Saúde em risco

JORGE DARZE

No apagar das luzes de 2009, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio lançou um novo pregão eletrônico para contratar mão de obra terceirizada e mudar a gestão das UPAs e demais unidades de saúde do Rio. Sob o argumento de que a administração pública é ineficiente, a solução para a atual crise aponta para a incorporação da “competência” do setor privado e a responsabilização dos servidores públicos, como se eles tivessem o poder de mando de quem está no Executivo. A maioria desses servidores não tem qualquer influência no processo decisório. Ora, se o administrador não se sente competente, por que não renuncia ao cargo e se convocam novas eleições, abrindo espaço para pessoas com capacidade para tal? Hoje, 50% dos 10.807 médicos da rede estadual são compostos por mão de obra precária e a evasão resulta da falta de estímulo, diante de salários aviltantes e congelados há mais de 13 anos.

O modelo proposto, que viola a Constituição, repete medidas fracassadas adotadas por outras gestões. O lado bom para o governo é a manutenção do congelamento dos salários dos estatutários e aposentados e o pagamento de salários maiores para não concursados terceirizados.

Outra vantagem é que, ao delegar a terceiros a função que cabe ao Estado, ele se exime das responsabilidades jurídicas decorrentes da crise. Recente decisão do STF reiterou o art. 37 da Carta Magna, vedando projetos semelhantes. Aprovado em lei, desde 2002, e até hoje não implantado, o plano de cargos e salários da saúde solucionaria o problema salarial, já que os salários equivaleriam a cerca de cinco vezes mais que os pagos atualmente.

Não é à toa que, mesmo com o aumento da violência, a crise da saúde ainda é a maior preocupação da população. Além do aumento da mortalidade nas unidades de saúde, a farta propaganda oficial tenta esconder o desfalque nas equipes de especialistas, a falta de leitos e de insumos e a demora no atendimento, bem como o atraso dos repasses de recursos financeiros da Secretaria de Fazenda para a Saúde.

Em recente levantamento que fizemos no Hospital Carlos Chagas sobre os índices de mortalidade na unidade, registramos que, de março/2008 a outubro/2009, as mortes foram multiplicadas por dez e o número de atendimentos foi reduzido à décima parte, evidenciando a incapacidade da rede em responder às necessidades da população.

O Conselho Estadual de Saúde, que poderia representar um importante papel na defesa do SUS, está incompleto e não paritário, portanto, castrado em seu papel. Para soerguer o sistema é preciso que se respeite a sua legislação. Já dizia Gonzaguinha: “A gente quer é ter muita saúde…”.

JORGE DARZE é presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro.

Publicada em O Globo (04/01/2010)