Trabalhadores na fila da agonia

Correio Braziliense – 16/11/2011

Falta de peritos aumenta o drama de quem precisa se afastar do serviço e depende do INSS para sobreviver

É cada vez maior o drama de quem precisa se ausentar do trabalho para tratamento de saúde e depende da Previdência para sobreviver. Marcar uma perícia médica nas agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está mais difícil do que agendar uma consulta com um renomado médico particular. O tempo médio de espera chega a 36 dias no Distrito Federal, a 80 em Porto Alegre e a inacreditáveis 98 em Curitiba. Culpa de um quadro de peritos insuficiente para atender à demanda em um prazo razoável — de duas semanas, no máximo. A consequência não poderia ser outra: reclamações e mais reclamações dos segurados, que têm dificuldade até para comprar comida e remédios enquanto esperam que o INSS reconheça a incapacidade temporária para o trabalho. Sem a perícia, o órgão não libera os benefícios de auxílio-doença ou auxílio-acidente.
A legislação estabelece que os primeiros 15 dias de afastamento devem ser bancados pela empresa em que o segurado trabalha. A partir do 16º dia, se não tiver condições de retomar as suas funções, o trabalhador precisa requerer o benefício — calculado com base na média dos últimos salários de contribuiçao — ao
INSS, que, depois desta data, é responsável pelo pagamento. É aí que começa o problema.

O vigilante José Mancio de Farias, 41 anos, tem esquizofrenia e está afastado do emprego há dois meses. Desde então, só recebeu salário referente aos 15 dias pagos pela empresa. “A perícia demora muito. Dei entrada ainda em setembro e só consegui consulta para novembro”, lamenta. Ele tem se desdobrado para pagar as despesas e o tratamento médico. “Se eu não ganho dinheiro, não consigo nem comprar remédios. Sem falar das contas, que estão vencidas”, queixa-se. “O INSS diz que pagará os atrasados, mas de todo jeito sairei no prejuízo, porque os juros que vou pagar são muito altos.”

Farias explica que não tem condições de trabalhar. “Fui assaltado duas vezes e os ladrões me machucaram. Depois disso, comecei a ter visões e síndrome do pânico”, relata. “Minha filha chora todos os dias e fala que quer seu pai de volta. Além de todos os transtornos que tenho com esse problema, com a família e com amigos, ainda preciso me preocupar com a falta de dinheiro”, desabafa.

Situação semelhante vive o jardineiro Flávio Xavier, 40 anos. Após acidente de trabalho, ele sofreu cirurgia e está afastado desde agosto, sem receber o benefício do INSS. “Haviam marcado minha perícia para 6 de outubro. Cheguei à agência e me informaram que fui recolocado para 9 de novembro. Estou sem salário e tenho de me deslocar para não ser atendido. É um absurdo.” Em sua casa, luz e telefone foram cortados. “Não tenho dinheiro para pagar as contas. Moro com a minha mãe, que ganha salário mínimo e não pode suprir nossas necessidades. Só meu remédio é mais de R$ 100, tive de pegar empréstimo”, reclama.

Caos

A perícia é exigida pelo INSS para comprovar a incapacidade, que já foi inicialmente atestada pelo médico particular ou de um plano de saúde consultado pelo trabalhador. Pela lei, o segurado tem o direito garantido a partir da data em que marca a perícia pela central telefônica 135 ou pela internet. O gerente executivo do INSS no Distrito Federal, Antônio Queiroz Galvão, garante que o órgão faz o pagamento retroativo, com juros e correção, porque o segurado não pode ser penalizado pela demora.

Segundo o INSS, as perícias são marcadas de acordo com a disponibilidade de vagas nos postos da Previdência. Só que a falta de médicos torna tudo mais difícil. Na Região Sul, para tentar amenizar a situação, que já beira o caos, o INSS está remanejando médicos peritos de outras localidades, além de prever, para os próximos meses, um concurso para a contratação de mais profissionais.

O presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, Geilson Gomes de Oliveira, avalia, no entanto, que as medidas surtirão pouco efeito. “O INSS pode abrir quantas vagas quiser no Sul que elas dificilmente serão preenchidas”, afirmou. Segundo Oliveira, a culpa é do salário pouco competitivo na região. “O mercado paga mais”, assegura.

Descaso

O vigilante Marcos Rogério da Rocha, 41 anos, fraturou a coluna há quatro meses e já fez três perícias. “O órgão não me deu tempo suficiente de tratamento e tive de voltar. Só que a demora para marcar é imensa e acabo ficando sem o benefício”, diz. “No meu caso, posso ter de usar a força física no trabalho, mas não tenho condições. Os peritos não enxergam isso.” Para ele, é uma demonstração de descaso com o brasileiro. “Contribuo com a Previdência Social há 14 anos e recebo desrespeito em troca”, reclama.

O casal de vendedores Hugo Leonardo Nunes Gomes e Nadjara Leila Cardoso, ambos de 31 anos, também sofre com o atraso do INSS. “Ela perdeu nosso neném, fez cesariana de urgência e teve de ficar parada em setembro. Ficamos um mês sem dinheiro porque não conseguíamos agendar a perícia em tempo hábil”, conta Gomes. “Perdemos o desconto de pontualidade da escola da filha, e vamos ter de pagar os juros de contas atrasadas. É um absurdo. Não sei quando vamos receber”, lamenta.

Enquanto não consegue aumentar o número de funcionários, a Previdência tenta melhorar o aproveitamento do quadro de que dispõe. Recentemente, o INSS obteve na Justiça a garantia de que é legal uma norma que cobra dos médicos peritos o cumprimento de metas de produtividade, mas vinha sendo questionada pelos servidores da casa. Um memorando interno do órgão estabelece que os médicos devem realizar diariamente de 12 a 24 perícias, conforme a carga horária de 20 ou 40 horas semanais. A Advocacia-Geral da União convenceu a Justiça de que o INSS detém o poder discricionário, hierárquico e regulamentar de fixar parâmetros de gestão e controle para a realização das perícias.

Sob tensão

O advogado previdenciarista Sérgio Martins Pimenta pondera que os médicos “trabalham sob extrema tensão e, por serem poucos, têm uma sobrecarga muito grande de trabalho”. Para ele, o INSS deveria cuidar melhor da integridade dos profissionais, que chegam a ser ameaçados por segurados que, mesmo podendo
voltar ao trabalho, não querem perder os benefícios. A Previdência adotou medidas de segurança depois de alguns casos de assassinato. “Mas há lugares onde elas não foram implantadas ou não estão sendo cumpridas”, observa.