SUS, 20 anos
Por Luiz Roberto Barradas Barata*
A cidade de São Paulo sediou, em outubro, um grande simpósio internacional que marcou os 20 anos do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil. Representantes da área da saúde de países como Canadá, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e França estiveram presentes para auxiliar no debate sobre os avanços e desafios de um sistema que mudou radicalmente o paradigma da assistência médica prestada aos brasileiros.
Não é possível deixar de elencar as conquistas que o acesso universal à saúde trouxe ao país nas últimas duas décadas. Trata-se de um plano de saúde que atende a qualquer cidadão, sem distinção de classe social ou idade. Que garante internação, medicamentos e transplante de órgãos. Que realiza campanhas de vacinação e mutirões de atendimento. Que socorre acidentados nas ruas, investiga e controla surtos ou epidemias. Que vistoria hospitais e laboratórios, para garantir a qualidade de serviços e produtos oferecidos.
Trata-se, portanto, de um dos mais importantes projetos sociais já lançados no mundo. Assegurando os princípios de universalidade, integralidade e equidade no atendimento aos cidadãos, o SUS vem contribuindo de forma contundente para a melhoria dos indicadores de saúde e qualidade de vida da população.
Todos os brasileiros, inclusive os que têm plano de saúde privado, se utilizam do SUS. Isso acontece, por exemplo, quando alguém precisa de um transplante de órgãos, ou, em caso de acidentes, quando a vítima é atendida no pronto-socorro público, ou quando liga para o Samu e recebe os primeiros socorros em casa.
As pessoas também estão utilizando, indiretamente, a rede pública quando compram um medicamento na farmácia ou um alimento no supermercado, pois esses produtos e serviços são fiscalizados pela vigilância sanitária.
No seminário referido acima, ficou evidente a preocupação geral em relação ao financiamento do SUS, de forma estável e crescente, para garantir o aperfeiçoamento dos serviços e a ampliação da oferta de consultas, exames, cirurgias e internações nos hospitais públicos. Essa necessidade premente exige o efetivo comprometimento das três esferas de governo, destinando à saúde percentuais estabelecidos pela legislação sobre seus orçamentos, para que o SUS possa incrementar e ampliar o atendimento oferecido à população.
Até a Constituição de 1988, o governo federal sempre foi o mais importante financiador da saúde. Por causa da instituição do SUS, ficou definido que o financiamento se daria com recursos das três esferas de governo, mas a participação proporcional do governo federal vem diminuindo ano a ano, na comparação com os investimentos de Estados e municípios.
No Estado de São Paulo, que possui a maior e mais complexa rede de saúde do país, grande parte dos procedimentos de alta e média complexidade realizados no Estado é custeada com recursos próprios do tesouro estadual, já que muitos hospitais pertencem ao governo paulista. Para que essa população continuasse a receber o tratamento adequado, o governo do Estado elevou consideravelmente os recursos destinados à saúde nos últimos anos. De R$ 2 bilhões em 2000, os valores passaram para R$ 3,7 bilhões em 2003 e para R$ 5,8 bilhões em 2006.
Em que pesem os avanços, como a queda expressiva na taxa de mortalidade infantil, a erradicação da poliomielite e o controle do sarampo, do tétano e da difteria, entre outras doenças, além da redução da morbimortalidade entre os infectados pelo HIV, não é aceitável que, aos 20 anos de idade, o SUS ainda não disponha de recursos suficientes que permitam cumprir o que está previsto na Constituição brasileira: saúde universal, de qualidade, com eficiência, atendendo a todos os cidadãos brasileiros.
O envelhecimento da população e a descoberta de novos fármacos e terapias fazem com que a demanda do sistema seja crescente, e o aporte de novos recursos quase sempre não supre as necessidades. Equacionar o financiamento do SUS é, portanto, a necessidade mais vital e, nesse sentido, urge a regulamentação da emenda constitucional nº 29/00, importante ferramenta para definir o que pode ser considerado ou não gasto com saúde pública.
Do mesmo modo, é urgente aperfeiçoar e inovar na gestão dos serviços de saúde, sem preconceitos ou disputas ideológicas. Ousar com criatividade, com o intuito de aprimorar a assistência sob o ponto de vista da qualidade, eficiência e agilidade é obrigação de todos aqueles que desejam melhorar a saúde de nossa gente. Somente assim o SUS será reconhecido pela população como de fato o é: o maior plano de saúde do mundo.
(*) Luiz Roberto Barradas Barata, 55, médico sanitarista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo. Artigo publicado na Folha de S.Paulo, na edição de 10/11/08.