Taxa de mortalidade materna no Distrito Federal é duas vezes maior que a preconizada pela OMS
Risco em dobro para as grávidas
A mortalidade materna no Distrito Federal é de 50,4 para cada 100 mil nascidos vivos, ou seja, duas vezes e meia maior que o nível tolerado pela Organização Mundial da Saúde. Doenças hipertensivas são as que mais matam as gestantes
ADRIANA BERNARDES
A taxa de mortalidade materna no Distrito Federal é duas vezes e meia maior do que o preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No ano passado, 20 mulheres morreram por complicações na gravidez para um total de 39.605 bebês nascidos vivos. Para atender a meta da OMS, o número de mortes não poderia ser superior a 7,9. As doenças hipertensivas, as hemorragias, as infecções e os abortamentos, nessa ordem, são os principais motivos das mortes.
Proporcionalmente, a taxa do DF gira em torno de 50,4 mortes por 100 mil bebês nascidos vivos. A situação é ainda mais preocupante porque, nos últimos anos, o governo local não tem conseguido reduzir os índices. Por conta disso, especialistas afirmam que é praticamente impossível que a capital do país atinja a meta acordada pelo Brasil com a Rede de Intercâmbio e Difusão de Experiências Exitosas para Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Um desses objetivos é reduzir em 75% a taxa de mortalidade materna de 1990 (leia Para saber mais).
Para ficar dentro da meta pactuada, o DF precisará chegar a 2015 com 30 mortes por 100 mil nascidos vivos (número proporcional), tarefa considerada impossível pelo médico obstetra da Secretaria de Saúde do DF Avelar de Holanda Barbosa. “O problema é que, nos últimos seis anos, as nossas taxas estão estáveis e altas. Para termos sucesso, ela deveria estar caindo desde 2000”, ressalta.
Segundo Barbosa, diferentemente da mortalidade infantil – em que apenas o incentivo ao aleitamento materno provoca melhoria nas estatísticas -, a curva da mortalidade materna demora a cair. “Quase 98% das mortes são evitáveis. Mas o sistema de saúde precisa melhorar como um todo, e isso não aconteceu nos últimos anos. Não estou falando de mais dinheiro. O que precisamos é de bons gestores de saúde.” Na opinião do obstetra, o Brasil e Brasília deveriam ter índices muito superiores. Segundo ele, Argentina, Chile e Cuba estão em condições bem melhores.
Pré-natal
Um dos caminhos para reduzir a mortalidade é a melhoria da qualidade do pré-natal. No Brasil – assim como no DF -, o número de consultas durante a gestação aumentou mas, segundo os especialistas, o atendimento não é de qualidade ou não é integrado com as maternidades. Avelar cita pelo menos dois problemas detectados na rede há poucos dias: faltou material para fazer a tipagem sanguínea e reagentes para testes de sífilis. “São duas coisas importantíssimas para a saúde da mãe e do bebê. Aliado a isso, você pega um doutor despreparado, que nem toca na mulher, não descobre patologias que podem ser tratadas e aí está dada a receita para o desastre.”
A auxiliar de serviços gerais Ana Dias dos Santos, 26, está no oitavo mês da terceira gestação. O primeiro filho nasceu vivo, mas morreu logo em seguida porque, segundo os médicos, respirou líquido da placenta. Um tempo depois, ela engravidou novamente e sofreu aborto ao completar um mês de gestação. Por conta do histórico, Ana foi incluída no pré-natal de alto risco. Dessa vez, está tudo bem com ela e o bebê, que vai se chamar Cauã. Sobre a rotina de consultas, Ana diz que muitos médicos fazem exames superficiais. “Se você não chegar falando tudo, eles não perguntam nada. Quando você fala demais, perdem a paciência. Acho que deviam ser mais atenciosos.”
Estatísticas pouco confiáveis
O Brasil enfrenta dois grandes problemas para reduzir as taxas de mortalidade materna. Segundo especialistas, as informações sobre o número de mulheres que perdem a vida durante a gestação ou em até 42 semanas após o parto são pouco confiáveis. Assim como em algumas regiões, as causas que levaram à morte ainda são pouco investigadas, o que, consequentemente, dificulta o desenvolvimento de políticas que reduzam as ocorrências.
A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz, Maria do Carmo Leal, cita o Norte, o Nordeste e o Mato Grosso como regiões onde as estatísticas ainda são deficitárias. “No Brasil, usamos um estimador de erro de 40%, que está desatualizado e foi feito para ser aplicado somente sobre os dados das capitais. É preciso um estudo urgente sobre o tamanho da mortalidade materna no país”, defende.
Ela afirma que dificilmente o Brasil conseguirá atingir a meta de 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos. “Em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, que conhecemos bem os casos, a mortalidade tem relutado em cair”, ressalta. Na avaliação dela, isso ocorre porque o pré-natal está identificando menos do que deveria as mulheres de risco para complicação ou gravidez terminada em morte. A médica defende que, além de melhorar a qualidade do pré-natal, os médicos precisam acompanhar as pacientes até o momento do parto.
Apesar da descrença de especialistas no sucesso em reduzir a mortalidade materna, o assessor especial do Ministério da Saúde Adson França acredita na possibilidade de o Brasil alcançar a meta. De 1990 a 2007, a Razão da Mortalidade Materna (RMM) foi reduzida de 140 para 75 óbitos por 100 mil nascidos vivos – o que representa quase 50% a menos. Para cumprir uma das submetas do quinto Objetivo do Milênio – Melhorar a Maternidade Materna – o Brasil deverá apresentar resultados iguais ou inferiores a 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2015, o que corresponde a uma redução de três quartos em relação ao valor estimado em 1990.
França destaca que, tão importante quanto cumprir a meta é reconhecer a melhoria na qualidade do atendimento à mulher. “O número de consultas de pré-natal, por exemplo, atingiu 19,4 milhões em 2009 – aumento de 126,2% em relação a 2003, quando foram registradas 8,6 milhões”, diz. Em 1990, a média da quantidade de consultas pré-natal em mulheres durante a gravidez era de 2,2, enquanto que, em 2006, chegou a 7,4. (AB)
Para saber mais
ONU criou oito metas
Os objetivos de Desenvolvimento do Milênio são oito metas assumidas por 191 países-membros das Nações Unidas. A intenção é melhorar os indicadores sociais, ambientais e econômicos. Quando o Brasil passou a integrar a Rede de Intercâmbio e Difusão de Experiências Exitosas para Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (IDEEA-ODM), assumiu o compromisso de reduzir a mortalidade materna em 75% da taxa de 1990 – 124 mortes por 100 mil nascidos vivos. Como havia subnotificação dos casos, acordou-se que, sobre os dados apurados, seria aplicado um percentual de 40% de correção.
São oito as metas do milênio: acabar com a fome e a miséria; garantir o ensino fundamental de qualidade para todos; promover a igualdade entre os sexos e a valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater a aids, a malária e outras doenças; promover a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente; ter todo o mundo trabalhando pelo desenvolvimento. (AB)
Fonte: Correio Braziliense