Versões conflitantes
Correio Braziliense – 29/02/2012
Vice e autoridades cubanas revelam que a cirurgia de Hugo Chávez foi um sucesso. No entanto, mensagens divulgadas pelo site WikiLeaks apontam disseminação do câncer para a medula e a coluna do presidente. Médicos teriam citado sobrevida de dois a três anos
Após três dias de silêncio absoluto, os governos da Venezuela e de Cuba confirmaram, na tarde de ontem, que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi operado, em Havana, de uma nova “lesão” e “passa bem”. “Realizou-se a extração total da lesão pélvica diagnosticada, extirpando-se ainda o tecido que circunda a mesma. Não houve complicações relacionadas a órgãos locais. O pós-operatório imediato tem sido estável, clinicamente sem complicações sistêmicas”, afirma um comunicado divulgado pelo vice-presidente Elías Jaua em cadeia nacional de rádio e tevê, sob as ordens de seu superior. A emissora cubana Noticiero Nacional de Televisión acrescentou que a cirurgia ocorreu anteontem, no Centro de Pesquisas Médicas-Cirúrgicas (Cimeq) — o mais moderno hospital da ilha caribenha, onde o ex-líder Fidel Castro foi operado de uma hemorragia no intestino, em 2006. Antes da intervenção, os oncologistas cubanos, assessorados por um brasileiro e em contato com uma equipe russa, fizeram uma laparotomia no chefe de Estado.
O comunicado de Jaua sobre a extração do tumor contrasta com informações alarmantes relacionadas à saúde do mandatário. O site WikiLeaks divulgou mensagens de e-mail da empresa de inteligência Stratfor, segundo as quais o estado de Chávez é “muito grave”. “O tumor começou a crescer de forma anormal perto da próstata, e logo se estendeu ao cólon, o que provocou uma grande confusão sobre o tratamento que ele teria de levar… Se de câncer de próstata, de câncer de cólon ou quimioterapia”, afirma um informe datado de 5 de dezembro de 2011, assinado por Reva Bhalla, diretora de Análise da Stratfor, e enviado a George Friedman, um dos fundadores da Stratfor. “Uma fonte médica confiável explicou que o câncer se espalhou para os gânglios linfáticos e a medula óssea até a coluna vertebral. É muito grave”, acrescenta o texto, que cita uma sobrevida para Chávez de dois a três anos.
Segundo a correspondência eletrônica, médicos russos que trataram o primeiro abcesso pélvico no presidente, em junho de 2011, se queixaram da falta de disponibilidade do paciente para o tratamento. “Ele não escuta seus médicos e interrompe o tratamento ao realizar alguma aparição pública”, teriam reclamado oncologistas citados no e-mail. Os russos também denunciaram a falta de equipamentos apropriados para tratar Chávez e acusaram os cubanos de erro na primeira cirurgia, em junho de 2011.
O venezuelano Marquina, médico intensivista e broncologista radicado em Naples (Flórida), garante ter mantido contato com colegas em Caracas que ajudaram a cuidar de Chávez. Consultado pelo Correio, por telefone, ele demonstrou ceticismo com os resultados da segunda cirurgia do mandatário. “Após a primeira cirurgia, os especialistas afirmaram que haviam removido o tumor por completo. Quatro meses depois, houve reincidência da doença, mesmo após uma quimioterapia muito forte”, lembra. “Em fevereiro, apareceu a lesão de 2cm de diâmetro, o que significa que o tumor duplicou de tamanho a cada 17 dias”, acrescenta.
Agressivo
José Rafael Marquina admite que a saúde de Chávez é tratada de modo hermético pelas autoridades venezuelanas. “O que se sabe é que o tumor começou na bexiga e invadiu a próstata, as vias urinárias e o músculo Psoas (na pélvis, situado na parede posterior do abdome)”, admite. O rápido avanço do câncer teria uma explicação: segundo o venezuelano, o tratamento à base de esteroides provocou uma queda na produção de linfócitos T, as células de defesa que agem na proteção contra o tumor. Marquina considera a intervenção de anteontem “totalmente desnecessária e inútil”.
Em outra nota divulgada pela Presidência da Venezuela, “Chávez ratifica seu chamado a todos os homens e mulheres a manterem o trabalho e a luta diária para consolidar a independência e construir o socialismo”. “Nosso povo sabe que pode contar sempre com a lealdade e o compromisso do comandante Chávez, assim como ele tem a confiança de que conta com o amor e a lealdade”, acrescenta o texto, que encerra com uma adaptação da tradicional saudação. “Até a vitória sempre! Viveremos e venceremos!”
Análise minuciosa
Cirurgia exploratória na qual o médico abre o abdome do paciente para determinar a existência de outras lesões, não detectadas em exames prévios. No caso de Hugo Chávez, os oncologistas tiveram dúvidas sobre a presença de tumores em outras áreas do abdome, segundo o oncologista colombiano Juan Molina, entrevistado pelo Correio (leia Palavra do Especialista).
Comunicado da Presidência da Venezuela
“Realizou-se a extração total da lesão pélvica diagnosticada, extirpando-se, ademais, o tecido circundante à lesão. Não houve complicações relacionadas com os órgãos locais. O pós-operatório imediato tem sido estável, clinicamente sem complicações sistêmicas. Recupera-se adequadamente, colaborando com a reabilitação pós-cirúrgica.”
“O presidente Chávez agradece, de coração, o cálido acompanhamento que tem recebido do povo venezuelano, assim como as inúmeras expressões de solidariedade vindas de homens e de mulheres de todas as latitudes do planeta.”