Saúde e Qualidade de Vida: políticas de Estado e desenvolvimento

Por Daniela Trettel (*)

Anunciado em 05 de dezembro, o Programa Mais Saúde do Governo Federal, conhecido como PAC da saúde, traz três medidas sobre planos de saúde: instituição da portabilidade de carências, mudanças nas regras de ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) e criação de um fundo garantidor para utilização em casos de quebra de operadoras.

O texto do PAC da saúde não trouxe muitas informações sobre como e quando serão implementadas as medidas propostas. A previsão é a de “encaminhar ao Congresso, em 2008, projeto de lei contemplando a portabilidade, ressarcimento e implantação de um fundo garantidor, assegurando condições adequadas de concorrência que sejam benéficas para o consumidor e para o funcionamento do mercado de saúde suplementar”.

Enquanto as demais medidas na área de saúde possuem metas de implementação traçadas, para as medidas em planos de saúde elas não existem. Em seu discurso na apresentação do plano, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, deu a entender que as medidas ainda serão discutidas.

Portabilidade de carências
“Viabilizar a portabilidade das carências nos Planos de Saúde, eliminando a necessidade de cumprimento de novos prazos quando da mudança de operadora”. (PAC, item 2.15.1)

De acordo com a Lei nº 9.656/98, artigo 12, V, na contratação de planos de saúde é permitida a imposição de carências de até 24 meses. Havendo troca de operadora pelo consumidor não há regra definida quanto à não obrigatoriedade de cumprimento de novas carências. Hoje, as operadoras de planos de saúde aceitam consumidores vindos de outras operadoras sem cumprimento de carências de acordo com critérios próprios, se for interessante economicamente ou mercadologicamente. Ficam prejudicados especialmente os idosos e os portadores de patologias, de quem geralmente são exigidas carências.

A implantação da portabilidade de carências é medida justa e de estímulo à melhora do próprio mercado de planos de saúde. Já foi proposta e discutida diversas vezes pelo Governo Federal e, dessa vez, espera-se que a proposta saia do papel.

Mesmo que implantada, para que a portabilidade seja efetiva na garantia de mobilidade dos consumidores, em especial idosos e pessoas portadoras de patologias, é necessário que suas regras não sejam restritivas. Caso a portabilidade seja restringida a clientes com contratos assinados a partir de determinada data – por exemplo, da data de entrada em vigor das novas regras de portabilidade – o problema de quem hoje tem plano de saúde e quer mudar sem cumprir carências não será resolvido.

Quanto à retroatividade da lei – temática que pode ser levantada em contraposição às colocações do parágrafo acima – lembramos que o julgamento da Adin (ação direta de inconsticionalidade) 1931 ainda não terminou, que a única decisão existente é liminar e que a configuração do STF (Supremo Tribunal Federal) mudou completamente. Além disso, o mesmo tribunal já decidiu pela retroatividade, quando julgada Adin contra a reforma da previdência, justificando-a pela presença de interesse social.

Ressarcimento ao SUS
“Estabelecer novas formas de ressarcimento ao SUS baseado num valor per capita, com alterações na Lei 9.656/98, art. 32”. (PAC, item 2.15.3)

Para ressarcimento ao SUS hoje se utiliza como método a cobrança dos procedimentos de acordo com os valores estabelecidos na Tunep (Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos).

Todavia, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não efetua a cobrança de todos os procedimentos prestados pelo SUS aos usuários de planos de saúde. Se o contrato do consumidor exclui uma doença (como Aids) ou um procedimento (radioterapia, quimioterapia, hemodiálise, etc), mesmo que de forma ilegal, a ANS não realiza a cobrança. Além disso, o rol de procedimento de cobertura obrigatória, editado pela Agência, exclui tratamentos custosos como transplantes de coração, fígado e medula, pelos quais também não há ressarcimento.

Por conta disso, segundo os últimos dados divulgados pela ANS (Caderno de Informação de Ressarcimento e Integração com o SUS, dezembro/2006), do total de R$ 1,1 bilhão gastos pelo SUS com clientes de planos de saúde entre 2000 e 2006 (822 mil procedimentos), apenas R$ 502 milhões são passíveis de cobrança pela ANS. E, mesmo desse valor, apenas R$ 408 milhões foram cobrados, e as operadoras pagaram só R$ 79 milhões.

A nova proposta do Governo Federal é a de que os planos de saúde deixem de ser cobradas por procedimento realizado e passem a pagar uma quantia fixa por usuário de seu plano.

Como a proposta não foi adequadamente explicitada, é cedo para analisá-la em profundidade, mas preocupa a possibilidade de que o pagamento per capita a título de ressarcimento estimule a utilização do SUS por clientes de planos de saúde. Além disso, são muitos os hospitais – e muitos vendem plano de saúde próprio – que atendem concomitantemente SUS e planos de saúde, podendo haver fraudes na cobrança. Exemplo: o consumidor é atendido no hospital como plano de saúde, mas registra-se sua entrada como usuário do SUS.

Fundo garantidor
“Criar fundo garantidor, com recursos oriundos das operadoras, para a manutenção da assistência à saúde do beneficiário pela operadora que esteja assumindo a carteira da operadora insolvente, com qualidade e segurança econômico-financeira”. (PAC, item 2.15.2)

A proposta de criação de um fundo garantidor para situações de “quebra” de operadoras pode ser uma solução para esse problema, que cada vez mais tem acontecido. Até hoje, quem tem pago a conta é o consumidor, que passa para as mãos de empresas que, em contrariedade à lei, diminuem a qualidade dos serviços prestados. Alguns casos são emblemáticos, como da Interclínicas e da Unimed São Paulo.

Mais do que criar um fundo que garanta a assistência em caso de quebra de operadora, faltam medidas que a impeçam. Até o momento, a atuação da ANS vem sendo deficiente, incapaz de propiciar um mercado de planos de saúde seguro e saudável, em obediência às finalidades para as quais foi criada. Além de omissões, notam-se graves falhas em relação à eficiência e à oportunidade das medidas tomadas, à transparência das ações e à proteção dos consumidores.

Dada a falta de detal