Seminário traz panorama da saúde mental pela América Latina
Pela segunda vez, os integrantes da Rede de Intercâmbio de Boas Práticas no Campo dos Serviços Sociais, de Saúde de Base e Saúde Mental, voltaram a se reunir para mais um seminário internacional. O encontro foi na ENSP/Fiocruz, nos dias 1 e 2 de outubro. A Rede é coordenada por Paulo Amarante, responsável também pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz), e, segundo o pesquisador, o encontro ajudará na construção de políticas de saúde mental para a região, a partir das experiências apresentadas pelos países integrantes da Rede.
A primeira mesa do seminário teve como tema Políticas de Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica no Brasil e na América Latina. A experiência argentina foi apresentada por Graciella Natella, da Red Intersectorial de Familiares, Usuarios, Voluntarios y Profesionales, que explicou que o país é composto de 24 províncias com autonomia em suas políticas de saúde mental.
A expositora trouxe o trabalho desenvolvido pela província de Río Negro, há 25 anos, reconhecido pelo processo de desmanicomialização do sistema e de um extenso programa intersetorial (educação, ação social, vida saudável) entre os usuários e a sociedade. Graciella Natella lembra que todo esse trabalho só foi possível por meio do convênio com a região de Trieste (Itália) e se tornou uma referência para o país.
Atualmente, revelou a palestrante, a Argentina conta com mais de 56 mil psicólogos, e a proporção de um médico psiquiatra para cada 10 psicólogos. “Estamos vivendo um período com uma grande oferta e desenvolvimento de associações e instituições científicas dedicadas à psiquiatria e à psicologia, com uma vasta produção teórica”, disse.
Em seguida foi a vez de Madalena Libério, da Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, apresentar dados sobre a mudança do modelo na atenção à saúde mental no Brasil. De início, mostrou que para uma população de quase 190 milhões de habitantes, o país conta, em 2009, com 1.394 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), espalhados em todas as cinco regiões, contra apenas 148 unidades em 1998.
Madalena apresentou números sobre a redução da quantidade de leitos hospitalares para usuários do serviço de saúde mental e, consequentemente, o aumento de iniciativas de inclusão social pelo trabalho. “Todas essas mudanças refletem diretamente na qualidade de vida cotidiana desses usuários nas cidades onde vivem”, afirmou.
Ainda segundo a representante do Ministério da Saúde, houve uma grande redução com relação aos gastos com internação hospitalar e aumento com a rede de serviços comunitários e cuidados não hospitalares nos últimos sete anos.
A última exposição foi do representante da Opas/OMS Hugo Cohen, destacando o apoio que a Organização Pan-Americana de Saúde desenvolve com os países no campo da saúde mental e lembrando que a consolidação da Rede é uma responsabilidade de todos, e tanto Brasil quanto Chile são peças fundamentais por conta de suas experiências exitosas nesta área. “Após 30 anos de Alma Ata, vemos que não há saúde sem saúde mental. Entretanto, se buscarmos, na América Latina, uma Escola de Saúde Pública que trabalhe com saúde mental, encontraremos apenas a ENSP/Fiocruz”, afirmou.
Hugo Cohen revelou que das 300 milhões de pessoas que vivem na América Latina, 27% carece de acesso a serviços básicos de saúde, 152 milhões não possuem água ou saneamento básico e 20% da população controla 80% da riqueza. “Esses são números preocupantes que revelam a real situação de saúde na América Latina e, consequentemente, de saúde mental também”, disse. Segundo o representante da Opas, passa de 30 milhões o número de adultos que sofrem de depressão em toda a região, mesmo número para alcoolismo.
Para Hugo, não existem modelos de saúde eficazes sem modalidades de trabalho para a população, e é inviável comparar a situação entre os países sem compreender suas histórias. Sobre saúde mental, uma das principais resistências encontradas nos países é a descentralização dos recursos por parte dos profissionais e trabalhadores dos hospitais psiquiátricos.
“O campo da saúde mental é muito complexo e amplo. Muitas vezes, ficamos restritos apenas à lógica da clínica e temos que mudar isso. Então, a participação social é fundamental nesse processo da reforma psiquiátrica, seja ela brasileira ou na América Latina”, concluiu Paulo Amarante, ao encerrar as atividades da manhã de 1 de outubro. Em seguida, o grupo Harmonia Enlouquece fez uma apresentação para o público presente.
Fonte: Ensp