Sônia Fleury sobre as Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil
Sonia Fleury, mestre em sociologia e ex-presidente do Cebes
Juntos pelo Brasil – a imprescindível reconstrução do país
O texto que apresenta as diretrizes do programa da Frente “Vamos Juntos pelo Brasil”, ainda em fase de aceitação de propostas e discussão em Conferências setoriais Populares, Livres e Democráticas, sofre da falta de discussão política que vivemos nesta quadra da história republicana, pautada por notícias falsas, afirmações que procuram gerar fatos que são negados em seguida, ocupando a mídia e a agenda política. Também a insegurança jurídica decorrente da demora na liberação da candidatura de Lula e na definição de prazos para as federações partidárias. Por estas razões seria difícil ser um texto mais profundo e programático. Já razões políticas fruto de um contexto de polarização na qual só se pode ampliar para o centro explicariam a falta de ousadia.
Além disso, dado o enorme desmonte das política ambientais, culturais, de proteção social e de apoio a grupos específicos como negros e indígenas, há uma tendência a um retorno às políticas anteriores ao desmonte, quando sabemos o quanto foram importantes, mas insuficientes e que hoje seriam incapazes de direcionar mudanças em direção ao futuro que desejamos. Apenas na área econômica, cuja discussão tem sido sistemática e incorporada pelos partidos, há uma clara démarche em direção a um novo modelo de desenvolvimento soberano imprescindível para tirar o país do desastre atual.
É correta a centralidade dada à urgência no enfrentamento da fome e pobreza. Consequentemente, importância a revisão da reforma trabalhista, a recuperação da área assistencial, o avanço nas políticas de segurança alimentar. Também é importante ver como avanço tanto as incorporações das lutas identitárias pela justiça social e igualdade quanto as propostas da reforma urbana que foram incorporadas ao programa. Já a área de previdência, mencionada como sendo necessária ser mais inclusiva, não avança qualquer direção neste sentido.
Chama atenção e provoca decepção o tratamento dado à área de saúde nos pontos que 24 e 25. Em vários momentos são afirmadas propostas que vão incidir nos determinantes sociais da saúde e doença, na concepção ampliada de saúde, que envolve renda, moradia, trabalho, saneamento, alimento, segurança. Também política econômicas que favoreçam o desenvolvimento do complexo econômico e industrial da saúde foram incorporadas.
No entanto, a saúde tem uma concepção ampliada, mas também é um setor específico e institucional de políticas públicas, com alta capilaridade e com um enorme potencial de inovação da arquitetura federativa e da democracia. Com setor específico, o SUS, que demonstrou seu vigor durante a pandemia e frente ao pandemônio da política oficial do governo federal, mereceu um tratamento aquém do desejado.
Os pontos 24 e 25, que tratam especificamente do SUS, dedicam-se, no 24 a criticar a posição do governo atual e no 25, a reafirmar os princípios constitucionais do SUS, além de acrescentar a volta de programas específicos, como o Mais Médicos e o Farmácia Popular. No entanto, nenhuma diretriz estruturante, capaz de enfrentar as limitações atuais do SUS foi colocada, nem sobre o financiamento, nem sobre a gestão nem mesmo sobre a assistência. Já temos propostas concretas em todas elas, e um forte movimento social da Frente pela Vida em curso nas conferências Livres, Democráticas e Populares que estão em curso em todo o país.
Este nível de generalidade em relação a uma política tão complexa e com tanto acúmulo em termos de capacidades estatais e societárias merece uma profunda reflexão. Especialmente quando comparado com outras áreas de políticas do mesmo documento que são muito mais aprofundadas. Minha hipótese é que os interesses contrários ao SUS são muito mais organizados que em outras áreas e/ou têm menos pontos de contatos com os representantes da Federação, de tal forma que os seus vetos não se colocaram neste momento, mas se colocarão para o governo eleito em outras arenas, como o Legislativo.