Rio+20 e a governança ambiental global
Valor Econômico – 11/04/2012
Cresce a expectativa em torno da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro. Diante da importância que o meio ambiente assumiu na agenda internacional, decisões relevantes são esperadas, de maneira a promover, de modo significativo, o desenvolvimento sustentável no planeta.
Um dos temas que vem provocando interesse e controvérsia no documento base da Rio+20 diz respeito à governança dos temas ambientais na estrutura da ONU. Há consenso sobre sua prioridade nas discussões; subsistem, entretanto, dúvidas e divergências quanto ao formato que ela deve assumir. De um lado, países europeus defendem a criação de uma organização internacional, a Organização Mundial do Meio Ambiental (OMMA) que, nos moldes de outras entidades (Organização Mundial do Comércio, Organização Mundial da Saúde), substituiria o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972, na Conferência de Estocolmo. Segundo seus defensores, tal ação fortaleceria politicamente o organismo, aumentaria seu orçamento e tornaria suas decisões muito mais efetivas no âmbito internacional. Em posição oposta, estão aqueles que rejeitam mais um órgão burocrático, que poderia interferir em políticas internas e até encobrir ações protecionistas de países ricos.
Mas, afinal, o que de fato significa governança ambiental global? Trata-se de uma expressão repetida com frequência nos últimos tempos, mas nem sempre compreendida em sua devida dimensão. Grosso modo, poder-se-ia defini-la como a arquitetura do sistema de gestão internacional do meio ambiente. A palavra arquitetura é bem expressiva, na medida em que traduz o desenho da organização e o projeto de administração dos problemas relativos ao meio ambiente, especialmente no que diz respeito à forma com que eles serão tratados.
Governança é, porém, mais do que um simples conjunto de formatos de gestão. Na realidade, ela se desdobra em quatro planos, que a definem de modo muito mais preciso. Em primeiro lugar, é preciso não perder de vista, quando se menciona a governança global, seu caráter instrumental. Ela é meio e processo capaz de produzir resultados eficazes. É ferramenta importante para a solução de problemas globais, ao mesmo tempo em que sua efetivação desencadeia processos (muitas vezes longos e complexos) através dos quais as questões envolvidas são tratadas. Nessa linha, a Comissão sobre Governança Global, criada pela ONU no começo dos anos 1990, definiu governança como “a totalidade das maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns”.
Governança só existe com participação ampliada em todos os processos (diagnósticos e estudos preliminares, articulação de interesses, discussão dos problemas, análise das alternativas, tomada de decisões, implementação e monitoramento/controle). Nesse segundo importante ponto, fica evidente que a governança se distingue dos mecanismos clássicos do Direito Internacional (onde apenas sujeitos de direito, como os Estados nacionais ou as Organizações Internacionais, participam). A efetiva Governança Ambiental Global exige, portanto, a presença e o envolvimento ativo de Estados e organismos internacionais ao lado da sociedade civil, representada pelas organizações não governamentais (ONGs), empresas transnacionais e a comunidade científica.
Enquanto as ações governamentais são baseadas na coerção, na obrigação de cumprir, os fundamentos da governança estão no consenso e na cooperação. Esse é o terceiro aspecto que caracteriza os processos que envolvem os diferentes atores na efetivação da Governança Ambiental Global. Mesmo em face de divergências (como entre países ricos e em desenvolvimento na questão das mudanças climáticas e redução da emissão de gases de efeito estufa, ou nas disputas entre empresas e ONGs), o objetivo central é sempre construir pontos comuns capazes de trazer avanços, em muitos casos para superar a anarquia do sistema internacional ou minimizar dilemas de ação coletiva, onde alguns buscam evitar os custos de cooperar sem deixar de usufruir dos benefícios.
Finalmente, não há governança sem um conjunto de instituições internacionais, ou seja, de princípios, regras e normas, formais ou informais, que buscam dar conta dos problemas, balizar comportamentos e estabelecer metas para controle e limitação de ações predatórias ou ameaçadoras ao meio ambiente.
Pôr em pé o edifício da Governança Ambiental Global é tarefa inadiável da agenda internacional. Sem ela, é impossível imaginar a possibilidade de avanço na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. A Organização Mundial do Meio Ambiente pode ser um elemento importante para sua construção. Não é, porém, o único caminho. Nesse sentido, a posição da diplomacia brasileira é interessante e realista. Critica a criação de uma agência ambiental mundial, como ressaltou o embaixador André Corrêa do Lago em entrevista ao Valor (16/2/2012), mas aponta uma alternativa: uma agência internacional sobre desenvolvimento sustentável, para tratar de modo equilibrado e simultâneo problemas econômicos, ambientais e sociais.
Meio ambiente não é um problema isolado, que diz respeito exclusivamente a questões de poluição, biodiversidade ou mudanças climáticas. Por meio da ideia do desenvolvimento sustentável, o ambiente articula-se com as várias dimensões: cultural, política, econômica e social. E, durante a Rio+20, é preciso não esquecer, em nenhum momento, que a Governança Ambiental Global é o meio essencial para sua promoção.
Alcindo Gonçalves é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e coordenador do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Santos.