Sonia Fleury analisa conseqüências da não-aprovação da CPMF em entrevista ao site da RET-SUS

Em entrevista concedida ao website da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), em meados de dezembro, a presidente do Cebes, Sônia Fleury, abordou temas como a não aprovação da CPMF pelo Senado Federal, a aprovação da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), entre outras questões relacionadas ao financiamento da saúde pública no Brasil.

RET-SUS: Quais são as conseqüências políticas e econômicas da não-aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) para a área da saúde?

Sônia Fleury: Penso que o acordo que foi feito pelo governo de dar recursos adicionais para a saúde será mantido. Isso porque os recursos podem vir e virão de outro lugar. Acho que a não-aprovação da CPMF não prejudicará a saúde, o PAC da Saúde ou a Emenda Constitucional nº 29. A conseqüência maior é não aumentar os recursos, já que se criou uma expectativa em relação a isso. Mas, na verdade, a arrecadação tem aumentado e acho que o governo tem margem para cortar no superávit. Não virão mais os R$ 24 bilhões que poderiam ter vindo se o governo tivesse feito uma negociação melhor. O governo, só no último minuto, decidiu que iria, progressivamente, colocar toda a CPMF na saúde. Isso chegou a balançar o PSDB, em termos de buscar um acordo nacional que tivesse acima da disputa partidária. Mas o partido acabou fechando sua posição desfavorável à CPMF, continuando o assunto a ser uma questão partidária e não uma questão nacional. Foi uma lástima que o governo tenha usado esse argumento como um recurso de um náufrago.

RET-SUS: De onde poderiam vir recursos adicionais para a saúde?

Sônia Fleury: Há a necessidade de o governo rever toda a sua política fiscal e financeira. Já que ele perdeu um tributo, é preciso pensar se vai reduzir alguns gastos para manter os que são essenciais ou se vai aumentar a tributação.

Mas, num momento em que o governo quer fazer investimentos como o PAC da Saúde, acho que não há muita flexibilidade de redução de gastos. Então, isso não ocorrerá. Portanto, os gastos da saúde também não serão reduzidos.

O governo pode reduzir gasto, por exemplo, no superávit. O dinheiro que está sendo poupado para pagar juros da dívida, acima até do que foi estabelecido, pode ser reduzido. Assim como é possível mudar a política cambial, a taxa de juros. Enfim, mexer nesses instrumentos de política monetária e financeira para aumentar a captação de recursos para o Estado.

O governo vai ter que se virar para manter os compromissos com as áreas sociais e com a área produtiva que ele estabeleceu nessa fase de retomada de crescimento. Acho que ele não vai querer voltar atrás nisso. Então, precisará dar uma reorganizada. É o momento de repensar, para o ano que vem, em uma reforma tributária de verdade.

RET-SUS: Os mesmos senadores que reprovaram a prorrogação da CPMF, aprovaram a prorrogação da DRU (Desvinculação dos Recursos da União). O que isso significa para o SUS?

Sônia Fleury: Isso é uma perda do ponto de vista legal. Você perde um dinheiro que era vinculado à área da saúde. Na verdade, o governo pode colocar até o mesmo tanto depois na área da saúde. Se isso acontecer, podemos dizer que não houve perda porque o dinheiro voltaria para a saúde.

O que mudou é que, constitucionalmente, o dinheiro era vinculado à área da saúde. Agora o governo poderá aplicar onde quiser porque desvinculou esses recursos da nossa área. Assim, ele pode aplicar na saúde este ano e no ano que vem dizer que não vai mais aplicar porque tem uma outra prioridade.

A prorrogação aprovada pelos senadores é a continuação de uma Emenda Constitucional de 1994, que foi feita na época do plano real a fim de usar esse recurso, originalmente da saúde, para estabilizar a economia.

A continuação da DRU pode ser ilegítima para nós, que achamos que deveria ser mantido o que está na Constituição, mas os nossos representantes (senadores) votaram a favor de que o governo tenha essa liberdade de desvincular, o que para nós é péssimo.

Agora, é preciso chamar atenção para o fato de que nossas lideranças não fizeram nenhum movimento sério para acabar com a DRU. Enquanto a educação negociou que a DRU fosse progressivamente extinta para a área de educação, mostrando como ela é uma área prioritária, a saúde não fez nenhuma proposta desse tipo, o que é uma lástima. Na verdade, nós até corroboramos isso porque apoiamos fortemente a CPMF, que estava junto com a DRU. Ninguém da área de saúde do governo foi para a rua botar a boca no trombone dizendo que queríamos manter os recursos constitucionais e não aprovar nem a CPMF, nem a DRU também. Acabamos perdendo a CPMF e mantendo a DRU. Foi um erro tático.

RET-SUS: Para novos recursos irem para a saúde, é preciso que a sociedade cobre mais do governo?

Sônia Fleury: Claro. Acho que o ministro da saúde está em muito boa posição política porque ele foi um dos maiores defensores da manutenção da CPMF. Eu tenho a impressão de que ele deve estar com credibilidade para manter essa negociação frente à área econômica. Mas acho que é importante que governadores, secretários de saúde e entidades da sociedade civil defendam novos recursos também. É importante que se unam nessa negociação que já foi feita. Não vejo que a EC 29 ou o PAC possam ficar ameaçados, mas acho importante que os diferentes atores políticos se manifestem.

RET-SUS: O Cebes já tem uma posição a defender?

Sônia Fleury: Nós vamos fazer uma discussão em breve sobre isso. Nós apoiamos que a saúde tivesse mais recursos porque essa é uma proposta da sociedade civil e não podemos deixar o governo recuar nela. Mas a CPMF não era o que nós queríamos. Concordamos com a proposta da Frente Parlamentar de Saúde de estabelecer que a União repasse para o SUS 10% das suas receitas brutas.