Upas Pra quê?

*Wanderley M. D. Fernandes

A cada eleição surgem propostas para resolver a ineficiência crônica da assistência médica pública no Distrito Federal. Em 2006, a estrela foi o Saúde em Casa. Em 2010 são as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

Que modelo de saúde pública necessitamos e o que se pretende instalar? O desenho da rede de atenção à saúde implantada em Brasília não tem resolutividade, não por falta de prédios e equipamentos. Flagrantemente lhes falta hierarquização e gestão capacitadas.

Temos hospitais com setores de emergência e regionalizados suficientes, inúmeros centros de saúde estrategicamente localizados, mas poucos e ineficientes Programas Saúde da Família (PSFs). Pra que construir UPAs?

Será muito mais econômico e racional recuperar e equipar as instalações existentes e construir PSFs, dotando a todos de profissionais bem remunerados e em números adequados, com tecnologias ajustadas ao porte e ao nível de complexidade, numa rede integrada à logística do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) pré-hospitalar e, de forma hierarquizada, aos hospitais referenciados, sob gestão profissional.

Todo e qualquer atendimento eletivo precisa ter início a partir do Programa Saúde da Família, por definição resolutivo em 80% dos casos. No Sistema Único de Saúde (SUS) atual tornou-se inadministrável a equivocada autoprocura por atendimentos médicos em emergências, por parte da população desnorteada, tornando urgente todo adoecer.

Nessa volumosa e desorganizada condição de trabalho, a condução dos quadros clínicos tende a ser pautada mais no aspecto sintomático do que no diagnóstico das doenças. Consequência? Agudizações e agravamentos das condições clínicas cronificadas. O SUS é campeão de amputações em diabéticos: 40 mil por ano, doença passível de controle pelas Unidades Básicas de Saúde!

O que se necessita urgentemente é do aumento da extensão de cobertura do Programa Saúde da Família, hoje abrangendo apenas 11% das residências brasilienses, não de UPAs. Não cabe mais prescindir da integralidade, por parte dos profissionais da saúde, sobre sua territorialidade sanitária, transversalizando todas as instâncias operacionais, garantido inalienavelmente o acolhimento humanizado e a universalidade, de forma equitativa, do SUS a todos os brasilienses.

As UPAs não devem ser concebidas como unidades assistenciais autônomas e resolutivas para os atendimentos médicos emergenciais. Equivocadamente, a construção das UPAs, além do gasto absurdo de dinheiro, institucionalizará definitivamente a atual perniciosa autoprocura por atendimentos médicos artificialmente urgentes, sem complementaridade funcional distributiva à rede local e regional de atenção integral à saúde das comunidades, engrossando a fila das necessidades de vagas para UTIs. Estima-se a necessidade de três vagas/dia para cada UPA construída. Imaginemos essa pressão dentro do número de vagas de UTIs públicas hoje disponíveis?

A resolutividade do sistema de saúde pública aqui no Distrito Federal passa necessariamente pela imprescindível profissionalização da gestão, gerenciando de forma hierarquizada e funcional complementar as unidades hospitalares já existentes supridas e equipadas, boa parte delas atualmente instituições de ensino integrando assistência, docência e pesquisa, os centros de saúde com funcionamemto especializado eventualmente por mais de 12 horas, e a prioritária e urgentíssima expansão da cobertura dos PSFs a 100% das residências, com uma equipe multidisciplinar para 400 famílias.

Urge que essa rede já existente de atenção à saúde instalada em Brasília alcance um nível ótimo de eficiência, que garanta proteção adequada aos riscos epidemiológicos, que tenha como índice de qualidade acolhimentos humanizados em todas as unidades, privilegiando o diagnóstico e não o tratamento.

A redução do fluxo às emergências ocorrerá quando se disponibilizar promoção, prevenção, assistência e reabilitação em unidades básicas com PSFs sob territorialização sanitária nas comunidades, resolutivas e integradas a ambulatórios especializados, demográficos e descentralizados referenciados a hospitais hieraquizados por níveis de complexidade, inseridos numa rede planejada e informatizada, em que sejam indissociáveis a gestão profissional estruturada, a atenção matricial e integral, e a universalidade funcional, pressupostos sociais do SUS desde 1988. Volta-se, portanto, à pergunta inicial: construir unidades de Pronto Atendimento, pra quê?

* Cirurgião, docente de medicina na Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) Correio Braziliense (06/10/2010)