Viver com aids é possível, com o preconceito, não
Carlos Tufvesson | Valor Econômico
O Dia Mundial do Combate a Aids, comemorado em 1º de dezembro, encerra um período muito importante para todos os militantes da causa do HIV/Aids. Nos dias que antecederam a data, o país se mobilizou em atividades variadas para promover a disseminação da informação sobre prevenção contra a doença e pela quebra de tabus que, mesmo nos dias de hoje, ainda envolvem o tema.
Contudo, sabemos que prevenção, para ter eficácia, se faz o ano todo. E uma semana ainda é muito pouco para que a causa ganhe a repercussão necessária na mídia e, consequentemente, na sociedade, surtindo o efeito que todos nós esperamos: maior conscientização, redução nos índices de transmissão e combate ao preconceito que envolve a doença e as pessoas vivendo com HIV. A temática precisa ser discutida o ano todo.
A mídia tem um papel fundamental na prevenção da epidemia (sim, porque a aids ainda é uma epidemia no mundo e no Brasil). Apesar do aparente controle, o índice de infecção cresceu, especialmente entre adolescentes homossexuais do sexo masculino e gestantes. Ela deve ser cada vez mais consciente da sua responsabilidade de informar e de, sobretudo, abordar de maneira isenta um assunto que em nosso país muitas vezes se vê revestido de conceitos e preconceitos ligados a dogmas morais e religiosos, que interferem nas politicas de saúde pública.
O Brasil precisa voltar a tratar a prevenção da aids e das DSTs como uma questão prioritária e contínua
Desde o fim dos anos 80 até o ano 2000, observamos um “boom” de campanhas, debates, reportagens especiais, entrevistas sobre a Aids, com abordagens variadas que foram da fase “desvendando a doença misteriosa” até a discussão mais aprofundada sobre transmissão, prevenção e possíveis tratamentos. No entanto, agora, estamos em um estágio perigoso em que a doença tem atraído menos atenção e cada vez são menos frequentes as pautas em torno do tema, inclusive dentro dos segmentos mais vulneráveis. É preciso lembrar que a aids não é uma ameaça apenas no Carnaval e nem deve ser lembrada somente no 1º de dezembro, épocas em que a campanha de prevenção é resgatada.
Prevenção se faz o ano todo, lembrando sempre que “não existe grupo de risco, mas sim comportamento de risco” e que todas as pessoas sexualmente ativas devem fazer o teste de HIV. O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento são as melhores formas para interromper a cadeia de transmissão.
É comum ouvir falar que a aids não é mais problema – e na verdade isso está muito longe de ser realidade. Embora a cura pareça cada dia mais perto, as taxas de mortalidade pela doença estão em crescimento. Além disso, a diminuição da exposição da aids na mídia não está impactando apenas as características da epidemia, mas afeta também fortemente instituições que militam há muitos anos na causa e veem os recursos se tornarem cada dia mais escassos. Esse é o caso, por exemplo, do Grupo Pela Vidda – RJ, fundado pelo saudoso Betinho, que desenvolve atividades de prevenção, educação e treinamento e produz materiais informativos para segmentos populacionais específicos. A Ong, considerada um dos principais alicerces da resposta brasileira à epidemia da aids, assim como diversas outras organizações que trabalham com esta questão no país, passa por um período delicado e clama por apoio de instituições e pessoas que queiram patrocinar seu importante trabalho.
Recentemente, a esperança do Pela Vidda de dar continuidade à luta contra o HIV/aids ganhou fôlego com o apoio da amfAR, Fundação para Pesquisa da Aids, que doará parte da renda de seu último Gala no Rio de Janeiro para o grupo. O baile da amfAR, realizado em outubro, em conjunto com o Festival do Rio de Janeiro, e que contou com a participação de celebridades americanas e brasileiras, que inclui o presidente da fundação, Kenneth Cole, Linda Evangelista, Goldie Hawn, Preta Gil, Ana Carolina, Fernanda Torres, Mariana Ximenes, arrecadou fundos que são cruciais para os programas de pesquisas de ponta da amfAR. As realizações da fundação em pesquisa têm permitido a pessoas com HIV/aids em todo o mundo viver por mais tempo e com qualidade, incluindo a pesquisa que levou ao desenvolvimento de quatro das seis principais classes de drogas anti-HIV. Esses medicamentos têm revolucionado o tratamento e contribuíram para uma redução drástica no número de mortes relacionadas à aids. A amfAR também foi pioneira na pesquisa que levou ao uso de medicamentos antirretrovirais para prevenir a transmissão do HIV da mãe para o filho (transmissão vertical), que já foi eliminada em muitas partes do mundo.
Somando esses avanços às medidas recém-anunciadas pelo Ministério da Saúde no combate à epidemia, somos levados a enxergar uma luz no fim do túnel. O recorde de testagem da recém-realizada Campanha de Prevenção pela prefeitura do Rio de Janeiro, na qual o cidadão foi convidado a ir à unidade de atenção primária e realizar testes para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, totalizando mais de 60 mil testagens, demonstra que o cidadão quer sim a informação sobre prevenção e que cabe ao poder público criar políticas efetivas no combate à aids que falem direto ao cidadão.
Contudo, o Brasil precisa voltar a tratar a aids e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) como uma questão prioritária e contínua, desprovida de preconceitos e estigmas e formular estratégias de prevenção sem interferências de qualquer parte que não seja a técnica e que respeitem o principio da dignidade da pessoa humana. Afinal, como lembrou a campanha do Ministério da Saúde em 2009, “Viver com aids é possível, com o preconceito, não”.
Pela Cura.
Carlos Tufvesson é estilista e coordenador especial da diversidade sexual (CEDS) da prefeitura do Rio, presidente da Comissão DST aids do Conselho Municipal de Saúde e presidente do Conselho Municipal de Moda