Serra, Dilma, Marina e os gays

Gilberto Scofield Jr.

Durante os últimos dias, desde que o Senado da Argentina aprovou na terça-feira passada a lei que iguala os direitos civis de casais gays aos de casais heterossexuais – garantindo a gays e lésbicas direitos civis como casamento, herança, pensões e até adoção -, a blogosfera e as redes sociais argentinas, do Facebook ao Twitter, se encheram de elogios à presidente Cristina Kirchner.

Atolado em baixos índices de popularidade e uma lista de acusações de enriquecimento ilícito que fariam corar qualquer Ficha Suja de Brasília, o casal Kirchner viu na defesa da lei da igualdade civil uma forma de recuperar sua imagem desgastada. A julgar pelos comentários na rede argentina, conseguiu. A declaração de Cristina sobre a aprovação da lei foi repetida e repetida na rede até virar um mantra.

“Foi um triunfo da sociedade. Houve quem quisesse transformar a questão num problema religioso, mas a discussão é estritamente sobre princípios de direitos civis”, disse ela, para regozijo da comunidade gay argentina, justamente uma das maiores críticas do nível de corrupção em torno da Casa Rosada.
De olho em pesquisas que mostram que a maioria da sociedade argentina apoia a ampliação dos direitos civis para gays e lésbicas, Cristina e Néstor Kirchner (ex-presidente, deputado federal e provável candidato à Presidência argentina nas eleições do ano que vem) não apenas verbalizaram publicamente seu aval à causa, como mobilizaram aliados na Câmara e no Senado para que formassem a infantaria que combateu os políticos conservadores, capitaneados pelo cardeal Jorge Bergoglio, arcebispo da Igreja Católica em Buenos Aires.

O casal Kirchner e seus aliados jogaram na cara dos conservadores (para surpresa das novas gerações de argentinos) que foram eles – a mesma elite conservadora aliada à Igreja Católica – que anos atrás tentaram impedir o voto feminino, o casamento inter-racial e até o divórcio, sem sucesso.

Em ano de disputa eleitoral no Brasil, os candidatos José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), bem como seus partidos, deveriam ter tirado uma lição do episódio. Nenhum deles até agora se pronunciou com clareza sobre como agirá, caso eleito, em relação ao projeto de união civil que se arrasta há anos no Congresso. Ou sobre o projeto de inclusão dos crimes de homofobia na lista de crimes hediondos (também enterrado nas gavetas de Brasília). Ou ainda sobre a execrável prática das Forças Armadas de dispensarem gays e lésbicas que decidem servir fora do “armário”.

Na semana passada, o estudante de publicidade Paulo Reis, de 25 anos, virou uma celebridade na internet ao colocar no YouTube seu clipe do “Dilmaboy”: uma performance afetadíssima, criativa e hilária da música “Telephone”, de Lady Gaga, na defesa da candidata Dilma Rousseff.

Foi aplaudidíssimo pelo PT, um dos partidos mais amigáveis à causa gay no país. Mas na boca de Dilma, só elogios ao rapaz e nenhuma proposta. A candidata teria inclusive fechado um acordo com a bancada evangélica no Congresso para não mexer no projeto de união civil há mais de dez anos ali empacado.

Se não há nos candidatos um compromisso claro com a defesa de direitos civis para a comunidade brasileira de gays, lésbicas e bissexuais – estimada em cerca de 15 milhões de pessoas -, que tivessem a inteligência de perceber que políticas claras de apoio às demandas de minorias, num mundo onde as trocas de informações ocorrem à velocidade da luz, rendem mais votos entre os progressistas do que a gritaria moralista dos conservadores.

*Gilberto Scofield Jr.é jornalista e escreve para ‘O Globo’.