“Sônia Terra e o futuro”
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) lamenta a prematura morte da médica sanitarista Sônia Terra, que aconteceu na capital federal, no dia 12 de fevereiro, em decorrência de um câncer com o qual vinha lutando há três anos.
Nas décadas de 70 e 80, Sônia integrou a forte movimentação nacional que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Recentemente, foi assessora do Conasems e esteve envolvida com a cooperação canadense em promoção da saúde.
Uma das responsáveis pelas propostas de descentralização em São Paulo, anterior ao projeto que foi apoiado pelo Banco Mundial nos anos 80, Sônia é também autora do livro “Cidades saudáveis: uma urbanidade para 2000” e será lembrada pela militância e engajamento na luta pelo direito à saúde publica.
Confira texto de Flávio Goulart sobre Sônia Terra:
“Conheci Sonia Terra por volta de 1985. Eu era secretário municipal de saúde em Uberlândia e estava em Brasília, no Ministério da Saúde, para um pequeno giro, de pires na mão, buscando não tanto dinheiro, mas apoio técnico e simbólico. E me dei com aquela Dama, ao mesmo tempo, técnica e simpática, disposta a colaborar! Ela fazia parte de uma pequena equipe voltada para o que se chamava formalmente “apoio a serviços de saúde” – ou algo assim. Assuntos que hoje teriam uma Secretaria inteira do Ministério só para eles…
Considerem, todavia, que “Serviços de Saúde”, naquele tempo, eram coisas que pertenciam à esfera do próprio MS ou, no máximo, dos estados. Municípios, nem pensar… Mas Sonia foi com a minha cara e eu com a dela. Convidei-a para uma ida a Uberlândia, onde ela se reuniu com a minha equipe e deixou um montão de ideias, algumas bem pragmáticas, outras que apenas nos fizeram sonhar com tempos futuros (que nem sabíamos que acabariam chegando…).
Deste então passei a vê-la com alguma constância, fosse em Brasília, ou em eventos fora. Particularmente, na série de reuniões, realizadas entre 1985 (em Montes Claros) e 1988 (em Olinda), que marcaram tempos importantes para todos nós da saúde: Assembleia Nacional Constituinte, Oitava Conferência Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Reforma Sanitária, fundação do CONASEMS. Tive o privilégio de estar nestes eventos e também de ter convivido com gente como Sonia.
Em 1988 Sonia Terra busca novos horizontes. Em um tempo que para nós da saúde o Canadá era apenas um país distante e meio “encoberto” pelos Estados Unidos, ela abre caminho, faz contatos e ganha respeito entre os de lá. Faz seu mestrado em Saúde Pública na Universidade de Montreal. Hoje sabemos de sobra que a experiência do Quebec é modelo e referência para o SUS. Mas, naquele tempo, isso era território ignoto… Os canadenses continuam a nos chegar a todo momento e brasileiros já lá estiveram e ainda estão. Mas creio que, sem nenhum, favor podemos colocar Sonia Terra como precursora e agente deste movimento que tem sido tão produtivo para nós e para os canadenses também.
Ainda tive muitos outros aprendizados com ela. No Ministério da Saúde, no CONASEMS, na OPAS e, principalmente, na vida. Seis meses por ano ela estava no Quebec, mas ao chegar aqui sempre tinha uma palavra de amizade, confiança e transmissão de conhecimento para os muitos amigos, como eu, que com ela conviveram.
Sua passagem por nós me traz, mais uma vez,recordações carinhosas e expressivas. Procurando uma palavra, um termo que a pudesse definir, encontrei a seguinte imagem. Sonia Terra, em meados do 90, militando na OPAS, ao ser solicitada para apoiar a SAS/MS, onde eu trabalhava naquela ocasião, em um tema bem corriqueiro da época, creio que a implementação daquilo que um dia se chamou NOB 93, nos disse: “que tal se vocês pudessem pensar no futuro? Acho que no futuro do SUS isso não mais existirá…”. Dito e feito!
É isso aí: Sonia vivia no futuro! Nem sempre foi possível acompanhá-la em sua máquina do tempo. Mas como disse Brecht: “ela formulou projetos, nós os seguimos (ou tentamos…); um epitáfio assim, nos honra a todos”.
Beijos, Sonia, boa viagem para o Futuro!”
FLAVIO GOULART – 12 de fevereiro de 2013.