Saúde em Debate V.46, n. 133

EDITORIAL

Defender a democracia, o direito à saúde, a vida e o SUS: pauta da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular
Maria Lucia Frizon Rizzotto1, Ana Maria Costa1, Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato1
1 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

A FRENTE PELA VIDA (FPV) FOI CRIADA EM MAIO DE 2020, pelas organizações, entidades e movimentos sociais envolvidos com a luta pelo direito à saúde mediante o descaso do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Atuando inicialmente sobre a crise sanitária, a FpV tem uma forte articulação política além de apresentar ao Brasil propostas técnicas e propositivas para o enfrentamento da pandemia, tanto nas estratégias sanitárias como econômicas e sociais. A constatação da fragilidade e do desmonte proporcionado pelo governo federal ao Sistema Único de Saúde (SUS) e as perspectivas políticas do País, incluindo as eleições que ocorrerão no presente ano, têm ampliado os compromissos da Frente com a inclusão da saúde no projeto de desenvolvimento brasileiro que estará sob debate nos próximos meses.

Nessa perspectiva, a FpV decidiu realizar uma ampla mobilização nacional para debater e construir propostas para o setor da saúde. Em 7 de abril, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Saúde, foi lançada a Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde. Essa conferência livre em curso no País já vem mobilizando diversos movimentos sociais em eventos preparatórios, e sua etapa final será realizada em 5 de agosto de 2022 (dia Nacional da Saúde).

Além de interferir no debate eleitoral, a Conferência Livre faz parte das preparações para a XVII Conferência Nacional de Saúde, que ocorrerá em 2023, constituindo, assim, o início de uma grande mobilização com vistas a retomar a construção do direito universal à saúde com a consolidação plena do SUS 100% público, integral e universal. Um de seus objetivos centrais, portanto, envolve incluir a saúde no centro das discussões do programa democrático popular, em construção no País, que irá se contrapor ao projeto em curso de desmonte do Estado, dos direitos sociais e do meio ambiente, com ataque sistemático à democracia brasileira1,2.

A defesa da democracia, do direito universal à saúde, da vida e do SUS são diretrizes que orientam a FpV refletindo os princípios e diretrizes das entidades que a compõem; entre elas, o nosso Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). A convocatória da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde aponta nessa mesma direção, da qual se espera uma forte acumulação de poder popular capaz de sensibilizar a sociedade nacional para a importância da saúde, avançando o projeto político do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira cujo papel central é inegável na conquista da saúde como direito de todos e responsabilidade do Estado na Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Revisitando o capítulo da CF/88 sobre a saúde, a Frente reforça e orienta que a Conferência Livre e Popular está orientada por diretrizes fundamentadas na compreensão ampliada de saúde, produto da acumulação social e traduzida no bem viver coletivo com justiça e igualdade.

Sendo resultado de complexo processo de determinação social, econômico e ambiental, a saúde só pode ser garantida se estiver articulada a um projeto de desenvolvimento democrático, que preserve o ambiente, assegure direitos e coloque a economia a serviço da vida1,2.

O processo de democratização do Brasil vem exibindo suas fragilidades, particularmente nos últimos anos de fortes ameaças à democracia. Mais que nunca, é necessário reafirmar que a luta por saúde é vinculada à luta por democracia. Lutar pela democracia, pelo direito universal à saúde, pela vida e por um SUS 100% público, universal, de qualidade com integralidade é retomar a luta que vem sendo travada desde as décadas de 1970 e 1980, que levou à redemocratização do País depois de 20 anos de ditadura militar. É honrar a luta que desembocou na Assembleia Nacional Constituinte e incidiu na CF/88, ampliando direitos aos trabalhadores, incluindo a seguridade social, criando o nosso sistema de saúde e garantindo a participação social na condução das políticas públicas.

São momentos distintos que dialogam em sentido inverso: lá, a luta era para sair de uma ditadura dos tempos de chumbo, agora, a luta é para impedi-la; lá, a tarefa foi a de construir as bases ampliadas da seguridade social para o direito universal à saúde e do SUS, agora, a luta se volta contra o desmonte dos direitos sociais e do SUS; lá, o modelo econômico do agronegócio e da exploração sem limites da natureza era um projeto inicial, agora, é o modelo hegemônico de produção agrícola, responsável pelo desequilíbrio da flora e da fauna e pelo ressurgimento de doenças; lá, a participação e o controle social ganharam protagonismo, agora, estão criminalizados por um governo de inspiração autoritária e fascista, que quer se perpetuar no poder.

Esse contexto exige uma grande articulação do campo democrático, visando a um novo pacto social e à construção de um projeto nacional, que tenha como horizonte: a redução das enormes desigualdades sociais; um novo modelo de desenvolvimento que seja sustentável, soberano, que preserve a natureza e seja voltado para as necessidades da população e para as gerações futuras, e não para interesses privados que espoliam nossas riquezas. Um projeto de reconstrução do Estado para a garantia de direitos, como o direito à saúde, à moradia, à educação, à previdência social e à vida digna e segura, sem violência e sem discriminações. Essa é a expectativa sobre a Conferência Popular Livre!

Que sejam fortalecidos os compromissos políticos e a consciência nacional quanto ao imprescindível direito universal à saúde traduzido no conjunto de políticas sociais, econômicas e ambientais. Que sejam fortalecidos o compromisso e a defesa da consolidação do SUS universal, 100% público, financiado com recursos suficientes e adequados, provenientes da seguridade social; que sejam apontados os mecanismos que garantam, em todo o território nacional, acesso igualitário da população às redes de saúde e às ações e serviços de saúde; garantias de mudanças essenciais na gestão do trabalho e na construção de uma nova aliança entre trabalhadores e usuários do SUS. Esses são temas centrais a serem debatidos pela Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde, da qual se esperam novos caminhos para avançar na consolidação de um Brasil Justo e Democrático.

Referências

  1. Frente pela Vida. Home Page. [acesso em 2020 abr 22]. Disponível em: https://frentepelavida.org.br/.
  2. Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde. 7 de abril de 2022. Canal Cebes [YouTube]. [Vídeo] 2h e 1min. [acesso em 2022 abr 25]. Disponível em: https://cebes.org.br/frente-pela-vida-lanca-a-mobilizacao-da-conferencia-livre–democratica-e-popular-de-saude/28642/.

EDITORIAL

Defender a democracia, o direito à saúde, a vida e o SUS: pauta da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular | por Maria Lucia Frizon Rizzotto, Ana Maria Costa, Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato

ARTIGO ORIGINAL

Análise do financiamento federal do Sistema Único de Saúde para o enfrentamento da Covid-19 | por Francisco Funcia, Luís Paulo Bresciani, Rodrigo Benevides, Carlos Octávio Ocké-Reis

Gestão de recursos humanos do SUS na pandemia: fragilidades nas iniciativas do Ministério da Saúde | por Luciana Tolêdo Lopes, Fernando Passos Cupertino de Barros

Condições socioeconômicas e impactos da pandemia da Covid-19 na região da Sub-Bacia do Canal do Cunha, Rio de Janeiro | por Adriana Sotero Martins, Marilda Agudo Mendonça Teixeira de Siqueira, Geane Lopes Flores, Wagner Nazário Coelho, Elvira Carvajal, Maria de Lourdes Aguiar-Oliveira

Vida sem escola e saúde mental dos estudantes de escolas públicas na pandemia de Covid-19 | por Daniel Arias Vazquez, Sheila C. Caetano, Rogerio Schlegel, Elaine Lourenço, Ana Nemi, Andréa Slemian, Zila M. Sanchez

Usos conceptuales del género y la vulnerabilidad en políticas públicas de atención al Virus del Papiloma Humano (VPH) y al Cáncer Cervicouterino (CaCu) en México | por César Torres Cruz

Barreiras para o encaminhamento para o cuidado paliativo exclusivo: a percepção do oncologista | por Renata de Freitas, Livia Costa de Oliveira, Gélcio Luiz Quintella Mendes, Fernando Lopes Tavares Lima, Gabriela Villaça Chaves

Incremento decenal de estabelecimentos assistenciais no Brasil e vinculações com o Sistema Único de Saúde | por Rafael Cerva Melo, Alcides Silva de Miranda

O farmacêutico na Atenção Primária à Saúde no Brasil: análise comparativa 2014-2017 | por Rafaela Tavares Peixoto, Mônica Rodrigues Campos, Vera Lucia Luiza, Luiz Villarinho Mendes

Desigualdades macrorregionais na atenção primária ao Diabetes Mellitus: comparação dos três ciclos do PMAQ-AB | por Clarissa Galvão da Silva Lopes, Thiago Augusto Hernandes Rocha, Érika Bárbara Abreu Fonseca Thomaz, Aline Sampieri Tonello, Núbia Cristina da Silva Rocha, Karlinne Maria Martins Duarte, Rejane Christine de Sousa Queiroz

Vulneração social e problemas ético-políticos transversais à saúde bucal na Atenção Primária à Saúde | por Doris Gomes, Leandro Ribeiro Molina, Mirelle Finkler

Disponibilidade de estrutura e das atividades profissionais da Atenção Primária à Saúde correspondentes à Linha de Cuidado do Sobrepeso e Obesidade no estado do Piauí | por Norma Sueli Marques da Costa Alberto, Denise Cavalcante de Barros, Santuzza Arreguy Silva Vitorino, Osmar de Oliveira Cardoso

Conexão SUS: um canal do YouTube como instrumento de formação educacional e fortalecimento do Sistema Único de Saúde | por Maria Gerusa Brito Aragão, Mariana Ramalho de Farias

Uso do WhatsApp para suporte das ações de educação na saúde | por Fátima Meirelles, Vânia Maria Fernandes Teixeira, Tania França

A pandemia do capital no saneamento | por Ana Cristina Augusto de Sousa

Tin speciation in the blood plasma of workers occupationally exposed in a cassiterite ore processing industry | por Débora Resende de Souza Lima, Filipe Soares Quirino da Silva, Renato Marçullo Borges, Rejane Correa Marques, Maria de Fátima Ramos Moreira

ENSAIO

O campo científico da saúde coletiva | por Rita Barradas Barata

Neoextrativismo, garimpo e vulnerabilização dos povos indígenas como expressão de um colonialismo persistente no Brasil | por Marcelo Firpo de Souza Porto, Diogo Rocha

Assistência Farmacêutica e governança global da saúde em tempos de Covid-19 | por Alane Andrelino Ribeiro, Luciani Martins Ricardi, Marcela Amaral Pontes, Silvana Nair Leite

Ageísmo, sindemia covídica e Bioética de Intervenção: uma concretude interdisciplinar | por Ricardo Henrique Vieira de Melo, Karla Patrícia Cardoso Amorim

REVISÃO

Reforma Sanitária Brasileira: uma revisão sobre os sujeitos políticos e as estratégias de ação | por João Henrique Araujo Virgens, Carmen Fontes Teixeira

Continuidade do cuidado a partir do hospital: interdisciplinaridade e dispositivos para integralidade na rede de atenção à saúde | por Stephanie Marques Moura Franco Belga, Alzira de Oliveira Jorge, Kênia Lara Silva

Melhores práticas de gestão no cuidado ao HIV: scoping review | por Ianka Cristina Celuppi, Fernanda Karla Metelski, Samara Eliane Rabelo Suplici, Veridiana Tavares Costa, Betina Hörner Schlindwein Meirelles

RESENHA

Amarante P. Loucura e transformação social: autobiografia da reforma psiquiátrica no Brasil | por João Henrique de Sousa Santos, Izabel Christina Friche Passos

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