Tragédia da Vale é maior que todos os acidentes de mineração do mundo
Por Heleno Corrêa Filho
No acidente da mina de carvão do estado americano de Virgínia Oeste (West Virgínia) morreram 203 Pessoas. Esse grande acidente é, supostamente, a origem da data do dia 28 de abril ter sido designado depois, nos Estados Unidos da América e no Canadá, como o dia de velar os mortos no trabalho defendendo a vida dos trabalhadores (Mourn the dead to defend workers lives).
Os mineiros morreram na mina de carvão localizada no Distrito de Eccles do Condado (município) de Raleigh. O mesmo grande acidente de 1914 aparece em outra fonte com a lista dos nomes dos trabalhadores mortos. Em uma lista de acidentes com trabalhadores de mineração apenas no estado de Virgínia (West Virgínia) contabilizada de 1883 até 2010, e revisada pela última vez em 2016, apenas um outro evento com mortes no trabalho assassinou tantos trabalhadores.
A explosão em 1907 da mina de carvão de Monongah da mineradora Fairmont Coal Co 6&8 matou 361 trabalhadores. A lista se refere “apenas” aos acidentes com mineração daquele estado americano.
Em 130 anos morreram nas minas de Virgínia o que os carabineiros chilenos mataram, em um só dia de 1907 na cidade de Iquique, pela greve dos trabalhadores do salitre na pampa Chilena.
É possível encontrar referências a grandes desastres humanos com mortes de até vinte mil pessoas, na China, no ano de 1626, quando a explosão de fábricas de pólvora consumiu grande parte da cidade de Pequim (Wanggongchang) passando a ser o maior acidente ampliado com mortes decorrentes do trabalho registrado no mundo, a maior parte deles relacionados com a fabricação de munição e fogos de artifício.
O Brasil tem o registro em 1926 da morte de 625 pessoas em consequência à explosão de um depósito de dinamite, também relacionado com a mineração .
Os norte-americanos têm se dedicado a contabilizar seus trabalhadores mortos na mineração segundo o tipo de trabalho, a localização geográfica em cada um dos estados, do Alabama ao Wyoming, desde 1839. A Associação [Norte americana] de Resgate em Minas publica relação permanente daquilo que lá eles chamam de casos fatais, onde a palavra fatalidade não é vista como inexorável e impossível de evitar, como é compreendido erradamente pela semântica linguística encontrada no Português brasileiro. Para eles fatalidade é simplesmente a morte.
Nos EUA, o dia 28 de abril foi instituído o dia da Memória dos Trabalhadores Mortos (Memorial Day), lembrando que na tradição norte-americana a palavra Memorial é associada com a reunião dos amigos após o funeral. Uma das fontes relata que os sindicalistas da AFL-CIO tiveram, no ano de 1970, a lembrança de dedicar um dia à lembrança dos trabalhadores mortos ao ver um cortejo que homenageava um bombeiro morto no trabalho. Esse ato de inauguração aconteceu com o lançamento da legislação americana sobre Saúde e Segurança no Trabalho (Occupational Safety and Health Act – OSHA).
O Canadá lançou em 1984, atendendo à solicitação do Sindicato de Empregados Públicos Canadenses (CUPE), a lei que criou o Comitê Nacional de Previdência e Segurança no Trabalho em que foi incluído o Dia Nacional da Lembrança dos Mortos no Trabalho. A OIT – Organização do Trabalho – posteriormente decretou o dia mundial de lembrança dos mortos no trabalho em 2001.
A tragédia do soterramento das instalações administrativas da Mineração do Rio do Feijão, pertencente à empresa brasileira desnacionalizada e privatizada que se chamou Vale do Rio Doce é superior em número a todas as tragédias de mineração com as MORTES NÃO ACIDENTAIS de Trabalhadores registradas na história.
Na sombra do desabamento da represa estavam construídas as instalações administrativas, restaurante dos trabalhadores, pátios de manutenção, trilhos de alimentação ferroviária, e vias de acesso todas abaixo do nível de contenção da represa que desmoronou, com o “desaparecimento” de mais de 300 pessoas oficialmente contabilizadas pela empresa. Nessa contabilidade não entram os moradores de pequenas propriedades rurais ao longo do riacho soterrado pelos rejeitos de lama tóxica da mineração de ferro. Os trabalhadores, engenheiros, médica do trabalho, vendedores, prestadores de serviço, todos morreram no horário em que estavam reunidos para o almoço no ambiente de trabalho.
No dia 28 de abril de 1967, nos EUA, o pugilista campeão olímpico Muhammad Ali (nascido Cassius Marcellus Clay) recusou-se a ser alistado compulsoriamente para ser enviado como conscrito militar em luta na guerra do Vietnam. Foi sentenciado a multa milionária e cinco anos de cadeia. Reparem seu sobrenome de nascimento no Kentucky – “barro” ou “lama”. Foi um homem que sabia suas origens e dizia que aceitaria de imediato lutar para libertar seus irmãos negros do racismo no Kentucky e não via motivos para matar Vietcongues a mais de mil quilômetros de distância.
Os causadores das mortes de trabalhadores rurais de pequenas propriedades além dos operários da mineração jamais serão processados, multados e presos em Brumadinho – Minas Gerais. Ao contrário. Espionam, sabotam e subornam para que nada aconteça com longos processos judiciais.
No Brasil de 2019, seguindo a tradição de implantação de todos os regimes autoritários, os governos dos outros países como a Venezuela são chamados de ditatoriais. Isso permite dizer que no Brasil, nos futuros dias 28 de abril, não será mais possível contabilizar mortos no trabalho pela extinção do Ministério do Trabalho e pela emissão do Decreto Presidencial que ampliou a lista de pessoas que terão poder de decretar a classificação de documentos secretos por até cinquenta anos.
Como acabarão as fontes brasileiras das estatísticas, serão cortados os recursos do orçamento para evitar mortes no trabalho, e os números poderão ser decretados como secretos, no Brasil de 2019 pode-se dizer que toda corrupção acabou – por decreto.
Ninguém mais morrerá trabalhando, e seremos todos felizes para sempre. Enquanto isso a contabilidade de mortos sobe de 60 em direção a mais de 300 em Brumadinho – MG. Os acionistas da VALE esperam seus dividendos. É muito difícil ser patrão no Brasil. Eles darão um jeito nisso logo, logo.
* Heleno Corrêa Filho é médico sanitarista-epidemiologista e professor da UNICAMP.