Um novo modelo
O Globo – 04/06/2012
O Brasil, que em 1992 promoveu o mais importante encontro mundial de cúpula sobre meio ambiente, e agora, duas décadas depois, voltará a reunir autoridades de todo o mundo para fazer um balanço das diretrizes da Rio 92 e rediscutir o futuro ecológico do mundo, convive com um nocivo anacronismo, que vai de encontro às preocupações com a saúde do planeta. Banido em 66 países, por cancerígeno, e vilão de doenças respiratórias graves, objeto de ações na Justiça, aqui e em outras nações, o amianto ainda movimenta uma indústria poderosa.
Usado na fabricação de telhas e, por suas propriedades de isolante térmico, o asbesto foi condenado em 1977 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas por aqui continua a produzir vítimas de doenças como mesotelioma (um tipo de câncer de pleura, de alta letalidade, que, em 80% dos casos, provoca a morte do paciente no primeiro ano desde o diagnóstico) e asbestose (uma fibrose pulmonar que paulatinamente reduz a capacidade respiratória da vítima).
Mesmo nos países onde o emprego do mineral na produção de fibrocimento já foi proibido ainda é visível – e assustador – o estrago feito. Na França, que em 1997 o aboliu como matéria-prima de telhas e revestimentos, estima-se que até 2025 cerca de 100 mil pessoas terão morrido devido ao contato com o amianto. Isto porque há doenças, dele decorrentes, que só se manifestam 30 anos depois da exposição à fibra, caso do mesotelioma (que, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz, atingiu quase 4 mil brasileiros entre 1980 e 2010). Em toda a Europa Ocidental, prevê-se que o número de óbitos até 2029 chegue a 250 mil. A Alemanha considera o mesotelioma e a asbestose doenças ocupacionais desde a década de 30. Nos Estados Unidos, estudos revelaram uma alta de 14% na incidência de câncer entre bombeiros, policiais e voluntários que trabalharam nos escombros do World Trade Center, após os atentados de 11 de setembro. Constatou-se, no caso, que eles estiveram diretamente expostos a nuvens das fibras de revestimento das duas torres.
Disso resulta uma enxurrada de ações na Justiça de países europeus. Na Itália, dois dirigentes do grupo suíço Eternit foram condenados em fevereiro a 16 anos de prisão pela morte de três mil pessoas, o que motivou grupos de ativistas e vítimas do continente, em luta por indenizações, a entrar com novas ações por reparação de danos à saúde.
No Brasil, o Judiciário tem se mostrado receptivo a processos desta natureza. Somente num caso, no Rio de Janeiro, a Justiça mandou pagar, no mês retrasado, uma indenização de quase R$ 1,5 milhão à família de uma mulher que morreu de asbestose em 2000; em São Paulo, tramitam mais de 300 ações individuais contra a Eternit.
Embora de uso liberado no país, o amianto pode estar com os dias contados. Está para ser julgada no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade proposta por procuradores e magistrados do Trabalho contra a Lei 9.055/95, que permite o uso controlado da fibra. A par disso, alguns estados já proíbem o uso da substância. São iniciativas que visam a levar a indústria a empregar material alternativo, respeitados, obviamente, prazos para a que as empresas se ajustem aos novos tempos.
Pode-se argumentar que a substituição de matéria-prima implicará gastos, o que é correto, mas este entendimento não leva em conta os prejuízos à economia, muito maiores ainda que indiretos, decorrentes das indenizações e do tratamento das vítimas do amianto. Trata-se, enfim, de ajustar o país a um novo modelo que não implique ameaças às pessoas.