Um pacto pela saúde
Sylvain Levy*
Pacto é um acordo entre contrários, não necessariamente amigos. É quando cada um divide seus poderes com os demais participantes do pacto e conformam um acordo.
A saúde, mais propriamente o SUS, e a população se beneficiariam com um pacto entre as entidades que gerenciam os níveis de poder em que se estrutura o sistema. Pode ser considerado que o poder se manifesta sob algumas dimensões: força, ética/moral, recursos (dinheiro), espiritual, ideologia e afeto.
Como o setor saúde já compartilha os poderes ideológicos, éticos/morais e afetivos entre seus integrantes, e que os de força e espirituais não se aplicam ao SUS, um pacto para o SUS deve se alicerçar, além das leis e preceitos, em torno do compartilhamento dos recursos financeiros para fazer face aos dispêndios com recursos humanos (pessoal), físicos e materiais (investimentos em unidades de saúde e equipamentos) e funcionais (operação da rede de assistência á saúde).
Ficando definido e acordado que cada esfera de governo é responsável por um dos componentes da despesa – recursos humanos, físicos e funcionais, é possível fixar objetivos e metas a serem cumpridas ao longo de determinados tempo e abrangência geográfica, de forma que a implementação do Pacto se torne sustentável e com manejo de todo o processo de transição do modelo atual – discriminado apenas sob a ótica orçamentária, para o novo – sistematizado e discriminado politica e estrategicamente.
Ao governo federal competiria criar uma carreira de estado para os trabalhadores do SUS, implementá-la e mantê-la. Atualmente estão registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde 1.811.092 pessoas como trabalhadores vinculados ao SUS, como profissionais de nível superior (566 mil), técnicos e auxiliares (538 mil), administrativos (180 mil) e de nível elementar (347 mil). Considerando-se uma média salarial mensal de R$ 5 mil reais para o conjunto dos estratos profissionais, esta carreira de saúde custaria ao SUS (isto é, ao estado) cerca de R$ 120 bilhões anuais.
Dados coletados junto ao SIOPS – Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios colocaram em seus orçamentos, para 2012, em torno de R$ 53 bilhões para as despesas com pessoal. Responsabilizando-se por essa despesa, o governo federal liberaria mais de R$ 50 bilhões, dos quais R$ 38 bilhões apenas dos municípios, para que esses assumissem diretamente os gastos com a operação e manutenção da rede de assistência/atenção à saúde.
Aos estados, que já aplicam cerca de R$ 68 bilhões no setor saúde, ficariam as responsabilidades pela construção, reforma, instalação, equipamento e reaparelhamento das unidades de saúde em sua área geográfica.
Assim ao governo federal, além dos custos com os programas federais – vigilância em saúde e insumos estratégicos, entre outros, competiriam os gastos com recursos humanos; aos estados os investimentos com recursos físicos e materiais e aos municípios aquelas despesas com os recursos funcionais e operacionais diretamente relacionados com a assistência e atenção á saúde.
Juntos estes três entes previram em seus orçamentos com saúde, em 2012, gastos de aproximadamente R$ 200 bilhões. Esse orçamento poderia ainda ser incrementado se fosse cumprido o artigo 55 dos Atos das Disposições Transitórias da Constituição, que assegura ao setor saúde 30% do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, o que significaria para este ano de 2013, um orçamento de R$ 190 bilhões para o Ministério da Saúde, quase R$ 100 bilhões a mais que os R$ 92 bilhões destinados pela Lei Orçamentária de 2013.
Outros incrementos ao orçamento do setor saúde poderiam vir da aprovação do Projeto de Lei que destina um mínimo de 10% da receita corrente bruta ao setor (só para 2013 representaria mais R$ 34 bilhões para a saúde) e, também, do retorno ao setor saúde dos recursos dele drenados por conta da legislação tributária que agrega aos cofres da Receita Federal, a cada ano, mais de 12 bilhões de reais em função de renúncias tributárias, do ressarcimento das despesas médico-hospitalares dos contribuintes e dos subsídios diretos (isenção fiscal) e indiretos.
Esse Pacto viria a substituir a forma atual de destinação pulverizadora dos recursos financeiros, que dificulta a administração do sistema em todos os níveis e em todas as esferas de gerenciamento, por outra mais organizada e sistematizada, com maior transparência e clara definição de responsabilidades, além de dotar o SUS de uma carreira de estado, objeto de desejo das comunidades e dos profissionais de saúde.
* – Médico Sanitarista e Psicanalista