Sem remédio para tratar o câncer
Correio Braziliense – 2/8/12
Farmácia do Hospital de Base não tem medicamento essencial para mulheres que passaram por cirurgia para retirar tumor no seio. Governo iniciou processo a fim de comprar a droga.
A falta de um medicamento essencial no combate ao câncer de mama compromete o tratamento de pelo menos 600 pacientes da rede pública de saúde. Há dois meses, o estoque de Tamoxifeno na Farmácia Ambulatorial do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) está zerado. O remédio deve ser usado por mulheres que fizeram cirurgia de mastectomia e a ausência dele pode fazer a doença regressar. Especialistas ouvidos pelo Correio alertam para a importância de o governo resolver o problema o quanto antes para evitar mortes em decorrência do mal.
Levantamento mais recente do Instituto Nacional do Câncer (Inca) aponta que 161 brasilienses morreram em decorrência da doença em 2011. O câncer de mama deve ainda atingir 880 mulheres na capital em 2012, segundo estimativas do estudo. A previsão do Inca preocupa quem que já passou pelo drama de retirar a mama e, agora, segue à risca a recomendação de oncologistas para evitar a volta do tumor. Com o Tamoxifeno fora das prateleiras da Secretaria de Saúde do DF, muitas pacientes interromperam o tratamento.
A caixa com 30 cápsulas do medicamento custa em torno de R$ 130, dinheiro que faz falta para a auxiliar de limpeza Sônia Rosa Araújo, 47 anos. Após ir quatro vezes à farmácia do HBDF a fim de buscar a medicação e voltar de mãos vazias, ela decidiu mexer nas economias e comprar a droga, fundamental para sua plena recuperação. “Graças a Deus, eu tive condições de não ficar sem tomar (o remédio), mas conheço muita gente que não tem. É terrível você saber que pode voltar a sofrer com uma doença simplesmente porque o governo não comprou remédios”, reclamou.
O mesmo sentimento é compartilhado pela professora Kátia Terezinha Lourenço de Oliveira, 51 anos. A docente passou 12 dias entre idas e vindas ao laboratório do Hospital de Base. Nesse período, ela ficou sem ingerir o Tamoxifeno. Disposta a não prolongar a quebra do tratamento, resolveu tirar dinheiro do bolso. “A questão principal não é o dinheiro fazer diferença, mas, a partir do momento que adquirimos um direito, temos de lutar para que ele seja respeitado. Não podemos aceitar pacificamente a falta de uma substância tão importante para nós”, afirmou Kátia Terezinha.
Fracasso
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde reconheceu o “fracasso no processo de compra do medicamento Tamoxifeno”, mas garantiu que a pasta já iniciou outro processo para a aquisição dos produtos. Pelas previsões dos gestores da área, a previsão é de que, até a próxima segunda-feira, o estoque da droga seja normalizado. De acordo com o texto enviado pela secretaria, para minimizar os transtornos ao longo desta semana, a farmácia passou a utilizar um lote enviado pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB).
O médico e responsável pela criação da unidade de mastologia do Hospital de Base em 1984, José Antônio Ribeiro Filho, destacou que a má gestão na distribuição do medicamento contra o câncer de mama pode resultar em um aumento significativo de casos. Para ele, a situação é “drástica” e deve ser tratada como prioridade pelo GDF. “É uma droga que visa prevenir o reaparecimento do câncer e a descontinuidade do tratamento pode implicar sérios problemas para a paciente”, alertou o médico.
Ele também ressaltou que a falta do Tamoxifeno vai onerar, em um futuro breve, a própria Secretaria de Saúde, obrigada a reiniciar um tratamento em uma paciente que antes apresentava quadro estável. “Esse medicamento não é de alto custo, o que torna injustificável a demora no repasse. É uma conta que pode sair muito cara para o Estado a médio prazo, tendo em vista que uma paciente pode trocar a medicação barata por um tratamento caro e prolongado”, frisou o mastologista José Antônio Ribeiro Filho.
Providências
O titular da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), Jairo Bisol, tomou conhecimento da denúncia por meio da reportagem do Correio Braziliense e prometeu oficiar o secretário de Saúde, Rafael Barbosa, para dar explicações. “Diante dessa denúncia, amanhã (hoje) vamos pedir explicações ao secretário e cobrar soluções. Não podemos aceitar que essa situação coloque em risco o tratamento de centenas de pacientes que dependem de uma medicação tão importante”, afirmou Bisol.
Memória
Rotina de problemas Não é a primeira vez que problemas da Secretaria de Saúde causam transtornos para pacientes. Há um ano, reportagens publicadas pelo Correio revelaram haver pelo menos mil testes de biópsia parados no Hospital de Base por falta de funcionários para digitá-los. Alguns, por até seis meses. A biópsia é fundamental para o diagnóstico de câncer e, quanto antes descoberta a doença, maiores as chances de cura da paciente. A denúncia fez a procuradora-geral de Justiça, Eunice Carvalhido, cobrar providencias da Secretaria de Saúde. Para sanar o problema, uma força-tarefa foi convocada. Para saber mais
Droga avançada Recentemente, o Ministério da Saúde incorporou o medicamento Trastuzumabe (Herceptin), uma das principais armas no combate ao câncer de mama, à lista de remédios distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A droga também é considerada uma das mais avançadas na terapia contra a doença porque tem a capacidade de atingir exclusivamente as células doentes, preservando as sadias.