Saúde em Debate v. 45 n. Especial 2 – Saúde pública, ciência e sociedade: desafios e perspectivas

Esse numero especial da revista Saúde em Debate, publicada em dezembro de 2021, reúne artigos que apontam para, a partir da pandemia de Covid-19, o desafio da construção de um novo modelo de desenvolvimento social e para a urgente ampliação do papel regulatório e de provisão de serviços do SUS. Os efeitos institucionais e organizacionais associados às medidas de controle sanitário são apresentados e discutidos por artigos, ensaios, revisões e resenha neste número temático especial.

APRESENTAÇÃO

Nilson do Rosário Costa1, Gisela Cordeiro Pereira Cardoso2, Hermano Albuquerque de Castro3, Marcelo Guimarães Araújo4, Maria de Fátima Moreira3

  1. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Departamento de Ciências Sociais (DCS) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  2. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  3. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  4. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

ESTA EDIÇÃO DA REVISTA ‘SAÚDE EM DEBATE’ É RESULTADO do compromisso institucional da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), para a disseminação do conhecimento sobre o impacto da pandemia da Covid-19 na ciência e na sociedade. Os efeitos institucionais e organizacionais associados às medidas de controle sanitário são apresentados e discutidos por artigos, ensaios, revisões e resenha neste número temático especial.

As primeiras ondas da pandemia da Covid-19 desafiaram o modelo clássico de enfrentamento das doenças transmissíveis pela ausência das ações estritamente farmacológicas no portfólio da saúde pública: as vacinas e antivirais não estavam disponíveis para controlar a incidência e reduzir a letalidade causada pelo Sars-CoV-2. Naquele momento, restou ao campo da saúde pública a proposição de medidas de distanciamento social de diferentes gradações que paralisaram a atividade econômica e afetaram, especialmente, as populações vulneráveis, os pobres, as mulheres e os trabalhadores de modo geral. A pandemia aprofundou as desigualdades sociais vividas no Brasil e no mundo. A ausência de políticas públicas para prevenção da Covid-19 e o desmonte das legislações, bem como das redes de proteção sociais, impactaram significativamente a saúde dos trabalhadores em diversas categorias1.

A implantação de medidas massivas de distanciamento social, entre as quais, a quarentena, expôs a argumentação científica e transformou a política governamental para a pandemia em uma arena disputada por lideranças políticas negacionistas, como o presidente Bolsonaro, formadores messiânicos de opinião nas novas mídias sociais e, paradoxalmente, setores da profissão médica. A falta transitória de soluções tecnológicas para solucionar a pandemia ampliou o negacionismo ativo em relação à eficácia da biomedicina, fato ainda observado, em escala inquietante, na campanha de difamação das vacinas contra o novo coronavírus.

As decisões negacionistas do presidente brasileiro para o controle e a mitigação da pandemia da Covid-19 submeteram também o arranjo federativo cooperativo nacional à monumental estresse. Ele tornou-se reconhecido internacionalmente como exemplo de dirigente que respondeu de modo caótico, irresponsável e inepto à ameaça da pandemia, vetando o lockdown, promovendo medicamentos ineficazes e disseminando a hesitação vacinal2.

Essa constatação motivou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal, no começo de 2021, para investigar a conduta do Executivo Federal e do Ministério da Saúde (MS) durante os primeiros ciclos da pandemia. A CPI elencou as iniciativas propositadas do presidente brasileiro, que subordinou o MS à sua agenda negacionista, ameaçando a ação governamental de toda a federação. A CPI apurou que não apenas houve omissão dos órgãos oficiais de comunicação no combate aos boatos e à desinformação como também existiu forte atuação da cúpula do governo, em especial, do presidente da República, no fomento à disseminação de fake news (notícias falsas)3.

Não resta dúvida hoje que a pandemia da Covid-19 interrompeu a longa e relativamente estável relação da sociedade contemporânea com os eventos massivos do adoecimento e morte associados às doenças transmissíveis e parasitárias. Os estudos clássicos chamaram a atenção para o papel da universalização do acesso à água, das instalações de esgoto e da segurança dos alimentos para o progresso sanitário inicial das economias centrais.

Contudo, a partir do século XX, o controle de vetores, a imunização e a introdução contínua de novos fármacos assumiram o protagonismo nas intervenções médico-sanitárias, reduzindo o risco coletivo. Mesmo em países periféricos, sem infraestrutura urbana e universalização efetiva do acesso à assistência à saúde, o impacto do controle de vetores, vacinas e novos medicamentos na redução da morbidade e da mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias foi notável4.

No Brasil, por exemplo, observa-se, desde a década de 1950, a significativa diminuição na morbidade associadas às doenças infecciosas e parasitárias. As intervenções biomédicas mantiveram controlado esse grupo de enfermidades, ainda que com alta incidência e letalidade nas áreas sem as condições adequadas de moradia e saneamento e acesso à atenção especializada e hospitalar. Em termos de vidas perdidas, o preço desse modelo de segregação espacial e acesso desigual ao cuidado à saúde durante a pandemia, somado ao negacionismo do governo federal, tem sido elevadíssimo para a população brasileira. Essa comprovação é especialmente inquietante quando se confirma que as vacinas para o controle da Covid-19 não foram disponibilizadas às nações mais pobres do planeta na escala observada no Brasil. Nesse cenário trágico, os trabalhos reunidos neste número temático especial apontam para o desafio da construção de um novo modelo de desenvolvimento social e para a urgente ampliação do papel regulatório e de provisão de serviços do SUS.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Saúde pública, ciência e sociedade: desafios e perspectivas | por Nilson do Rosário Costa, Gisela Cordeiro Pereira Cardoso, Hermano Albuquerque de Castro, Marcelo Guimarães Araújo, Maria de Fátima Moreira

ARTIGO ORIGINAL

A resiliência das grandes cidades brasileiras e a pandemia da Covid-19 | por Nilson do Rosário Costa

Desigualdade social e vulnerabilidade dos povos indígenas no enfrentamento da Covid-19: um olhar dos atores nas lives | Martha Cecilia Suárez-Mutis, Marcelly de Freitas Gomes, Verônica Marchon-Silva, Maria Luiza Silva Cunha, Paulo Cesar Peiter, Marly Marques da Cruz, Michele Souza e Souza, Angela Oliveira Casanova

Covid-19 e Doenças Negligenciadas ante as desigualdades no Brasil: uma questão de desenvolvimento sustentável | por Denise Scofano Diniz, Eliane dos Santos Teixeira, Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, Marina Santiago de Mello Souza

Tecnologia digital para o enfrentamento da Covid-19: um estudo de caso na atenção primária | por Joaquim Teixeira Netto, Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues, Bruno Nunes Pena de Souza, Monica Kramer de Noronha

Continuidade da atenção às doenças crônicas no estado de São Paulo durante a pandemia de Covid-19 | por Luciane Simões Duarte, Mirian Matsura Shirassu, Jane Harumi Atobe, Marco Antonio de Moraes, Regina Tomie Ivata Bernal

Concessão privatista do saneamento e a incidência da Covid-19 em favelas do Rio de Janeiro | por Adriana Sotero Martins, Maria José Salles, Elvira Carvajal, Priscila Gonçalves Moura, Luis Eduardo Martin, Rejany Ferreira dos Santos, Maria de Lourdes Aguiar-Oliveira

ENSAIO

Do ‘Mais Médicos’ à pandemia de Covid-19: duplo negacionismo na atuação da corporação médica brasileira | por Henrique Sant’Anna Dias, Luciana Dias de Lima, Maria Stella de Castro Lobo

Covid-19 no ambiente de trabalho e suas consequências à saúde dos trabalhadores | por Maria de Fátima Moreira, Luiz Claudio Meirelles, Luiz Alexandre Mosca Cunha

Monitoramento da Covid-19 nas favelas cariocas: vigilância de base territorial e produção compartilhada de conhecimento | por Jussara Rafael Angelo, Bianca Borges da Silva Leandro, André Reynaldo Santos Périssé

Um nada ‘admirável mundo novo’: medo, risco e vulnerabilidade em tempos de Covid-19 | por Alberto Najar, Leonardo Castro

REVISÃO

Fatores estressores e protetores da pandemia da Covid-19 na saúde mental da população mundial: uma revisão integrativa | por Tatiane Veríssimo da Silveira Meirelles, Mirna Barros Teixeira

Gênero e a pandemia Covid-19: revisão da produção científica nas ciências da saúde no Brasil | por Ana Cristina Augusto de Sousa, Delaine Martins Costa, Sabrina Rodrigues Pereira, Regina Ferro do Lago

Ações governamentais para enfrentamento da crise de desinformação durante a pandemia da Covid-19 | por Maria Ligia Rangel Santos, Marcele Carneiro Paim, Catharina Leite Matos Soares, Deivson Mendes Santos, Raphael Santos Sande, Gabriela Rangel de Moura Santos

RESENHA

Baldwin P. Fighting the first wave. Why the Coronavírus was tackled so differently across the global | por Nilson do Rosário Costa

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