Sociedade civil entrega declaração contra o racismo em defesa das políticas de ação afirmativa
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) entregou no dia 5 de maio, na 2ª Vice Presidência do Senado Federal, a Declaração contra o Racismo em Defesa das Políticas de Ação Afirmativa. O documento toma como base o Projeto Lei da Câmara nº 180, de 2008, de autoria da deputada Nice Lobão e com parecer favorável da relatora senadora Serys Slhessarenko, que determina regras para a reserva de vagas no ingresso nas instituições de ensino superior das redes federal e estadual e nas instituições federais de ensino técnico. Entre algumas iniciativas, o projeto garante 50% das vagas em instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação a estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e reserva vagas nas instituições de educação superior públicas a serem preenchidas por autodeclarados negros, pardos e indígenas na mesma proporção da população da unidade da federação onde está instalada, segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Cebes assina o documento. Para ler e assinar a Declaração na integra clique aqui.
Declaração contra o Racismo em Defesa das Políticas de Ação Afirmativa
À V. Exa. Senador@,
Encontram-se para análise e deliberação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ do Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara (PLC) no. 180 de 2008, de autoria da Deputada Nice Lobão com parecer favorável da relatora Senadora Serys Slhessarenko. O projeto dispõe sobre sistema de cotas para ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Trata-se de um debate necessário, no qual a sociedade brasileira espera que o Senado tenha o discernimento necessário para reafirmar escolhas históricas que o Brasil começou e precisa continuar a fazer.
As cotas no acesso ao ensino superior começaram a ser implantadas no Brasil a partir de 2001, tendo a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) como a primeira universidade a implantar este sistema no seu exame vestibular. Desde então dezenas de outras universidades públicas e privadas alteraram seus exames seletivos para incorporar os critérios raciais – na maioria dos casos combinados com critérios de renda – no acesso à universidade, permitindo incorporar efetivamente um maior número de estudantes negros ao ensino superior.
Em 2004 foi a vez de o governo federal dar início a um grande programa de inclusão de estudantes negros ao ensino superior, através da criação do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que concede bolsas de estudo a alunos negros, indígenas e de menor renda – entre outros grupos – que ingressem em instituições de ensino superior privadas. O PROUNI representa de fato uma inclusão numérica significativa de estudantes que há algum tempo atrás talvez nem considerassem a possibilidade de ingressar no ensino superior.
Levando em conta esta variedade de iniciativas de inclusão no ensino superior já existentes no país, já é possível falar de um programa de ação afirmativa que tem “cara brasileira”, criando seus próprios caminhos e se aperfeiçoando na medida em que é implantado. E que, acima de tudo, apresenta resultados, reduzindo as desigualdades no acesso ao ensino superior.
É o bastante? Não, está longe de ser. Todos nós sabemos, por teoria ou prática, que a dificuldade dos estudantes negros ingressarem no ensino superior, principalmente nas universidades públicas, é resultado de um acúmulo de desvantagens que estes indivíduos tiveram ao longo de sua trajetória de vida e principalmente educacional. Portanto é essencial uma política de cotas para universidades públicas, ampliando o acesso ao ensino superior público a essa parcela historicamente excluída.
Finalmente esta reflexão nos leva ao tema da persistência do racismo na sociedade brasileira e da suposta “racialização” que as políticas de ação afirmativa e em particular as cotas raciais estariam promovendo. Alguns dos críticos destas medidas afirmaram que “existe preconceito racial no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista”. É, pode ser. Mas não deixa de nos intrigar qual é a operação lógica possível que leva um país a não ser racista, embora tenha preconceito racial. Ou, inversamente, como as pesquisas de opinião costumam demonstrar, que seja um país racista sem racistas. Os exemplos que já existem de universidades que adotaram as cotas desmentem, na prática, a teoria de possível acirramento do racismo.
Esta escolha histórica que hoje o Brasil faz – e que esperamos que o Senado ratifique – tem conseqüências importantes do ponto de vista da inclusão social e da ampliação de oportunidades. Trata-se de uma escolha que de forma nenhuma nega a nossa identidade nacional ou recusa a utopia da igualdade. Ao contrário: esta escolha permite que se caminhe em direção à utopia. Sem estas medidas, o Brasil continuará simplesmente reproduzindo suas desigualdades e aí sim, caminharemos em direção ao fracasso.
Na expectativa de contarmos com o voto favorável de Vossa Excelência subscrevemos atenciosamente,
CFEMEA