Uma questão de saúde pública
Por Hildoberto Carneio de Oliveira*
As duas mais recentes campanhas de saúde, contra dengue e rubéola são tão bem-vindas quanto necessárias, mas como militante há anos da obstetrícia lamento que o empenho para a erradicação dessas doenças não seja o mesmo para combater a cultura dos partos cesarianos no país.
Realizada há 50 anos no Brasil, essa cirurgia – que está associada a índices de mortalidade e morbidade mais elevados do que no parto normal – surgiu como ferramenta para retirar a mulher de seu sofrimento e acelerar o parto quando vidas estivessem em risco. Mas essa tarefa nobre da medicina obstétrica tem sido banalizada em solo verde-amarelo.
Aqui, o número de gestantes submetidas a cesarianas está três vezes maior do que o preconizado pela Organização Mundial de Saúde (15%). Com isso, o Brasil se destaca por ser um dos países que menos realiza partos normais no mundo. E a tendência é de aumento.
De acordo com o Ministério da Saúde, há um aumento de10% dessa prevalência a cada década, o que pode ser mais bem notado no Sul e no Sudeste devido à taxa de escolaridade das mulheres dessas regiões. A única estratégia para conter os acréscimos é investir na humanização responsável dos partos nas redes pública e privada.
Para isso, é necessário que as mães vivenciem a gestação e o parto como eventos fisiológicos perfeitos que são. Não é à toa que apenas 15% das mulheres adoecem nesse período. Mas o senso comum tem apostado no conforto de agendar o nascimento do bebê e de evitar as dores das contrações – o que
Pode custar caro às saúdes maternas e neonatais. Os motivos são muitos e contrariam o quinto objetivo do milênio da Organização das Nações Unidas ( ONU) – melhorar a saúde das gestantes.
A cesárea eletiva ( sem haver trabalho de parto) propicia um maior número de complicações respiratórias nos recém-nascidos, especialmente quando realizada uma semana antes da data em que se daria o parto normal.
Ela também é a maior responsável por nascimentos de bebês prematuros, tende a aumentar em até 20%as chances de a criança desenvolver diabetes tipo 1 na fase adulta, impede que o organismo da mãe libere hormônios importantes e ainda pode causar dificuldade de interação entre a mulher e seu filho por inviabilizar a amamentação tão importante nos primeiros 30 minutos de vida.
A população precisa se convencer dos benefícios pela espera do momento certo do nascimento. Mas, para isso, médicos e instituições devem entrar em cena. O primeiro passo é investir na formação dos obstetras para que frisem riscos maternos e neonatais às suas pacientes e passem a aconselhá-las, cada vez mais, a optar pelo parto normal sempre que possível.
No âmbito privado da saúde, um problema burocrático influencia comumente a rotina obstétrica. Como a maioria dos planos e seguros não autoriza o pagamento de auxiliares em caso de parto normal, muitos médicos terminam por indicar a cesariana de imediato, temendo que ela seja necessária no momento em que não se possa contar com a presença desse profissional, que é importante membro da equipe médica no momento da cirurgia.
Já na esfera pública, a carência de analgesia para atenuar a dor das gestantes e a falta de estrutura das maternidades (que raramente dispõem de equipamentos como o cardiotocógrafo, usado para monitorar os batimentos cardíacos do bebê) contribuem para o aclive das indicações de cesarianas. E há ainda outro fator que induz à prática: alitigância judicial (respaldo para que incidentes intrapartos não venham a ser discutidos pela ausência da indicação de cesáreas) .
A legitimidade do parto cesariano é indiscutível. Pena que, no Brasil, o mesmo não se possa dizer sobre sua ocorrência.
(*) Hildoberto Carneiro de Oliveira é chefe de serviço da Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, do Rio de Janeiro. Artigo publicado no jornal O Globo, na edição de 19/09/08.