“Saúde é um instrumento de politização da sociedade”
A presidenta da Associação Latino-americana de Medicina Social (Alames), Ana Costa, fez uma avaliação da XV Conferência Nacional de Saúde (CNS), ocorrida de 1 a 4 de dezembro em Brasília, e ressaltou que o envolvimento de organismos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de movimentos como o Grito dos/as Excluídos/as Continental é de extrema importância para consolidar caminhos que fortaleçam a saúde pública no país. Falou também que a saúde é, sim, uma via de politização da sociedade e que, para isso, é preciso tecer políticas públicas fortes, afim de garantir os direitos sociais sem retrocessos.
Ana Costa esteve presente na reunião de parceiros da Agência Católica de Cooperação Internacional da Inglaterra e país de Gales (CAFOD), realizada dias depois da XV CNS. Numa participação bem esperada, a presidenta da Alames, com muita desenvoltura, compartilhou com os/as integrantes do projeto Direitos Sociais e Saúde: Fortalecendo a Cidadania e a Incidência Política, executado pelo Programa Justiça Econômica, cofinanciado pela União Europeia e com apoio da CAFOD, suas opiniões e reflexões sobre o atual momento em que se encontra o país e como o tema da saúde se situa nessa conjuntura.
“A saúde é uma expressão que não é só setorial. Aliás, quando a gente fala que a política institucional interfere na saúde nós estamos reafirmando que a saúde é uma condição de qualidade de vida e bem-estar social. Se a gente pensar em saúde só como assistência médica, nós estamos pensando com uma visão curta, porque nós temos todas as evidências de que a saúde é muito mais. Saúde é riqueza de pobre. E quando pobre diz isso, ele está dizendo que ele pode trabalhar, produzir, sobreviver. Nesse contexto, a saúde precisa ser um instrumento de politização da sociedade”, disse.
A presidenta da Alames elencou os vários pontos positivos feitos pelo Governo Dilma, como o programa Mais Médicos [Atualmente 18.240 médicos contratados, a maioria, 11.429, são cubanos]. Mas as implementações de ajustes econômicos colocou a saúde numa situação ruim.
“A gente não tá aqui para dizer que o copo está completamento vazio, mas o copo não está cheio . Então nessa perspectiva a gente precisa manter a capacidade crítica não só para fazer críticas ao governo, mas para apontar e avançar no caminho”, comentou.
A própria Conferência Nacional de Saúde serviu de palco para a expressão democrática que o momento exige, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, que compareceu ao evento um dia após o pedido oficial para abertura de processo de impeachment [em processo de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, iniciado neste dia 16 de dezembro]. Em seu discurso, Rousseff afirmou que é muito importante, neste momento, “a saúde democrática do país”. Ovacionada por uns e hostilizada por poucos, a presidenta teve na plenária do Centro de Convenções Ulysses Guimarães grande apoio dos participantes.
Ana Costa falou deste momento e ressaltou a dinâmica democrática que a conjuntura nos pede. “Nós estamos fazendo uma disputa no campo político, precisamos ter essa clareza. Nós não temos dúvida que nesse contexto, desse último ano, nós saímos perdedores com essa política de ajuste que foi praticada e com esse abandono das políticas sociais. Então até nesse contexto, podemos dizer que a Conferência foi muito vitoriosa politicamente porque teve uma posição política acerca disso. Conseguimos uma unidade. Apesar de um grupo ter resistido e feito democraticamente a sua demarcação de posição, a grande massa que estava na Conferência teve uma posição muito firme contra o impeachment e a favor da democracia”, disse.
Fez menção aos e às companheiros/as latino-americanos/as que participaram do I Encontro Latino-americano sobre Saúde que terminaram aprendendo muito com a dinâmica democrática do povo brasileiro. “Eles questionavam: como é que vocês criticam e, ao mesmo tempo, defendem?”. Com uma resposta sempre enfática, Ana dispara: “Nós estamos defendendo um projeto, um campo. Mas na hora que a gente vê o que está dentro e o que está desviado, é nossa obrigação política apontar os rumos”.
As Conferências
Se referindo ao processo das Conferências Nacionais de Saúde, disse estar ciente de que nestes espaços há, sem dúvida, um verdadeiro momento de práticas e celebração da democracia participativa na saúde. Mas é preciso se renovar. Rememorando a célebre VIII Conferência, quando se propõe o Sistema Único de Saúde (SUS) de uma forma mais ampliada, como direito social e, portanto, com mais vida política, as Conferências seguintes se limitaram muito a isso.
“Então tivemos muitas Conferências repetitivas, pesadas, contraditórias, cujos relatórios não ganham a força política que deveriam. E o próprio momento das Conferências termina não tendo a expressão política que deveria ter – diferente desta, que me pareceu, pelo contexto, que ela ganhou um novo momento político”, falou.
Sobre aspectos positivos, agregou que “pela primeira vez vejo a Conferência não só aprovar propostas efetivas, mas que apontam rumos, propostas que são factíveis e que têm caminho. Não foi propor só mais financiamento. Mas financiamento com a taxação de grandes fortunas, com uma outra lógica de política econômica que invista em saúde. Isso é diferente”.
Parcerias
“Eu queria valorizar a presença de todos vocês, da CNBB, do Grito dos/as Excluídos/as Continental, de todo esse movimento das Pastorais, de todo esse esforço que vocês tiveram de adotar uma tese, de sair formando delegados, de construir não a expressão de um delegado que vai lá, senta, ou que acompanha uma liderança e que vota com todo mundo…mas de ajudar na construção daquele delegado ou delegada que vota com consciência. O processo que vocês fizeram foi extremamente positivo”, disse, ressaltando todo o trabalho desenvolvido pelo Programa ao longo de toda a Conferência.
Acrescentou que toda esta parceria não é de hoje, já que o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), do qual foi presidenta também, realiza as formações do projeto Direitos Sociais e Saúde nos bairros em São Paulo. O mesmo acontece com a articulação e incidência política junto à Alames.
“Queria chamar atenção para que essa relação não pare no momento desta Conferência. Acho que se nós pudemos incidir e aprovar um conjunto de propostas muito consequentes, temos força para continuarmos juntos”.
De acordo com ela, se conseguiu avançar no debate da saúde nesta Conferência – o que foi distinto das anteriores, que tinham muitas reivindicações e poucas proposições. Ela acredita que esse caminho de reivindicações propositivas é um caminho que constrói com mais responsabilidade, mais cidadania, participação efetiva. “Essa parceria bonita que fizemos, com todo mundo em unidade, faz com que avançamos nesse sentido”, falou.
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