Rio + 20, consenso geral e lentidão política
Zillah Branco – 15/7/12
Assistindo ao evento Rio + 20, de longe e pelas lentes da mídia, a vontade geral dos manifestantes, inclusive de alguns chefes de Estado de países mais pobres que estão em luta pelo desenvolvimento democrático que integra a participação popular, foi unânime pela criação de ações imediatas de defesa da natureza e das populações mais carentes. Por Zillah Branco
Uma grande conquista conceitual foi incorporar a proteção dos recursos naturais à da integridade da humanidade que paga com a própria vida os desmandos de uma elite predatória.
O documento assinado revela as restrições impostas pelo sistema político amarrado às conveniências diplomáticas que contornam o medo da transparência imposto pelos “donos da guerra”. Esta é uma realidade que inibe a democracia e castra a independência dos países ameaçados, oprime os defensores da democracia e atemoriza os responsáveis pela Paz mundial.
O interessante do momento histórico presente é que se instalou uma dicotomia de interesses entre “poderosos que ameaçam com guerra” e “trabalhadores, empresários e populares” que querem construir um planeta livre de ameaças de qualquer tipo contra a humanidade e a natureza de que depende.
Os que redigiram o documento da Rio + 20 conseguiram equilibrar as intenções manifestadas pela população “livre daquelas condições diplomáticas” que se organizara como ONGs ou grupo de estudos específicos, com as pressões exercidas pela polícia imperialista. Foi uma obra prima de equilíbrio que mereceu a crítica de que não explicita valores e datas de ação para cumprir as linhas de recomendação que inverte o caminho da destruição da natureza e da humanidade no planeta.
Dentro dos limites estreitos suportados pelos 191 países representados no Encontro Rio + 20, alguns presidentes, no entanto, falaram com perfeita clareza coincidindo com o que a população militante ansiava: Evo Morales, da Bolívia (que foi aplaudido três vezes pela plateia presente) criticou o sistema capitalista e o conceito de economia verde, que classificou como um novo termo para fazer prosperar o colonialismo. Ele ressaltou ainda a importância de os recursos naturais dos países não ficarem nas mãos de empresas privadas e, sim, sob o comando do Estado.
“Sinto informar que analisei com seriedade e acompanhei o que se convencionou chamar de economia verde. Isso não passa de um novo colonialismo para submeter os povos mais pobres ao capitalismo. Vamos refletir sobre isso. Se queremos que esse evento seja histórico, não temos outra alternativa a não ser acabar com essas políticas do lucro, acabar com o humanicídio”, afirmou.
“A economia verde coloniza e privatiza a biodiversidade a serviço de poucos. Verticaliza os recursos naturais e transforma a natureza em uma mercadoria. Converte todas as fontes da natureza em um bem privado a serviço de poucos”, condenou.
Segundo Morales, é preciso acabar com o modelo econômico capitalista como forma de garantir o futuro do planeta. “Seria importante refletir sobre as gerações futuras, acabando com esse modelo de saques, de depredação dos recursos naturais, acabar com o capitalismo”.
Morales acusou os países mais ricos de quererem obrigar os países do Sul a serem os guardiães pobres das florestas e afetarem sua soberania ditando como devem utilizar seus recursos naturais. “Querem criar mecanismos de intromissão, para julgar e monitorar nossas políticas nacionais com argumentos ambientalistas”, declarou.
“A indústria do Norte transforma tudo em algo a ser vendido. Privatiza a riqueza e socializa a pobreza. Usurpa a natureza, que é a herança comum de todo ser vivo”, disse ao citar o líder cubano Fidel Castro.
Ele lembrou a realização da Eco-92, a conferência da ONU sobre meio ambiente realizada há 20 anos no Rio de Janeiro, e citou o discurso de Fidel no encontro. “Como um homem muito sábio que é, ele nos disse na época: “vamos acabar com a fome e não com o homem, paguemos a dívida ambiental e não a dívida externa”. Passaram-se vinte anos e ainda precisamos deixar de lado a dívida imposta pelo modo capitalista”, afirmou.
Ao destacar que, naquele dia, era feriado na Bolívia para comemorar o festival do Sol, em uma homenagem à natureza, Morales criticou a privatização dos recursos naturais. “O sistema imperialista extrai cada recurso natural e transforma em um negócio, em lucro. O faz com visão de curto prazo, de privatização dessa riqueza para garantir mais ganhos. Colonializa a natureza, transformando uma fonte de vida em ativo privado para benefício de poucos.”
O presidente também citou como exemplo a política adotada em seu país de nacionalizar os recursos naturais, antes nas mãos de grandes conglomerados internacionais, como o setor de petróleo. “Nossa economia mudou após recuperarmos a posse dos combustíveis fósseis. Com todo respeito, os países da África e todas as nações pobres precisam fazer o mesmo, precisam recuperar seus recursos naturais, que não devem ser de posse dos negócios privados”, disse ao citar que, na Bolívia, os serviços de telefonia e água foram nacionalizados. “Isso é obrigação do Estado, não é um negócio internacional”, completou.
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, que também falou na plenária, foi breve e ameno em seu discurso e disse acreditar que a conferência chegará a alcançar um modelo de desenvolvimento coerente com os interesses sociais e econômicos dos países. “O legado do Rio continua vivo e deve continuar assim para o bem das futuras gerações.”
Foi a expressão típica de um Chefe de Estado mais preocupado com as pressões externas que com as necessidades do seu povo.
Em outro momento foi o presidente do Irã, Ahmadinejad, que defendeu ideias humanistas que levem as diversas religiões a exprimirem com as suas filosofias sobre a vida e o ser humano a necessidade imperiosa de defender a natureza e acabar com a miséria no mundo. Estas também foram as reivindicações que Leonardo Boff apresentou, do lado de fora do encontro, com a liberdade democrática que gozava junto ao seu grupo.
Provavelmente, muitos outros lideres nacionais, da África, da Ásia e da América Latina, expressaram o mesmo que a população livre de compromissos diplomáticos, sem que as suas palavras pudessem aparecer no documento da ONU. Não foram também divulgadas pela mídia, que por razões diferentes das que tolheram os diplomatas, preferiram dar voz aos que, como o representante de Israel, se opuseram aos presidentes que contrariaram os interesses antidemocráticos que o sistema capitalista impõe.
Acompanhando atentamente o que ocorreu em torno do Encontro Rio + 20, mesmo sem ter acesso aos textos escritos ou orais de todos os intervenientes, ficou claro que houve uma profunda mudança na consciência política das populações nestes últimos vinte anos. E foi no programa Painel da Globo News (25/06/12) que se ouviu uma conclusão espantosa vindo de expoentes da elite brasileira coordenados por William Waack. Nas palavras de um diplomata, ex-embaixador: “O sistema político diplomático que exerce a governança no planeta está bloqueado”(…) “É necessário criar um novo sistema, um novo modo de produção e de consumo”. Será que aplaudiram Evo Morales e Ahmadnejad?
Em outro encontro “livre”, onde estiveram presentes vários economistas ligados aos bancos, empresários ambientalistas interessados em lançar as novas tecnologias que não agridam a natureza, mas garantam o crescimento econômico, criticaram os países ricos que não quiseram participar do encontro de interesse mundial. Dirigidos pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, fizeram claras críticas aos países ricos que não mandaram seus representantes ao Encontro Rio + 20. “A crise não é desculpa, pois há muitos técnicos em cada governo que podem ser destacados”(…) “os empresários têm de considerar que a defesa da natureza está ligada ao combate à desigualdade, e que se incorpora nos lucros”. Têm uma visão mais moderna do capitalismo que também percebe que o caminho imperialista levará à destruição das suas empresas, da humanidade e da natureza.
Com o novo conceito da economia relativo às “externalidades” que hoje recebem valores financeiros de custo e benefício, abriu-se a oportunidade, para os adoradores do mercado como “o guia teórico e prático” da ciência econômica, darem algum valor à humanidade e aos recursos naturais. Começaram a se preocupar com a sobrevivência dos consumidores e a formação dos trabalhadores para que possam vender e produzir os seus produtos sem sacrificar o lucro.
Mais recente é a atribuição de valor aos “bens naturais”, como a chuva que aumenta a produção da energia, os micro-organismos que enriquecem a terra e a protegem da destruição pelo uso agrícola, o ar não poluído que garante a saúde tanto dos produtos como dos consumidores. Hoje aceitam as razões filosóficas e ideológicas de esquerda que há milênios defendem os seres humano e naturais porque conseguem quantificar o custo e benefício que a empresa vai incorporar. Oportunisticamente utilizam, nas formas publicitárias, os velhos conceitos filosóficos que são aceitos pela maioria da população apesar de que seu impulso inicial seja claramente a ambição de lucro.
E é esta adoção falsa de uma filosofia que, para os comandantes do sistema capitalista, nunca foi respeitada (e ao contrário, sempre ajudaram a reprimir), que revolta alguns contra o termo “economia verde” que, como disse uma participante camponesa, “de verde esta nova economia só tem as notas de dólares”.
Ficamos com as palavras e com a permanente diferença entre os que lutam com fundamentos filosóficos e ideológicos e os que só buscam os lucros. A nível do discurso a
linguagem se confunde e parece homogênea, mas diante de um compromisso político nacional a pouca clareza dos conceitos dificulta as assinaturas e impede que os objetivos sejam datados e os seus custos quantificados.
A ONU reúne os mais diferentes países do planeta, mas não elimina a história de saque e destruição dos produtos naturais da época do colonialismo que ainda sucede no tempo moderno pela via dos instrumentos criados pelo imperialismo. A Índia não conseguiu ainda corrigir os erros criados com o programa da “revolução verde” orientada pelo Banco Mundial, que esterilizou o solo e destruiu a seleção tradicional das sementes de arroz com o uso de agrotóxicos e criação de transgênicos. O mesmo aconteceu em quase todo o continente africano e grande parte da América Latina. Quem vai assumir os custos da correção dos desastres ecológicos que beneficiaram os que hoje são os países ricos e levaram à miséria os que estão lutando pelo desenvolvimento? Ainda é impossível uma assinatura “entre nações irmãs” sem antes dividirem as heranças históricas que também são “externalidades” quantificáveis.
* Zillah Branco é socióloga, militante comunista, conselheira do Cebrapaz e colaboradora do Vermelho