Uma nova sociedade
Correio Braziliense – 03/03/2012
Reconhecimento da Justiça para emissão de Certidão de Nascimento de criança com dois pais do mesmo sexo reforça as transformações das famílias. Casal que registrou a menina gerada após fertilização in vitro se espanta com a repercussão do caso
Recife — Um novo rosto vem sendo desenhado para a sociedade brasileira. Nele, já não restam mais espaços para discursos de intolerância homoafetiva. Os últimos entendimentos no campo jurídico sobre o assunto são o pano de fundo desse cenário, que inclui cirurgias de troca de sexo pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Provavelmente, também se multiplicarão os casos de casais de mesmo sexo a terem filhos por meio da fertilização in vitro, como aconteceu com os empresários Maílton Alves Albuquerque, 35 anos, e Wilson Alves Albuquerque, 40, pais de Maria Tereza, que completou um mês na última quarta-feira.
Um dia após a divulgação do caso, eles ficaram surpresos com a dimensão alcançada, na imprensa e nas redes sociais, da notícia de serem os dois primeiros homens no Brasil a registrar uma criança como filho adotivo. “Imaginava que nossa história chamaria a atenção, mas não dessa forma”, admitiu Maílton. A decisão da Justiça permitindo aos empresários registrar a menina Maria Tereza foi publicada na edição de ontem do Correio. “Tínhamos decidido e vamos continuar trabalhando com a verdade. No momento certo, Maria Tereza saberá da maneira como foi gerada. Não esconderemos nada”, completou Wilson.
A felicidade de Maílton e Wilton não se restringe ao casal. Maria José Albuquerque, 76 anos, nasceu em Gravatá, no Agreste pernambucano, em uma época em que as relações homoafetivas eram vistas como sinônimo de doença. Mas a senhora sorridente e de bem com a vida hoje comemora a chegada de mais uma neta, depois de trocar as fraldas de outras seis, todas meninas. A mãe de Wilson e avó de Maria Tereza aposta na realização da nova família que se formou. Tem certeza de que o filho e o companheiro, juntos há 15 anos, vão ser os melhores pais do mundo, mesmo que da forma menos convencional.
“A vida é de cada um e tem que ser vivida, bem vivida. Não é porque os outros falam de nosso comportamento que a gente tem que se trancar, deixar de ser nós mesmos. Temos que ser felizes. Como vou discordar de algo planejado e desejado por pais que são estruturados e rodeados de carinho?”, explicou a avó. Para dona Maria, a relação de 15 anos do filho já estava na hora de dar frutos. “Eles viajaram muito. É hora de amadurecer”, completou.
Garantias
A conquista de Maílton e Wilson surge em meio a uma onda de garantias conquistadas por casais homoafetivos, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros na Justiça ao longo dos últimos anos (veja cronologia). “O Judiciário, em vista da demanda, pela primeira vez ratificou o pedido do casal do mesmo sexo. Para acadêmicos e juristas, no entanto, essa discussão é antiga”, diz Maria Rita de Holanda, presidente da Comissão de Apoio à Diversidade Sexual e Combate à Homofobia e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Já a psicóloga Suzana Schettini afirma que famílias homoafetivas ainda são formações estranhas aos olhos de parte da sociedade, mas que essa realidade tende a mudar. “O jovem de hoje tem uma visão diferente do homossexual. Hoje, por exemplo, já se sabe que não é uma escolha, é um estado de ser, uma pessoa que tem o direito de exercer a afetividade e a família como as outras”, defende.
Para a socióloga Mariana Azevedo, da ONG Papai, a partir de agora, o casos de servir para novas discussões, como lutar por uma licença maternidade maior para os pais. “O casal de homens que teve seu primeiro filho por fertilização in vitro fortalece nossa campanha pelo aumento de tempo do pai junto ao bebê, que hoje é de apenas cinco dias”, observa.