Direito à saúde: 25 anos
Editorial da Revista Saúde em Debate – Edição 96
No ano de 2013, completam-se 25 anos do direito à saúde, conquistados pela sociedade brasileira e consagrados pela Constituição Brasileira que, para isso, criou o Sistema Único de Saúde. Ao longo desses anos, podem ser contabilizados muitos avanços, destacando a notável ampliação da cobertura da atenção primária com impacto real sobre alguns indicadores epidemiológicos.
Entretanto, os objetivos setoriais da saúde, relacionados à qualidade, à universalidade e à integralidade do SUS, não se concretizaram em virtude das contradições existentes no interior do próprio modelo de desenvolvimento do País, hoje voltado ao fortalecimento do capital, do consumo e do mercado.
A ocorrência de sucessivas crises nos países centrais e a subsequente redução dos direitos sociais impõem fortalecer no Brasil a defesa da saúde como direito social universal, enfrentando com veemência as contradições e empecilhos do projeto de desenvolvimento em curso. O acirramento das contradições impostas atualmente à efetivação do direito universal à saúde pode tornar irreversível o fenômeno da mercantilização e da financeirização do setor, assemelhando o modelo de saúde brasileiro ao excludente modelo americano, deficiente para os pobres, tecnológico, sofisticado e resolutivo para os que podem pagar.
A busca da eficiência dos gastos em saúde, inspirada na vertente ‘gerencialista’, que, atualmente, ganha espaço no Brasil, não pode se sobrepor ao desafio de mudança do modelo de assistência proposto pelo SUS, que visa a garantir universalidade e integralidade por meio da efetiva integração das suas redes assistenciais. Esse é o caminho para que não haja diferenças na qualidade do atendimento à saúde entre as populações cobertas e não cobertas pelos planos privados de saúde.
As garantias de acesso, qualidade, presteza e uso dos serviços de saúde, definidas a partir das necessidades dos usuários, devem prevalecer sobre a lógica da capacidade de pagamento. As redes organizadas com base na população do território têm capacidade de proporcionar a integração dos serviços de assistência no espaço territorial, com vistas ao atendimento resolutivo integral das necessidades e demandas da população. Para isso, devem operar de forma integrada horizontal e verticalmente, envolvendo os diversos níveis de complexidade dos serviços de saúde. As tecnologias assistenciais estão sobejamente testadas, e a recente implantação do Cartão Nacional de Saúde poderá contribuir ao necessário gerenciamento articulado do setor público e entre este e o setor privado.
A consolidação da reforma sanitária deve cumprir uma agenda política que envolva todo o estado, sociedade e governo contra os desfechos que hoje ameaçam o SUS, conduzindo o setor público de saúde ao passado, quando era destinado exclusivamente à saúde dos pobres. O modelo que vem se consolidando no país provê mais lucros ao setor privado, seja por meio da cobertura de procedimentos e medicamentos de alto custo, que não consta entre os procedimentos obrigatórios dos planos de saúde, como também por meio de subsídios concedidos ao setor privado, em mecanismos de despesas tributárias e elisões fiscais camufladas.
Entre os objetivos e estratégias dessa agenda pelo direito universal à saúde, devem ser incluídos como prioritários: a construção de novos consensos e arranjos sociais e políticos voltados a produzir novas alternativas de política econômica e tributária e o redirecionamento do processo de desenvolvimento. O foco do processo de desenvolvimento deve ser deslocado dos interesses do mercado e do consumo para os objetivos dos direitos e das políticas sociais.
Sob tal perspectiva, os movimentos sociais e a sociedade, em geral, devem atentar para a formação de uma massa crítica que avance nas bases estruturais necessárias à consolidação dos direitos sociais. Ampliar a presença política da sociedade, dos trabalhadores e das organizações sociais na saúde de forma a promover a consciência sanitária e a ação política sobre os direitos sociais. Será necessário mudar a concepção que a sociedade e o estado têm com relação ao SUS, seja por desconhecimento, pela ausência de consciência de direitos ou mesmo por orientação da informação da imprensa, que sabidamente age na contra-hegemonia dos direitos sociais ou explicitamente defende a privatização do setor.
A melhoria da qualidade dos serviços de saúde requer a solução definitiva do problema do financiamento sustentável e suficiente para o SUS. Outro ponto para essa agenda política é reverter a lógica de favorecimento do mercado setorial, que, desde 1968, recebe benefícios por meio da renúncia fiscal. Isso significa inverter a ajuda que o Estado brasileiro oferece ao crescimento e fortalecimento do setor privado em benefício do setor público.
Por fim, dado o desequilíbrio atual, que se deve à dependência do setor privado, essa agenda deve considerar o aumento da governabilidade do Estado sobre o setor privado de saúde, para além do que vem sendo realizado pela ANS, a partir das bases preconizadas pela Constituição, de forma a tornar o Sistema de Saúde realmente ÚNICO.
A Diretoria Nacional do Cebes
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