Talidomida no combate ao câncer
Carolina Cotta/ Correio Braziliense
Pesquisa conduzida por brasileiro mostra que implantes com a substância têm potencial para combater tumores de mama. A droga, cujo uso restrito se deve ao alto poder tóxico, é utilizada atualmente no tratamento de mielomas
A administração de talidomida a partir de um implante polimérico biodegradável reduziu em até 47% o volume de tumores de mama. A pesquisa realizada na Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte, foi feita em modelo animal, no caso camundongos, mas aponta para um novo tratamento que poderia beneficiar pacientes com câncer. O polêmico medicamento tem efeitos biológicos importantes, como a inibição da angiogênese, formação de novos vasos sanguíneos que determinam o avanço dos tumores. Nos últimos anos, essa capacidade do medicamento tem tornado crescente o interesse na sua utilização como agente antitumoral. Seus efeitos adversos, no entanto, são um entrave à disseminação de sua aplicação.
Nesse ponto está a contribuição da pesquisa, realizada em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O pesquisador da Funed Bruno Pereira elaborou e comprovou a eficácia de uma nova formulação farmacêutica para a veiculação da talidomida. Segundo ele, os implantes compostos por polímeros biodegradáveis são promissores sistemas de liberação de fármacos, não necessitando remoção e promovendo uma liberação prolongada e localizada. Avaliadas as características físico-químicas, a farmacocinética e os efeitos adversos da talidomida, o estudo aponta para a melhoria da resposta terapêutica do medicamento quando administrado, para o tratamento de câncer, na forma de implante polimérico.
“Os implantes biodegradáveis representam uma forma farmacêutica com potencial no tratamento de tumores, uma vez que promovem a liberação controlada do fármaco, permitindo a manutenção de níveis terapêuticos eficazes, por um período de tempo prolongado. Também permitem a liberação direta no local de ação, evitando os efeitos adversos provocados quando são administrados pela via sistêmica e protegendo os compostos da inativação antes de atingirem o seu local de ação”, explica Pereira, doutor em ciências farmacêuticas. Por serem biodegradáveis, esses sistemas não precisam ser removidos cirurgicamente após a liberação completa do fármaco, ao contrário dos implantes poliméricos de ação contraceptiva já disponíveis no mercado.
Os implantes usados no estudo medem 1mm X 4mm e têm formato de bastão com três dosagens de talidomida: 1mg, 2mg ou 3mg. Os bastões foram implantados próximos aos tumores sólidos de Ehrlich, um tipo de câncer de mama, em camundongos. Técnicas próprias permitiram avaliar tanto a morfologia e as dimensões dos implantes quanto a interação do fármaco com o polímero. Segundo Pereira, os implantes, com o passar do tempo, vão liberando a substância e assim mudam de formato. Os bastões foram produzidos de formas diferentes e essas condições de preparo também geraram alterações nas características do implante.
Considerando a atividade antiangiogênica da talidomida, um dos mecanismos mais interessantes do fármaco no que se refere ao combate ao câncer, foi preciso avaliar seu efeito por diferentes métodos. Segundo o especialista, o fato de esse efeito biológico ser governado por fatores diversos e de a resposta da talidomida variar, como mostraram estudos anteriores, o efeito foi avaliado em mais de um modelo de estudo de inibição de angiogênese, buscando demonstrar que a inclusão da droga nos implantes não impede que ela produza o efeito desejado. “A estrutura da talidomida responsável por tais efeitos é mantida enquanto é liberada para os meios biológicos testados em concentração suficiente para atingir o efeito”, explica.
Mais testes
Os dispositivos implantáveis desenvolvidos demonstraram eficácia na inibição do crescimento do tumor sólido Ehrlich. Os níveis terapêuticos de talidomida obtidos pela liberação a partir do implante alteraram o ciclo de vida de células tumorais. “Os resultados favoráveis obtidos demonstraram que os implantes poliméricos biodegradáveis contendo talidomida têm potencial para serem aplicados como sistemas de liberação para o tratamento localizado do câncer, com manutenção de forma prolongada das concentrações de fármaco”, defende o pesquisador.
O próximo passo é verificar se a técnica apresenta vantagens em relação a terapias convencionais. É preciso também avaliar a distribuição sistêmica a partir de diversos locais de implantação. Além disso, o sistema desenvolvido permite a associação de mais de um fármaco, o que certamente potencializaria os efeitos no tratamento do câncer. “As perspectivas de aplicação em humanos devem ser avaliadas a partir da aplicação do sistema a outros modelos, incluindo outras espécies e locais de aplicação para determinar de forma mais ampla o perfil de toxicidade e eficácia. Os próximos passos devem ser a aplicação a outros modelos de câncer de mama em camundongos e a avaliação de farmacocinética, ou seja, de como o medicamento se comporta no organismo”, acrescenta Bruno Pereira.