SUS: novos modelos são a solução?
Por Carlos Frederico Dantas Anjos*
É conhecido de todos que a saúde pública se debate com um problema crônico de caráter organizacional, financeiro e de gestão. No último dia 9/9, reportagem da Folha trouxe a notícia de que a “Justiça Federal determinou que a Prefeitura de São Paulo acabe com a contratação de entidades privadas para gerir suas unidades de saúde”. Para a juíza, a legislação municipal é inconstitucional.
Para a prefeitura, “esse modelo de gestão agiliza o atendimento e melhora a qualidade do serviço”. No ano passado, o governo federal enviou projeto de lei ao Congresso que cria as fundações estatais (Folha,13/7/07), cujo objetivo é garantir maior autonomia gerencial e orçamentária aos hospitais públicos, flexibilizar as relações trabalhistas e regras de licitações, premiar o servidor com bom desempenho e condicionar o repasse de recursos ao cumprimento de metas de gestão, dando maior agilidade à gestão pública.
Em agosto deste ano, a FGV promoveu o “Debate GV Saúde: Alternativas de Gestão Pública”, com a participação de renomados especialistas na área, em que foram discutidas novas formas de organização na saúde.
Nesse debate ficou evidente que várias alternativas existiram ou existem no sentido de tornar os serviços de saúde mais ágeis e com maior autonomia: empresas públicas, consórcios públicos, sociedades anônimas, serviços sociais autônomos, fundações, autarquias de regime especial e, recentemente, as chamadas Oscips ou OSs.
É conhecido de todos que a saúde pública se debate com um problema crônico de caráter organizacional, financeiro e de gestão, com implicações importantes na qualidade da assistência prestada ao seu usuário.
Há um reconhecimento generalizado da inadequação e rigidez do modelo de administração pública direta e autárquica, com autonomia limitada, excesso de burocracia, morosidade e questionamentos de ordem jurídica e administrativa que terminam por expor dirigentes a ações e processos judiciais, além de dificultar a gestão.
Por outro lado, as soluções apontadas são pautadas pelo imediatismo do “apagar incêndios” com provimento de recursos extras e tentativas isoladas de modernização gerencial, muitas das quais questionáveis constitucionalmente.
O SUS, um dos mais avançados e modernos serviços de saúde pública do mundo, não pode continuar vítima desse modelo. Precisa se modernizar e aperfeiçoar, preservando os princípios fundamentais e constitucionais de universalidade, gratuidade, integralidade, eqüidade e controle social.
Sem perder de vista tais princípios, a necessária ampliação da capacidade do Estado de prover e regular os serviços de saúde passa pela implantação de novos modelos de gestão que levem à autonomia e a eliminar ilegalidades e corrupção, com maior transparência e garantia de institucionalidade e sustentabilidade do sistema.
Outro aspecto importante quando se discutem novos modelos para o SUS é a questão da qualificação profissional. É preciso investir na melhoria da formação médica e dos demais profissionais de saúde; inovar nas relações dos gestores com os profissionais de saúde quanto a política salarial, avaliação de desempenho, planos de carreira, condições de trabalho e garantias constitucionais.
Assim, independentemente do modelo a ser definido legal e constitucionalmente, um choque de gestão, em que se pactuam metas e serviços com qualidade e eficiência, deve ser um objetivo a ser perseguido, ao lado do uso mais eficiente dos recursos públicos, com a estabilidade política, econômica e jurídica necessária a um melhor desempenho organizacional.
Vivemos num país em que são péssimas as condições de vida e saúde da grande maioria da população. Nosso padrão de morbi-mortalidade combina doenças decorrentes dessas condições com outras de países desenvolvidos e relacionadas a padrões alimentares, de consumo, violência urbana e aumento da expectativa de vida.
Segundo o IBGE (2005), a proporção de pobres em nossa população é de 33,43%, de idosos, 9,2%, e a esperança de vida ao nascer, 72 anos, com tendência de aumento.
Esses desafios não podem ser resolvidos apenas enfocando o lado da assistência médica. São necessárias ações de impacto no sentido de reduzir as grandes desigualdades sociais e de melhoria das condições de vida da maioria da população.
O SUS é um importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e modelo de políticas públicas. Aperfeiçoá-lo significa assegurar financiamento adequado, melhoria da estrutura, implantar novos mecanismos de gestão e valorização profissional, tudo com o objetivo maior de melhorar o atendimento e a saúde dos brasileiros.
(*) Carlos Frederico Dantas Anjos é médico, doutorando em medicina pela USP, é diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, na edição de 26/09/08.