Uma reportagem mobiliza o país
O Globo – 23/03/2012
A reportagem do “Fantástico”, na TV Globo, no último domingo, estarreceu o país. Revelou que ainda falta muito para chegarmos a mínimos padrões de civilização, quando se trata de combater a corrupção e a impunidade.
Avançamos, é fato, e um grande passo foi a Lei da Ficha Limpa, que impede registro de candidaturas de quem foi condenado em tribunal ou órgão colegiado.
Ajuda a moralizar a eleição, mas é pouco. Ainda não fizemos completamente a lição de casa.
A propina, de tão óbvia, já integra o cálculo de custos das empresas, é parte do chamado Custo Brasil, juntamente com a burocracia asfixiante e a péssima infraestrutura física do país, aí incluídos portos, estradas, aeroportos, energia, etc.
A TV Globo mostrou aos brasileiros o odioso método de ação de verdadeiras quadrilhas. Estão ali, frente a frente, o corrupto e o corruptor. No papel de “corrupto”, o jornalista, que, temo, possa ser responsabilizado juntamente com o diretor do hospital, um homem digno, cuja coragem permitiu levantar o véu da corrupção. Todas as exigências formais do bom jornalismo estão presentes ali. A matéria atende às perguntas básicas: o que, quem, quando, onde e por que. Na suíte, ou seja, a matéria do dia seguinte, o administrador do hospital reforçou: “Sei quem roubou e quanto foi roubado, quem pagou e quem recebeu, conheço os endereços deles; só não posso ir buscar o dinheiro de volta.” Fazer com que o dinheiro desviado retorne aos cofres públicos é outro problema. Muitos defendem a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar a situação da Saúde. As CPIs, historicamente, tiveram grande prestígio. Apoiadas no jornalismo investigativo, contabilizaram o impeachment de um presidente da República e a cassação de parlamentares envolvidos em falcatruas no Orçamento da União. Atualmente, perderam o foco e o sentido. Investigam, sim, mas transformadas em instrumentos de barganha política.
Não se sabe, exatamente, o quanto é desviado de dinheiro público, no Brasil. Comumente se estima o total de desvios em um montante que beira absurdos R$ 100 bilhões por ano.
Um valor que supera, em muito, os R$ 92 bilhões previstos no Orçamento de 2012 para a pasta da Saúde. Em contrapartida, o gasto mensal com medicamentos pelo hospital pediátrico do Rio, de acordo com a reportagem, é de apenas R$ 120 mil! Caso fosse concretizada, a fraude desviaria cerca de R$ 1 milhão. É muito, comparado com o salário de um operário, ou mesmo considerando o gasto mensal com remédios naquele hospital. Porém, o que pensar quando nos deparamos com o montante envolvido em privatizações como a da Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo, doada por tostões? Ou em grandes obras de infraestrutura que mobilizam bilhões de reais? A indignação nacional causada pelos fatos demonstrados no “Fantástico” é capaz de mudar a história.
A imprensa assume, no combate à corrupção e à impunidade, papel equivalente ao exercido na luta pela democracia, denunciando os “malfeitos”, tão perversos hoje como antes.