superior na área de saúde obtidos em instituições de educação de nível superior estrangeiras (Presidência da República, Decreto n 11.440 20.03.2023.)

Uma Medida Provisória foi enviada ao congresso instituindo a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, no âmbito do Programa Mais Médicos. A MP altera a Lei nº12.871/2013 que criou o PMM. Estabelece como finalidade do PMM uma abordagem de APS abrangente que alia o cuidado individual e a saúde coletiva: “Fortalecer a prestação de serviços na atenção primária à saúde no País, de modo a promovero acesso de primeiro contato, a integralidade, a continuidade e a coordenação do cuidado, e qualificar aabordagem familiar e comunitária capaz de reconhecer e interagir com as características culturais etradicionais de cada território atendido”. A formação especializada é enfatizada para profissionais médicos das diversas áreas, além da Medicina de Família e Comunidade: “garantir a integralidade com transversalidade do cuidado no âmbito dos ciclos de vida, pormeio da integração entre educação e saúde, com vistas a qualificar a assistência especializada em todosos níveis de atenção do SUS; eampliar a oferta de especialização profissional nas áreas estratégicas para o SUS.” (MP 1.165).

A preocupação com a redução da rotatividade de médicos do PMM é bem expressada em incentivos monetários, além dos incentivos para a formação. Para promover a fixação dos médicos durante os 4 anos são estabelecidos incentivos financeiros substantivos relacionados ao tempo de permanência na localidade e o grau de vulnerabilidade das áreas em que atuam,  e, importantes descontos na dívida do FIES para médicos que realizaram sua formação com este financiamento. Por exemplo, segundo Nésio Fernandes, secretário da SAPS, o o incentivo por atuação em área de difícil fixação será de até 140 mil reais para quem completar os 4 anos de projeto e concluir as especializações ofertadas. Para quem se graduou com auxílio do FIES, a indenização poderá variar de R$ 240 mil a R$ 490 mil reais.

Os pagamentos continuarão a ser feitos por bolsas. Para tal será criado um programa próprio de bolsas de estudo e pesquisa para projetos e programas de educação pelo trabalho desenvolvidos no âmbito do Programa; e contratada uma “instituição financeira oficial federal” para realizar pagamento das bolsas e dos incentivos previstos no PMM (MP 1.165).

Para a seleção dos editais do Mais Médicos, permanece a prioridade para contratação de médicos brasileiros formados no país. Os profissionais intercambistas, brasileiros formados no exterior ou estrangeiros, continuarão atuando com Registro do Ministério da Saúde (RMS).

Foi anunciado que serão ofertadas cinco mil vagas do PMM em edital a ser lançada ainda em abril, o que cobriria as vagas ociosas atualmente existentes, estimadas em mais de 4 mil equipes sem médico. De um total de 18 mil vagas preenchidas em 2014 pelo PMM, somando-se profissionais alocados pelo PMM (5.237) e pelo Médicos pelo Brasil (MPB) (6.895) estavam alocados 12.132 médicos no início de 2023, conforme divulgado na reunião da CIT de fevereiro (SAPS/MS 2023). Para reduzir as lacunas no preenchimento de vagas ociosas devido à elevada rotatividade (médicos com CRM ficam em um posto em média somente um ano e sete meses) prevê-se a elaboração de editais do PMM a cada 90 dias. A retomada dos editais foi possibilitada pelo adicional orçamentário da PEC da Transição de cerca de 1,1 bilhões de reais para o programa (SAPS/MS 2023).

Outras dez mil vagas poderão ser ofertadas com coparticipação dos municípios. Segundo Nésio Fernandes “Além das 18 mil vagas financiadas integralmente pelo MS, os municípios poderão aderir a vagas extra-teto, desde que autorizem a contrapartida municipal de descontar o valor da bolsa do teto federal no financiamento da atenção primária do município”.

O tempo de permanência no PMM atual será de quatro anos com possibilidade de renovação por mais 4 anos (no PMM era de 3 anos e no MPB de dois anos). Isto permitirá que os médicos façam a prova de título da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, pois para realização de prova de especialidade, as sociedades médicas exigem experiência mínima de quatro anos na área. Títulos de especialistas também são concedidos por meio de residência médica reconhecida pelo MEC.

A participação da presidente da SBMFC no lançamento do programa é emblemática da importância concedida à especialidade em MFC para a qualidade da atenção prestada na APS. Considerada o padrão ouro de formação médica especializada, a Residência de Medicina de Família e Comunidade realizada conforme a matriz de competência da especialidade é destacada na MP como correspondendo a uma das ações de aperfeiçoamento da Atenção Básica previstas no programa. A residência em MFC será fortemente incentivada, com indenização da dívida completa do FIES para os médicos que concluírem esta residência, obtendo o título de especialista.

Você pode comparar as mudanças na lei do PMM propostas na MP 1.165 de 20.03.2023 no seguinte link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11440.htm .

Para ler a MP 1.165 acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1165.htm 

Assista o lançamento do PMM em no link ou a seguir:

Referências

  1. MP – Medida Provisória Nº 1.165, de 20 de março de 2023 institui a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, no âmbito do Programa Mais Médicos e altera a lei No: 12.8711. DOU 21/03/2023 | Edição: 55 | Seção: 1 | Página: 1. Atos do Poder Executivo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1165.htm 
  2. Presidência da República, Decreto n 11.440 de 20 de março de 2023. DOU 21/03/2023 | Edição: 55 | Seção: 1 | Página: 2. Atos do Poder Executivo disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11440.htm 
  3. SAPS/MS. Apresentação na CIT de fevereiro de 2023. APS do Futuro. Desafios e perspectivas / Mais Médicos. Disponível em https://www.conass.org.br/videos-reunioes-da-cit/    

Leia o texto publicado originalmente no portal da Rede APS.

Galeria

Brasília (DF), 20/03/2023 – A ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante anúncio da retomada do programa Mais Médicos para o Brasil.
Brasília (DF), 20/03/2023 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante anúncio da retomada do programa Mais Médicos para o Brasil. Crédito: Marcelo Camargo | Agência Brasil