Saúde, religião e política: Cebes debate pluralidade evangélica e luta por Direitos

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde recebeu a coordenadora da Frente Evangélica por Direitos, Valéria Zacarias, a professora Ester Melo, do Núcleo Piauí do Cebes.

O Brasil é um estado laico, porém nos últimos anos a pauta religiosa vem ocupando cada vez mais espaço no meio político. Os evangélicos estão no centro dessa expansão, dado o papel de lideranças políticas que falam em seu nome e em seu nome propõem pautas ultra-conservadoras. A proporção de evangélicos no país é estimada atualmente em cerca de 30% da população brasileira, quando era de 6% em 1980 . Este grupo, no entanto, não é homogêneo, como muitas vezes se supõe. Os evangélicos se caracterizam pela diversidade de correntes de pensamento e formas de vivenciar a fé, refletidas em suas diferentes denominações.

Nessa perspectiva, o Cebes debateu, na última segunda-feira, 22/07, “Saúde, Religião e Política”. O programa recebeu Valéria Zacarias, coordenadora da Frente Evangélica por Direitos e Ester Melo, professora da Universidade Federal do Delta do Parnaíba e militante do Núcleo Piauí do Cebes. O debate foi mediado pela vice -presidente do Cebes, Lenaura Lobato.

Para explicar o fenômeno da influência religiosa atual nas discussões políticas do país, Valéria lembrou do contexto histórico que marca a presença da religiosidade na construção da sociedade brasileira. “Há uma religiosidade que vem do catolicismo romano popularizado em Portugal e que chega ao Brasil com suas características muito peculiares e se agrega aos movimentos dos povos originários do Brasil, que também tinham suas expressões de religiosidade, e se agrega à religiosidade negra dos escravizados”.

Valéria narrou sua trajetória pessoal em um momento em o país tinha a maioria católica e a transformação no perfil dos evangélicos ao longo dos anos. De um grupo minoritário, com perfil de classe média, as religiões evangélicas se expandiram nas camadas populares. “Quando a gente faz uma leitura de quem são os evangélicos brasileiros na década de 60, na década de 70, era esse perfil de classe média”, explica.

Em 1962, aconteceu a Conferência do Nordeste, sob o tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Este é um evento considerado por diversos historiadores como um marco fundamental no engajamento social de lideranças cristãs progressistas na América Latina. “Era um grupo de pastores e líderes evangélicos discutindo a realidade brasileira, e parte desses líderes foram perseguidos pela ditadura militar quando ela se instaura em 64”, comentou Valéria.

O perfil do público evangélico, aos poucos, foi deixando de ficar restrito às classes médias e mais escolarizadas. Na década de 1980 começa o fenômeno de popularização. “A fé evangélica chega às camadas mais pobres e miseráveis da população brasileira. E aí quando isso acontece, resulta no fenômeno que a gente está vendo hoje e a gente vê essa fé se alastrando num crescimento vertiginoso”.

Atualmente, no Brasil, aproximadamente um terço da população se declara evangélica. Inclusive, as experiências sociais e culturais da religião estão ocupando espaços cada vez maiores no cotidiano e na vida cultural do país, como a representação de personagens evangélicos em novelas e na linguagem popular. “O mercado é muito atento. Quando cito a rede Globo , digo que eles já entenderam que se venderem uma imagem de caricatura do povo evangélico, eles irão perder público”, destacou Valéria.

Participação política – A diversidade denominacional e o crescimento do público evangélico vem se refletindo amplamente no meio político. Como se sabe a bancada evangélica possui forte influência no parlamento brasileiro, mas ela faz parte da Frente Parlamentar Evangélica, que é regulada pelo Regimento Interno do Congresso.

Dentro da Frente Parlamentar existem subgrupos, alguns deles progressistas  e atuam em defesa da democracia, do Sistema Único de Saúde (SUS), do estado laico, entre outras pautas. “A bancada é um grupo informal da Frente, nessa bancada a gente não tem sequer 100 deputados”, explica a coordenadora da Frente Evangélica por Direitos.

Para Valéria, a bancada evangélica não pode ser vista como representante de todos os evangélicos devido à complexidade do campo evangélico, o que não permite uma representação única. “Se nós somos um terço do povo brasileiro, se essa bancada que tem fechado pautas ultra conservadoras é composta por 60 pessoas, superestimando esse número, isso tá longe de representar um terço da população brasileira”, afirma.

Ela ainda apontou que não é correto acreditar que todo o campo evangélico cumpre o que líderes como pastores orientam. “Isso é triste, porque nega a autonomia das pessoas. Esse discurso de que evangélicos votam em pastores acabam atrapalhando a gente a promover lutas igualitárias por justiça e por direitos. A gente está falando de pessoas autônomas e principalmente, de pessoas negras”.

Para a professora Ester Melo, da Universidade Federal do Delta do Parnaíba, é importante destacar que o processo de participação política entre os evangélicos não é homogêneo, pois além da pluralidade de denominações, também existem as diversas concepções que atravessam o campo. “Se a gente pensar na participação política dos evangélicos, elas vemelas vêm desde a ditadura civil-militar, talvez até bem anterior, mas a gente tem uma sistematização na ditadura de setores que apoiaram a ditadura, mas também de setores que foram combativos”.

Posição das mulheres – Um dos pontos abordados durante esta edição do Cebes Debate foi a autonomia das mulheres dentro das religiões evangélicas. Enquanto no catolicismo não há cargos de liderança entre as mulheres, na fé evangélica, as mulheres ocupam posições centrais, como pastoras, missionárias, mulheres de oração e outros cargos.

Ainda assim, nos cargos políticos ainda há uma predominância masculina. A coordenadora da Frente Evangélica por Diretores entende que esta realidade está marcada pelo racismo e pelo preconceito presentes na sociedade como um todo.

Questionada sobre o posicionamento das mulheres evangélicas sobre o PL 1904, conhecido como PL do estupro, Valéria lembrou que existe uma lei que protege o direito das mulheres e que esta lei deve ser cumprida. Para ela, preciso ampliar o conhecimento sobre as mulheres do campo evangélico para entender o posicionamento delas. São em sua maioria mulheres pobres e negras que vivem o ‘chão da vida’ “Parte das mulheres evangélicas se posicionam contra a PL, porque sabem que ao enfrentar esse problema somos nós por nós”.

O programa completo pode ser assistido no canal do Cebes no Youtube

Reportagem Fernanda Cunha/Cebes