Somos seres humanos, e não mercadorias!

Fonte: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), organização não governamental que, há 35 anos, atua na Amazônia em defesa da igualdade e por um mundo melhor e mais justo.

“Pela vida das mulheres, adolescentes, das crianças, dos negros, dos jovens, dos homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais…. e contra todos os fundamentalismos.

Nós, movimentos sociais, conselhos profissionais, entidades de defesa dos Direitos Humanos, cidadãs e cidadãos deste Pará e desta Belém repudiamos a forma criminosa em que a VIDA está sendo considerada uma banalidade neste Estado e um verdadeiro genocídio está sendo praticado cotidianamente contra mulheres, crianças, negros, jovens, idosos, homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais, população de rua, pessoas vivendo com hiv-aids, pessoas com sofrimento psíquico entre outros….

O Estado do Pará parece estar virando uma “terra sem lei e sem direitos”. Mercantilizando com a Vida na condução das políticas públicas no Pará. Que se expressam na falta de respostas aos estarrecedores indicadores que vêm crescendo no Estado, pois o Pará apresenta índices alarmantes em vários campos e envolvendo a gestão de várias políticas públicas Estaduais.

Mais de 70 % de crianças na cidade de Belém não têm acesso à educação infantil ficando sujeitas à falta de alternativas educacionais e suas mães e familiares com dificuldades para trabalhar;

O Estado ocupa o 4º lugar em número de mulheres assassinadas segundo o mapa da violência de 2012 (Waiselfisz,2012) e mais de 3000 processos estão parados nas varas da justiça de violência contra a mulher por falta de recursos humanos e materiais segundo depoimento de integrantes da justiça do Pará à Comissão Parlamentar Mista – CPMI em audiência pública em dezembro de 2012;

A morte entre jovens em especial os negros cresce aceleradamente no Estado e são vários municípios paraenses com taxas de assassinatos de jovens negros altíssimas conforme mapa da violência entre jovens. A juventude é, também, como vítima e agressora, a principal protagonista da violência (homicídios) em Belém ocupando o 8º lugar no ranking das capitais brasileiras e com 300% de crescimento de homicídios de jovens entre 2000-2010 segundo o Mapa da Violência (Waiselfisz, 2012);

Em 2012 morreram no Pará 994 mulheres em idade fértil do qual só 146 destes óbitos tiveram as causas dessas mortes investigadas (14% do total de mortes) segundo dados do Departamento de Epidemiologia da SESPA;
Em 2011 ocorreram 1568 atendimentos femininos por violência pelos serviços de saúde no Pará dos quais 1021, ou seja, 65,16% tiveram como causa a violência sexual;

Ainda recente foi descoberta uma rede de tráfico e cárcere privado de mulheres na área da usina de Belo Monte (na região do Xingu) envolvendo inclusive menores;

Vários casos de violência sexual estão sem resposta e sem providências por parte do Estado como, por exemplo, o abuso sexual de adolescente no centro de passagem de Abaetetuba, ocorrido em maio de 2012, e até agora sem resposta;

São inumanas as situações envolvendo as mulheres encarceradas no Centro de Reabilitação Feminino – CRF, pois falta ações de saúde para as presas e não tem espaço nem condições para convivência com as crianças muitas das quais se encontram abrigadas sem contato com a genitora há mais de 02 anos;

Não há distribuição do Kit de emergência e o Pará dispara nos indicadores pois é o 11º estado do Brasil em incidência de casos notificados de aids (e o 1º na região norte) segundo dados do Boletim epidemiológico do MS. O Fórum Estadual de Ongs e aids vêm constantemente denunciando as mortes no estado em decorrência de falta de medicamentos, leitos, assistência e a precariedade da Política estadual em relação a Dst/aids;

A homofobia e a violência está crescendo no Estado fazendo parte dos noticiários dos jornais e TVs locais os inúmeros assassinatos de Homossexuais, travestis. Muitos desses por puro preconceito e falta de política de segurança pública;

Existe morosidade na investigação e punição dos assassinatos de trabalhadores/as do campo como o do Sr. Mamede em Mosqueiro e outros/as que foram vítimas de violência no campo.

O Brasil assumiu as decisões das Conferências Internacionais da ONU, realizadas na década de 90, de fundamental importância para os direitos humanos. Em especial, a Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena (1993), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo (1994) e a Conferência Mundial sobre a Mulher – Beijing (1995), Convenção Sobre os Direitos da Criança e do Adolescente que especificaram os direitos de igualdade de gênero e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, OEA, 1994), ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, que define os parâmetros nacionais para enfrentamento da violência contra a mulher.

No Pará continuamos convivendo com diversos contextos de violência urbana; com a precariedade das condições de vida e insuficiência de equipamentos e serviços públicos; interdições ao direito de ir e no espaço da cidade; presença da violência ligada ao tráfico e a violência policial no Pará especialmente em Belém.

Assistimos ainda violência relacionada ao tráfico de seres humanos, à exploração sexual de mulheres e meninas, cujo Brasil ocupa rankings vergonhosos; sobretudo a região Norte e Estado do Pará em particular, que convivem com a impunidade de políticos, juízes, milícias, e policiais envolvidos.

A realidade que vivemos então é de precariedade e vulnerabilidade na vida das mulheres, meninas, jovens e cidadãos é constante como consequência da omissão do Estado.

Afirmamos também que a maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres. Deve ser compreendida como função social e, portanto, o Estado deve prover todas as condições para que as mulheres decidam soberanamente se querem ou não ser mães, e quando querem. Para aquelas que desejam ser mães devem ser asseguradas condições econômicas e sociais, através de políticas públicas universais que garantam assistência a pré-natal, parto e puerpério, leitos assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno de uma criança: creche, escola, lazer, saúde.

As mulheres que desejam evitar gravidez devem ter garantido o planejamento reprodutivo e as que necessitam interromper uma gravidez indesejada deve ser assegurado o atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde, pois é assim que diminuiremos os altos índices de morte materna e morte de meninas e mulheres no Estado do Pará e a atenção às mulheres em situação de abortamento é um direito que foi garantido por decisões da III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e pela legislação vigente.

Nós que assinamos esta carta compreendemos que a sociedade civil organizada tem o direito e a competência de debater, propor e formular e exigir as políticas que acabem com as situações de violação dos direitos das mulheres, meninas e cidadãos no nosso Estado.

Por isso, as instituições aqui representadas vêm a público externar seu repúdio diante da denúncia de violação de Direitos Humanos e genocídio que o Estado vêm realizando ao não realizar seu papel enquanto gestão das políticas Públicas.

Queremos que as políticas públicas do qual o governo é responsável por efetivar funcionem. A implantação da Política Estadual de Atenção à Saúde da Mulher, Os centros Maria do Pará; os abrigos para mulheres; as delegacias de atendimento às mulheres; a disponibilização dos recursos humanos e materiais para a atenção às meninas e mulheres em situação de violência; a punição dos agressores; as residências terapêuticas são apenas alguns dos dispositivos que têm que ser fortalecidos e efetivados para que os DIREITOS HUMANOS seja um fato e ação real do Estado e não um factoide e a VIDA SEJA RESPEITADA, VALORIZADA E NÃO SEJA MERCADORIA DESCARTÁVEL…

Dignidade, autonomia, cidadania para as mulheres e cidadãos paraenses!
Políticas Públicas que garantam a vida com qualidade para os/as paraenses!

Nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe. E nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe! Por uma política que reconheça a autonomia das mulheres e suas decisões sobre seu corpo e sexualidade e os Direitos Reprodutivos e sexuais!

Nem uma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto!

Pela vida e não criminalização das mulheres!”

Belém, 15 de fevereiro de 2013

Assinam:

Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense- FMAP, Articulação de Mulheres Brasileiras- AMB /PA, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB, Marcha Mundial de Mulheres – MMM, Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA, Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos – Regional Pará, Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará – GEMPAC, FASE- AMAZÔNIA, Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense- MMNEPA, Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade- MMTA-CC, Fórum Metropolitano de Reforma Urbana, Rede de Educação Cidadã- RECID, Grupo de Mulheres do Tapanã, Movimento de Articulação de Mulheres do Estado do Pará- MAMEP, União Brasileira de Mulheres- UBM, MOCAMBO, Movimento de Luta Antimanicomial – MLA, UNIPOP, SODIREITOS, CEBES/PA, Setorial de Mulheres do PSOL, ASFAION, Secretaria de Mulheres do PT, CMB, Coletivo Juntas, Marias, SODIREITOS, CTB, Jovens + Pará, Rede de Negros e Negras LGBT.