Saúde é o que interessa

O Globo – 15/12/2011

Em pesquisa para novo plano estratégico do Rio, 54% dos cariocas apontam setor como maior desafio

Cariocas são bacanas, espertos e diretos. Não são versos de música, mas conclusões que saltam de uma pesquisa do Ibope, feita a pedido da prefeitura, que entrevistou mil moradores do Rio. Ao responderem qual era o principal desafio da cidade, 54% não pensaram duas vezes: a saúde. Surpreendendo, o item segurança e violência ficou em segundo lugar entre as preocupações, com 14%. Em terceiro, com 12%, educação. Convidados a pensar o futuro, 21% dos entrevistados responderam que, se todos os problemas apontados por eles fossem resolvidos, o Rio ainda precisaria melhorar a segurança e 13% lembraram valores de cidadania como população mais educada, união de todos, mais respeito entre as pessoas e mais justiça social e melhor distribuição de renda.

O material da pesquisa servirá de base na elaboração do novo plano estratégico do Rio para 2012-2016, que deve ficar pronto em março. Além da percepção dos cariocas, serão consideradas as análises de 50 notáveis – especialistas de dentro e de fora do município -, mais as metas já estabelecidas no último plano e até as sugestões de 200 conselheiros. O plano em vigor abrange o período 2009-2012. Hoje, em evento de manhã no Palácio, o prefeito Eduardo Paes cria o Conselho da Cidade. Entre os conselheiros estão a atriz Fernanda Montenegro, o poeta Ferreira Gullar e o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto.

Superlotação no transporte incomoda

O Ibope ouviu mulheres e homens, maiores de 16 anos, com escolaridade do fundamental ao superior. Embora 80% tenham dito que estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a vida, as respostas sobre temas específicos revelam que há muito a fazer. As preocupações com a saúde são mais nítidas entre os que ganham até um salário-mínimo, ou seja, dependem mais da rede pública: é o principal desafio para 67% dos entrevistados nessa faixa de renda. A falta de médicos ou de especialistas foi destacada por 24%, a falta de medicamentos por 15% e a demora no atendimento, por 14%.

O resultado não surpreendeu o prefeito Eduardo Paes, que ontem falou com O GLOBO:

– Isso revela que houve um acerto da nossa parte. Os investimentos em saúde, de 2009 para cá, passaram de R$1,8 bilhão para R$4 bilhões, 25% do orçamento. Mas sei que ainda há um longo caminho pela frente porque foram muitos anos de abandono.

O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, lamentou as críticas, ressaltando conquistas como a queda da mortalidade infantil e o aumento de 500% no número de consultas.

– Acho que há uma desinformação e expectativas de resultados que não são entregáveis. A dengue é um exemplo. Vende-se a ideia de que é muito simples combater a doença. Sou pessimista. Não está sendo fácil em nenhum lugar do mundo e não será aqui – avalia Dohmann.

Em transporte, a pesquisa revela que 39% estão insatisfeitos com a superlotação dos ônibus, 27% com a espera pela condução, 21% com a falta de educação dos motoristas e 20% com o mau estado dos veículos.

Sobre a conservação do Rio, 51% responderam que o que mais incomoda é o lixo jogado no chão e 41%, os buracos. Os sacos de lixo na calçada foram mencionados por 39% das pessoas. Houve ainda 28% de referências a calçadas estragadas e 15% a carros estacionados em locais proibidos.

A poluição do ar preocupa 29% e a de rios e lagos, 21%. Ainda em meio ambiente, as enchentes, comuns na cidade, em especial no verão, não foram esquecidas: o problema aflige 15% dos entrevistados. Uma curiosidade mostra que cariocas são bacanas a ponto de fazerem mea culpa: perguntados sobre como poderiam contribuir, 20% responderam que não jogando lixo na rua e 11%, reciclando lixo. Para a prefeitura, chama a atenção que apenas 11% achem que a limpeza é uma atribuição exclusiva do poder público.

Lixo, um dos temas mais preocupantes

Em janeiro de 2012, os conselheiros se reunirão pela primeira vez para propor sugestões para dez grandes áreas, de saúde a transporte. Depois, a cada seis meses, haverá reuniões de monitoramento da execução do plano. O atual plano estratégico tem 46 metas e 37 iniciativas listadas como estratégicas. O secretário municipal da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho, responsável pela execução, estima que 80% das metas estipuladas até este ano foram atingidas. Mas ele observa que fatos novos, como a escolha do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016, mais do que justificam a revisão das metas.

– A cidade não para. O planejamento é uma coisa concreta, com objetivos, estratégias e orçamento. O plano não é um livro de boas intenções. Será a nossa Bíblia nos próximos quatro anos – diz Pedro Paulo, informando que os conselheiros não receberão remuneração. – Eles é que estarão nos doando tempo e ideias. Convidamos cariocas apaixonados pelo Rio que se destacam em suas áreas.

Há muita expectativa. Para o poeta Ferreira Gullar, lixo é prioridade.

– O Rio é uma das cidades mais sujas do mundo. Não é um problema do prefeito, mas um mau hábito de toda a população. Outro dia eu fui à praia e estava tudo uma imundície. Tinha uma grande quantidade de garrafas de plástico pela areia, pelo calçadão, pela sarjeta – diz Gullar, que acredita ter sido convidado para ser conselheiro por sua postura crítica – Eu tenho a maior disposição de ajudar. Não posso só ficar na crítica.

Um último dado da pesquisa, a título de bisbilhotice antropológica: somos todos otimistas sobre o futuro (60% do total), mas os homens são um pouquinho mais: 57% deles contra 48% das mulheres.