Saúde mental: um tema fundamental para o cuidado e a liberdade
Economia solidária no cuidado com a saúde mental e a importância da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental são assuntos do Cebes Debate
Nos últimos anos, o Brasil viveu um obscurantismo da saúde baseado em evidências científicas. No campo da saúde mental a realidade não foi diferente, o que revela um longo caminho a ser percorrido para que o assunto seja tratado da forma que merece. No último dia 30, o Cebes promoveu debate sobre como cuidar em e para liberdade.
Na conversa, o diretor do Cebes, André Lima, lembrou que o negacionismo aumentou a reprodução dos estigmas e ideias de encarceramento de apagamento, com repercussões que permanecem até hoje. “Muitas cloroquinas foram inventadas, disseminadas e ainda são defendidas, inclusive por parlamentares do nosso congresso”.
Para Itamar Lages, diretor do Cebes e professor da Universidade de Pernambuco, o cuidado em e para a liberdade no campo da saúde mental deve partir do discurso daqueles que defendem a saúde como qualidade de vida e não apenas como ausência de doenças. Inclusive, esse é um princípio cebiano. “Discurso esse que é da anti medicalização. Discurso que não despreza os diagnósticos, mas valoriza muito mais as condições de vida das comunidades, famílias e indivíduos. Discurso que trata a saúde mental pela mesma concepção de direito da cidadania e dever do Estado. Discurso que tem interesse em um Estado que seja produtor de direitos sociais como defende a Constituição Federal”, pontuou Itamar.
Conferência Nacional de Saúde – A 5ª Conferência de Saúde Mental, convocada em dezembro de 2020, foi apontada por Itamar como uma ação de resistência. “Naquele dezembro vivíamos os efeitos agudos da pandemia, formulado e executado pelo governo da época que agia no sentido de dificultar o controle da disseminação do vírus e a aquisição das vacinas”, lembrou. “Além das mortes, o governo do pandemônio tratou de não definir o orçamento para realização da 5ª Conferência de Saúde Mental até 2022”.
Já a mobilização resultante das conferências livres de saúde mental é o principal pilar de resistência para a realização da conferência nacional, que tem como tema: “A política de Saúde Mental como Direito: pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços de atenção psicossocial no SUS”.
Um dos eixos da conferência é “cuidado e liberdade como garantia de direito à cidadania”. Itamar explica que a necessidade de discutir este tema, mesmo depois de tanto tempo de luta e da proposta de reforma psiquiátrica, é porque durante a presidência de Michel Temer e Bolsonaro, governo federal agiu contra a concepção de cuidado e liberdade, beneficiando o mercado das comunidades terapêuticas. “Um mercado que erroneamente tem se declarado como potente para intervir num problema que chama de saúde mental. Dessa maneira, os movimentos de extrema direita ultraliberais agridem os postulados centrais da sociabilidade cooperativas e solidárias que são inscritos inclusive na Constituição de 88”.
“A desumanização do mundo e da liberdade está diretamente relacionada ao esgotamento do capitalismo” – Itamar Lages
Economia solidária – A terapeuta ocupacional e militante da Luta Antimanicomial e da Economia Solidária, Katia Barfknecht trouxe o exemplo da GeraçãoPOA, um serviço que integra a Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (RS) e é um empreendimento de economia solidária, 100% SUS. “GeraçãoPOA é um coletivo. GeraçãoPOA é ninguém solta a mão de ninguém”, explica Kátia.
O projeto atua com os princípios da economia solidária, com artes sobre os direitos humanos e saúde mental. O GeraçãoPOA é um espaço onde todos os participantes têm direito a voz, as decisões são tomadas de maneira coletiva. Uma das ações é o Projeto Gera Encontro, que oferece a oportunidade de sair dos espaços de saúde e circular pela cidade.
“Trabalho é a emoção de lidar! Trabalho não é servil. É algo que exprime a alma da pessoa, seja ele qual for… Observar as pessoas, os seus movimentos, pegar agulha, pegar o pincel, revelam a pessoa.” – Nise da Silveira, 1983
Os participantes da GeraçãoPOA são encaminhados a partir da rede de atenção psicossocial do município. “As pessoas que têm desejo de iniciar ou retornar a uma atividade de trabalho são acolhidas para poder experienciar isso e adquirir novos conhecimentos. No acolhimento é realizada uma entrevista sobre a questão funcional, as habilidades e os lugares por onde a pessoa já passaram”, conta Kátia.
Os princípios da economia solidária são: solidariedade (um ajuda o outro), trabalho coletivo, inclusão social, relações horizontais (sem patrão), divisão da renda por igual e comércio justo. “A gente utiliza a economia solidária como uma metodologia de trabalho. Em nossas oficinas, a questão é o trabalho digno, não só enquanto algo terapêutico e inclusivo, mas como algo que é um direito do trabalho, um reconhecimento social, e é um direito social coletivo”.
O trabalho enquanto promotor da saúde mental conta com alguns princípios:
- Trabalho que não seja adoecedor;
- Cuidado com a saúde do trabalhador;
- Atenção ao ritmo, velocidade e organização do trabalho;
- Trabalho coletivo, promovendo parcerias e trocas sociais;
- Trabalho com oportunidade e possibilidades de viver a cidade.
Assista ao Cebes Debate clicando no link ou a seguir: