Saúde em Debate v. 44 n. Especial 3 – Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira
Editorial
A Reforma Psiquiátrica Brasileira: caminhos e desafios
Cristiani Vieira Machado – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA CONSTITUIU um dos mais expressivos movimentos de transformação na área da saúde no País nas últimas quatro décadas. Inspirada por pensadores críticos ao modelo de atenção psiquiátrica predominante e por experiências com práticas de cuidado inovadoras na área, no plano internacional e nacional, a luta antimanicomial mobilizou numerosos atores na academia, nos órgãos públicos, nos serviços de saúde e nos movimentos sociais. A democratização da sociedade e a reforma sanitária, nos anos 1980, impulsionaram as ideias e as iniciativas de mudanças na área, bem como foram por elas favorecidas, dada a relevância do movimento antimanicomial no âmbito dos processos de luta pela ampliação dos direitos e da noção de cidadania.
A Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), baseado nos princípios do direito à saúde, da universalidade e da atenção integral, ofereceriam as bases legais e institucionais para avanços na área. As transformações necessárias, no entanto, transcendiam o âmbito administrativo-formal, implicando profundas mudanças nas concepções sobre loucura, nas práticas para lidar com as diferentes condições classificadas como doenças mentais ou sofrimento psíquico e, sobretudo, no reconhecimento de direitos plenos das pessoas identificadas com essas condições (nos marcos dos direitos sociais e humanos). Tais mudanças exigiriam intensa mobilização social, ocupação de novos espaços e enfrentamento de interesses econômicos e políticos.
Ao longo de 30 anos de implantação do SUS, avançaram iniciativas de desospitalização, de expansão de novas estratégias de atenção não hospitalar – como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) –; e os programas voltados para o resgate de laços afetivos e a integração de pessoas com transtornos mentais às famílias, comunidades e territórios, como o programa ‘De volta para casa’. Transformaram-se as práticas de cuidado, em busca de deslocamento de um processo de medicalização social para a incorporação de outras formas de promoção da saúde mental, por exemplo, com a valorização das artes, da música, da cultura. Transformaram-se, também, as pessoas, que agora ocupam seu lugar de reação ao exercício do poder praticado nas instituições totais.
A reflexão sobre essas transformações é oportuna e fundamental, especialmente quando avanços conquistados ao longo de décadas, às vezes, são colocados em risco, por interesses político-econômicos e retrocessos no plano da compreensão sobre ciência e sobre os processos saúde-doença. São, também, especialmente importantes no cenário da pandemia de Covid-19, que coloca no centro do debate internacional o tema da saúde mental e do isolamento.
O fortalecimento do SUS para lidar com os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental da população pode buscar, nos caminhos percorridos pela Reforma Psiquiátrica Brasileira – e aqui retratados –, boas direções para o cuidado de base comunitária e territorial, promotor de direitos e sensível às necessidades da população.
EDITORIAL
A Reforma Psiquiátrica Brasileira: caminhos e desafios | por Cristiani Vieira Machado
APRESENTAÇÃO
Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira | por Fernanda Maria Duarte Severo, André Vinicius Pires Guerrero, June Corrêa Borges Scafuto, Ana Maria Szapiro, Paulo Roberto Fagundes da Silva
ARTIGO DE OPINIÃO
Porque a Reforma Psiquiátrica é possível | por Edmar Oliveira, Ana Szapiro
Voltando ao começo: desvelando os bastidores políticos da Lei Paulo Delgado | por Paulo Gabriel Godinho Delgado
O futuro da psiquiatria e da saúde mental | por Benedetto Saraceno
ARTIGO ORIGINAL
Desinstitucionalização em debate: uma etnogra?a em eventos de saúde mental | por Milene Santiago Nascimento, Martinho Braga Batista e Silva
Saúde mental e visibilidade: efeitos de uma produção audiovisual | por Fernanda Klunck, Rafael Wolski de Oliveira
Eu quero entrar na rede: análise de uma experiência de inclusão digital com usuários do Caps | por André Pereira Neto, Bruna Dantas Ribeiro, Ana Paula Freitas Guljor, Leticia Barbosa, Christiane Moema Alves Sampaio, Carolina Aires de Castro, Paulo Amarante
Uma análise de um grupo de ouvidores de vozes enquanto movimento social e potência política | por Juliana Valeri Simão Trevisan, Daiana Paula Milani Baroni
‘Coringas do cuidado’: o exercício da interpro?ssionalidade no contexto da saúde mental | por Gerfson Moreia Oliveira, Mônica Ramos Daltro
Estudo sobre abandono e não adesão ao tratamento em Centros de Atenção Psicossocial | por Noemi Bandeira, Carlos Alberto dos Santos Treichel, Rosana Teresa Onocko Campos
Saúde mental na Atenção Básica: identi?cação e organização do cuidado no estado de São Paulo | por Ligia Rivero Pupo, Tereza Etsuko Costa Rosa, Arnaldo Sala, Marisa Fe?ermann, Maria Cecília Goi Porto Alves, Maria de Lima Salum e Morais
Apoio matricial como ferramenta da articulação entre atenção básica e Caps: o que os dados secundários mostram? | por Lídia Pereira da Silva Godoi, Lorrayne Belotti, Érica Marvila Garcia, Tereza Etsuko da Costa Rosa, Oswaldo Yoshimi Tanaka
Narrativas de familiares de autistas de Capsi da região metropolitana do Rio de Janeiro: participação, protagonismo e barreiras ao cuidado | por Rossano Cabral Lima, Maria Cristina Ventura Couto, Bárbara Costa Andrada, Pedro Henrique Corrêa, Alda Carla Alves Cardozo
Cuidado às famílias no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil: uma pesquisa-intervenção com trabalhadores | por Vania Bustamante, Rosana Onocko Campos
A Gestão Autônoma da Medicação em Centros de Atenção Psicossocial de Curitiba (PR) | por Deivisson Vianna Dantas dos Santos, Chayanne Federhen, Thiago Augusto da Silva, Isabella Renata dos Santos, Caroline de Azevedo Levino, Rosana Teresa Onocko Campos, Sabrina Stefanello
O acesso ao tratamento de usuárias de crack sob a perspectiva dos pro?ssionais de saúde | por Tais Veronica Cardoso Vernaglia, Marcelo Santos Cruz, Simone Peres
Entre Caps AD e Comunidades Terapêuticas: o cuidado pela perspectiva dos usuários de um Caps AD | por Ana Caroline de Moraes Oliveira Quintas, Priscilla dos Santos Peixoto Borelli Tavares
Educação Permanente em Saúde: experiências inovadoras em saúde mental na Atenção Básica à Saúde | por Priscilla Regina Cordeiro, Rosilda Mendes, Flavia Liberman
Leitos de saúde mental em hospitais gerais: o caso do Rio de Janeiro | por Rodrigo Cunha Echebarrena, Paulo Roberto Fagundes da Silva
ENSAIO
A Reforma Psiquiátrica Brasileira como luta pelo reconhecimento e progresso moral | por Martín Mezza, Mônica de Oliveira Nunes de Torrenté
Reforma Psiquiátrica Brasileira e sua discussão parlamentar: disputas políticas e contrarreforma | por Yuri Prado, Fernanda Severo, André Guerrero
Nem crioulo doido nem negra maluca: por um aquilombamento da Reforma Psiquiátrica Brasileira | por Emiliano de Camargo David, Maria Cristina Gonçalves Vicentin
Atenção à crise na contemporaneidade: desa?os à Reforma Psiquiátrica Brasileira | por Volnei Antonio Dassoler, Analice de Lima Palombini
Os sentidos da cozinha de Centros de Atenção Psicossocial e a inserção do nutricionista no cuidado em saúde mental | por Leticia Almeida, Cristiane Marques Seixas, Francisco Romão Ferreira, Fabiana Bom Kraemer
REVISÃO
Bibliometria das publicações da revista ‘Saúde em Debate’: uma fotogra?a da saúde mental | por Tiago Oliveira de Souza, Isabela Barboza da Silva Tavares Amaral, Fernanda Teles Morais do Nascimento, Gizele da Conceição Soares Martins, Hércules Rigoni Bossato
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Atenção psicossocial e bem viver: relato de experiência de um Projeto Terapêutico Singular pelas dimensões da Felicidade Interna Bruta | por Roberto Tykanori Kinoshita, Alexandre Teixeira Trino, Cristina Soares Guimarães, Carolina Aires de Castro, Christiane Moema Alves Sampaio Prado
RESENHA
Albuquerque A. Capacidade jurídica e direitos humanos | por Isis Laynne de Oliveira Machado
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