Seminário Determinação Social da Saúde e Reforma Sanitária – MESA 2

A mesa 2 do seminário teve como tema: “Saberes e práticas populares e profissionais no enfrentamento dos determinantes da saúde e da doença”. Para falar sobre o assunto, estavam Ruben Mattos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); José Marmo, Coordenador Nacional da Rede de Saúde das Religiões Afro-Brasileiras e Rodrigo Cariri, funcionário da Secretaria Municipal de Saúde de Recife(PE). A mesa ficou sob a coordenação Paulo de Tarso, diretor do Cebes, tendo Eymard Mourão Vasconcelos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e também membro do Cebes, como debatedor.

Abrindo o debate, Ruben Matos chamou atenção para a valorização de uma produção  do saber fora da academia. Para ele, a visão crítica dos opositores ao modelo tradicional de saúde deve ser direcionado também para o ambiente acadêmico, quando este propõe uma hierarquia do saber.

“É ponto consensual que uma leitura positivista da determinação social é o que predomina efetivamente entre nós, mas gostaria de substituir o termo positivista por um termo de pretensão a um conhecimento universal para criticar a pretensão de alguns que, ao estudar temas da determinação social, confia que o conhecimento científico produzido de algum modo é capaz de enunciar o que de fato acontece, produzindo um conhecimento universal. Quando faço esse deslocamento quero fazer em seguido um outro, porque nós podemos ter essa mesma postura travestida de várias coisas. Podemos jogar o positivismo fora, colocando no lugar um determinismo histórico, funcionando exatamente do mesmo modo no sentido de que ao enfrentar o problema da determinação acredita que ou – deixa eu provocar – uma sociologia forte: o conhecimento científico pode ser a maneira de produzir a leitura universal  dos fenômenos e, portanto, uma compreensão sobre a qual todos dobrarão os joelhos”, disse.

Segundo o professor, é preciso fazer a crítica radical a essa forma autoritária de pensamento. “Acho que precisamos e devemos fazer a crítica à pretensão universal de qualquer forma de conhecimento científico, afirmando: ‘não é possível que a algum, sejamos nós ou outros, tenha um oráculo mágico que permita ver essências que os outros não vêem´”, defendeu.

A produção do conhecimento, disse, fora do ambiente acadêmico é muitas vezes mais eficaz na luta contra a opressão e a injustiça social. “Nos movimentos sociais, como o Movimentos dos Sem Terra, por exemplo, vemos discussões que fazem conexões entre o modo de viver e a doença da maioria da população. Temos que considerar que o MST ou os profissionais do Programa Saúde da Família (PSF) podem abrir possibilidades de lutas melhores do que a academia”, disse ele, que defendeu ainda que, em favor da questão coletiva, a linguagem dos intelectuais também precisa mudar para ser mais acessível à maioria da população, ampliando seu espaço, hoje muito restrito a grupos acadêmicos. Contudo, ressaltou, que não se trata de não reconhecer a importância da academia como espaço de reflexão, mas compreender que existem campos de atuação e de reflexão fora dela.

“A religião está em todos os lugares. Ela faz parte do nosso cotidiano”. Essa foi a frase usada por José Marmo, no início de sua palestra “Religiões afro-brasileiras e saúde: terreiros atuando como promotores de saúde e de controle social”, para defender a necessidade de se incorporar a religião e a raça nos debates sobre saúde pública, pois é saúde e religião se entrelaçam, uma vez que em sua grande maioria, os freqüentadores dos terreiros são pessoas de baixa renda, a população alijada dos direitos sociais básicos que incluem saúde, educação, moradia, saneamento básico, esporte, cultura e lazer.

Marco, que é dentista e pesquisador da saúde da população negra com recorte na população de terreiros – são mais de são mais de 130 mil no Brasil – encontrou várias conexões entre a rotina dos terreiros e o campo da saúde.

Um dos exemplos citados por ele foram as lideranças religiosas como formadoras de opinião. Ele lembrou que é público e notório a força da igreja a ponto de influenciar a intervenção pública em questões ligadas à saúde, sobretudo, as que carregam certa polêmica, como aborto, células-troca, HIV-Aids, anencefalia. Aliás, esses quatro temas, segundo Marmo, estão sendo dominados e discutidos pelo campo religioso com a inclusão de discursos oriundos da própria ciência.

Outro ponto levantado pelo pesquisador foi o elo entre as religiões afro e as políticas públicas de saúde. “Entre as pesquisas, fui ver se há nos terreiros modelos de atenção de saúde. E a gente percebe que sim. Alguns exemplos: um modelo de acolhimento e toque no corpo – aquilo que a medicina deixou de fazer – isso não tem a ver com a política de humanização do SUS? O respeito aos idosos e aos mais velhos. Isso não teria a ver com a política nacional do idoso? O respeito à orientação sexual não teria uma relação com o Brasil Sem Homofobia?”, indagou.

Segundo Marco, para valorizar e potencializar o saber dos terreiros foi preciso abandonar o isolamente e agir em rede. “Percebemos que não podíamos agir mais sozinhos. Não podíamos estudar a saúde nos terreiros e a saúde pública de forma isolada. Assim, as ações do trabalho em rede vão desde o conhecimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a importância do controle social de políticas públicas aos encontros de gestores e lideranças de terreiros. Isso vem acontecendo e trouxe bons resultados. Nós trocamos experiências, porque entendemos que um saber não anula o outro”, finalizou.