União, Estados e municípios resistem a piso nacional para agentes de saúde
Fábio Brandt e Cristiane Agostine | Valor Econômico
A ação das bancadas do PT e do PMDB, principais aliados do governo Dilma Rousseff, fez com que a Câmara adiasse a votação do projeto de lei que estabelece o piso salarial nacional para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Os partidos obstruíram a votação, na semana passada, por conta de impasse entre o governo e as categorias sobre a origem das verbas que cobririam o piso. O presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), marcou votação para 5 de novembro.
“Agora, vamos ter que negociar de novo”, afirmou o deputado André Moura (PSC-SE), que intermediou as negociações entre agentes e governo. “Vamos tentar acordo na base do governo”, disse o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara. O problema, segundo Chinaglia, é que dentro da base há divergências. “Há quem defenda que os Estados e municípios partilhem [o custo], e há quem seja contra”, explicou.
Sem um piso nacional, o que existe é uma portaria do Ministério da Saúde que determina o repasse do governo federal para os municípios. Atualmente, o valor é de R$ 950, destinado para ajudar no pagamento dos salários de cada agente de saúde. No entanto, parte do dinheiro vai para encargos trabalhistas, materiais de trabalho e uniformes. Segundo o presidente da Federação Nacional dos Agentes de Saúde e Combate às Endemias, José Roberto Prebill, cerca de 60% das prefeituras repassam só o salário mínimo (R$ 678) aos agentes. “O repasse deveria ser usado para os salários”, disse Prebill.
Para os agentes de combate a endemias, que atuam para conter doenças como dengue, não há repasse específico da União para ajudar em seus salários – há uma contribuição trimestral para auxiliar na manutenção do serviço.
Os agentes reivindicam piso nacional de R$ 1.200 para as duas categorias. Mas, segundo André Moura, eles aceitaram negociar um acordo proposto pelo governo para que o piso ficasse sendo o valor repassado pela União às cidades e que os encargos e outros gastos não fossem descontados dessa quantia – esses pagamentos deveriam ficar a cargo dos Estados e municípios numa forma que seria estabelecida em negociação posterior. O trato, afirmou Moura, dizia também que o repasse, hoje de 1,4 salário mínimo (R$ 950) seria aumentado para dois salários mínimos até janeiro de 2015.
A proposta em tramitação preocupa o governo federal sobretudo pela forma como deve se dar o reajuste salarial da categoria. A correção será feita pelo INPC mais o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB mais 13,27%. A partir de 2017, o aumento deverá ser vinculado ao INPC e ao PIB.
Com isso, a despesa da União, prevista para R$ 4,42 bilhões este ano, deve subir para R$ 11,85 bilhões em 2019. Com as regras atuais, esse valor seria de R$ 6,65 bilhões em 2019. A despesa com cada agente de saúde chegaria a R$ 3.358 em 2019, com a proposta em tramitação, mais do que os dobro dos R$ 1.487 projetados pelo governo para esse mesmo ano.
Segundo dados do Ministério do Planejamento, os municípios, que hoje recebem integralmente o valor da União e não gastam nada, terão despesa de R$ 3,02 bilhões em 2019. A proposta gerou críticas de prefeitos e a Confederação Nacional dos Municípios protesta contra a medida. “Nem teve acordo. Fomos ao plenário sabendo do enfrentamento”, disse Moura sobre o insucesso nas negociações.
Outro ponto de desacordo é a inclusão dos agentes de combate a endemias na lei. O acordo não estabelecia que a União passasse a ajudar diretamente nos salários da categoria. Como não há repasse do governo com essa finalidade, a administração federal não quer ter que lidar com mais essa despesa. Os agentes de saúde, por outro lado, não aceitam negociar alternativa que exclua os colegas.
O governo federal preocupa-se também com a criação de cargos na área, já que o projeto prevê o fim da contratação temporária ou terceirizada dos agentes de saúde.
Na sessão da semana passada, os governistas bateram muito na tecla da origem das receitas. O líder do PP, Dudu da Fonte (PE), disse que é preciso ter “responsabilidade” e aprovar projeto que possa ser sancionado por Dilma. Chinaglia chegou a dizer, no plenário, que se a aprovação da medida aumentasse os gastos da União, o texto seria vetado pela presidente.
O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), concordou. Disse que os agentes só não recebem os R$ 950 hoje porque os municípios não passam para eles o valor integral que recebem da União. Nas reuniões em que a proposta foi negociada, segundo relato de outros líderes governistas, Cunha foi um dos que se opuseram à ideia de jogar na mão dos Estados e municípios os encargos e outros custos.
Contra a posição do PT, do PMDB e do PP se manifestaram, além do PSC, de André Moura, os oposicionistas PSDB, PPS e DEM e o PSB – sigla do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que, recentemente, entregou seus cargos no governo federal e se empenha para lançar candidato a presidente em 2014. “Já votamos parcelamento de dívidas para todo tipo de grupo econômico. Como podemos hoje não achar fonte para o salário dos agentes comunitários de saúde?”, disse o líder do PSB, Beto Albuquerque (RS), ao defender a votação.
Em 4 de novembro, um dia antes da votação prevista, a Federação Nacional dos Agentes de Saúde e Combate às Endemias pretende se reunir com líderes governistas para discutir nova proposta. Segundo o presidente da entidade, os agentes aceitam negociar piso de R$ 1.012 para 2014 e R$ 1.093 para 2015, previsto pelo governo federal em sua projeção orçamentária para os próximos anos, e não os R$ 1.292 e R$ 1.570 que prevê o projeto em tramitação. “Não queremos onerar a União. Queremos que o repasse de hoje seja transformado em piso. Mas defendemos que os municípios e os Estados paguem os encargos e os materiais de trabalho”, disse Prebill.
O texto em discussão terá de ser atualizado antes da votação, já que há valores defasados. O projeto é de autoria do então senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA), de 2006, e foi discutido em comissão especial. O substitutivo, do deputado Domingos Dutra (SDD-MA), é o texto que está em debate.