Visão do Correio: Sem eufemismo: é crime exigir cheque-caução
Correio Braziliense – 15/05/2012
A indignação explodiu no início deste ano. Em 19 de janeiro, Duvanier Paiva tentou atendimento em três hospitais. Não recebeu a atenção devida porque não dispunha de cheque para dar como garantia. O descaso levou à morte do então secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento. Na oportunidade, até o Palácio do Planalto manifestou repúdio à ação que, soube-se depois, era comum nos hospitais privados do Distrito Federal.
Em resposta, os ministérios da Justiça e da Saúde elaboraram projeto de lei que criminaliza os abusos que maltratam enfermos e roubam vidas. O texto, aprovado pelo Congresso, pune a exigência de cheque-caução, nota promissória ou preenchimento de formulário como garantia para o acesso a atendimento emergencial em instituições privadas de saúde. A presidente Dilma Rousseff tem 15 dias para sancionar a norma que alterará o Código Penal.
A partir de então, fica claro que exigir garantia de pagamento é crime de omissão de socorro. A pena: multa e de três meses a um ano de prisão. Caso o crime resulte em lesão corporal leve, a punição será dobrada. E triplicada se levar à morte. Além da sanção, a proposta obriga os hospitais a fornecer informações aos pacientes. Cartazes devem dizer sem rodeios que impor garantias é crime.
Impõe-se sancionar o projeto sem demora para evitar o aumento da lista de vítimas como a que está nas manchetes. Em 9 de abril, nova morte abalou o Distrito Federal. Idosa de 77 anos morreu quatro horas depois de dar entrada na UTI do Hospital Santa Helena. Para que a mãe fosse admitida, o filho teve de ir a Sobradinho buscar dois cheques no valor de R$ 25 mil cada um a fim de satisfazer a exigência de garantia da instituição. Depois de divulgada a morte, responsáveis pelo Santa Helena negaram ter imposto a condição. Posteriormente voltaram atrás. Explicaram que as duas folhas de cheque eram “antecipação de despesa”, exigência normal para paciente particular. Parece que o eufemismo tem o poder de alterar os fatos.
Dados do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) contabilizaram, em 2012, uma queixa a cada seis dias contra serviços prestados por unidades cuja função é salvar vidas. Entre as reclamações, figuram, além de recusa de pacientes, mau atendimento e cobranças indevidas, a exigência de caução para socorro emergencial. Há suspeitas de que os números estejam subestimados. Agora, com a divulgação de frequentes denúncias contra hospitais, a população se encoraja a trazer à luz o desumano tratamento que recebe em momentos de dor.