Voz discordante
Valor Econômico – 16/03/2012
Temos uma proposta forte para a Rio+20, diz comissário da UE
Janez Potocnik, principal negociador europeu para a Rio+20, defende uma agência ambiental para a ONU, apesar da resistência dos EUA e do temor brasileiro de que a proposta leve ao fracasso da reunião. “Pintar por antecipação um cenário sombrio para o encontro não faz sentido”, diz
A União Europeia explicitou divergências em relação aos interesses defendidos pelo governo brasileiro para a Rio+20, a conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que acontecerá em junho, no Rio. Mas o bloco europeu avançou ao propor uma agenda para o desenvolvimento sustentável. “Temos uma proposta forte e que não deve ser vista como algo [apenas] ambiental, porque não é”, diz Janez Potocnik, o comissário de Meio Ambiente da União Europeia, em visita ao Brasil com agenda centrada na conferência. “É um olhar novo para um futuro sustentável, inclusivo e de erradicação da pobreza.”
O economista esloveno, que já foi o comissário de Ciência e Pesquisa da União Europeia e há dois anos assumiu o posto ambiental, é o principal negociador do bloco para a Rio+20. “Acreditamos que o ambiente merece uma atenção igual à de outras áreas dentro do sistema das Nações Unidas”, disse ontem ao Valor, durante café da manhã em Brasília.
A Europa defende a criação de uma agência ambiental na ONU, nos moldes do que é a OMS para a saúde ou a OIT para o trabalho. Atualmente, quem exerce este papel no mundo é o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma, que existe há 40 anos, é referência mundial em relatórios sobre o ambiente global, mas tem orçamento tímido, apenas 58 países-membros e pouca autonomia em suas decisões. “O Pnuma merece o status de uma agência para ser capaz de lidar com os desafios ambientais que todos estamos enfrentando.”
A Europa e os países africanos querem que o Pnuma se transforme em uma agência ambiental e que a decisão para isso seja tomada na Rio+20. Os Estados Unidos não apoiam a ideia, o que é uma grande dificuldade porque na ONU as decisões tem que ser consensuais e referendadas internamente pelos países. Com o provável bloqueio do Congresso americano, os negociadores brasileiros temem que insistir na ideia da agência seria levar a Rio+20 ao fracasso. “Estamos em negociação”, lembra Potocnik. “Pintar por antecipação um cenário sombrio dos resultados da Rio+20 não faz nenhum sentido.”
O Brasil prefere transitar por outro caminho e quer reformas na área da ONU voltada ao desenvolvimento sustentável. Há várias opções em estudo, desde a reforma de um conselho já existente – mas de nenhuma expressão – à criação de um conselho ou comitê de desenvolvimento sustentável que implemente as convenções e decisões da área. “Temos posições claras sobre as nossas prioridades quando o assunto é Unep”, diz. “Não temos posição tão clara quando o assunto é desenvolvimento sustentável”, reconhece, pensando nas mudanças de governança da ONU.
O economista de 53 anos diz que os europeus querem, neste tópico, escutar as várias propostas e debater mais. “Existem visões diferentes, e gostaríamos de escutar mais sobre elas neste momento. Queremos saber mais o que os outros estão pensando. Estamos abertos, mas também queremos que nos escutem”, registra. No arcabouço institucional global do desenvolvimento sustentável e ambiental, há um único consenso, lembra Potocnik: “Todos concordam basicamente que, do jeito que está, não está bom.”
Mas os europeus avançaram em outro ponto dos debates da Rio+20: o que pretende formular Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que nem nasceram e já têm sigla – em inglês, os SDG. Trata-se de uma proposta sugerida pela Colômbia e pela Guatemala, de que a Rio+20 produza metas mundiais similares aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Em reunião do Conselho da União Europeia, na sexta-feira, os europeus fecharam sua proposta para a Rio+20, que irão defender na reunião de negociação com todos os países na semana que vem, na sede da ONU, em Nova York. Eles listaram cinco tópicos que podem virar cinco SDG: energia sustentável; água; manejo sustentável da terra e dos ecossistemas; oceanos; e eficiência no uso de recursos, com foco no lixo. “Essas áreas, na nossa opinião, são os pilares centrais da nossa vida no futuro.”
Garantir o acesso universal à energia renovável é uma meta de Ban Ki-moon, secretário geral da ONU, e reforçada pelo painel de especialistas em desenvolvimento sustentável que ele montou. “É uma meta bem óbvia, eu diria, e que já está bastante desenvolvida”, diz o comissário europeu. “A meta em energia poderia ser uma das decisões da Rio+20, mas seria bom se pudéssemos ir um passo adiante e trabalhar em outras áreas importantes, se o que queremos é garantir um futuro sustentável.”
O segundo ponto defendido pela UE seria uma meta em relação à água, particularmente seu uso eficiente. Existe um objetivo do milênio que tem por meta garantir água para todos e também saneamento, mas não há nada sobre eficiência no uso dos recursos hídricos. “É um assunto importante para regiões que convivem cada vez mais com secas. Em lugares menos desenvolvidos usa-se muita água na agricultura”, exemplifica. Ele diz que alguns países do sul da Europa usam entre 70% a 80% das reservas de água na agricultura.
O terceiro tópico é sobre manejo de terra e parar com a degradação de ecossistemas. “O uso da terra vai ser um dos assuntos importantes do futuro porque há muita competição sobre ela”. O quarto é oceanos. “É um assunto muito importante para algumas ilhas do Pacífico, para a Nova Zelândia, a Austrália, para nós, para vocês. Está em conexão com o estoque de peixes, com segurança alimentar, com várias questões”, explica. O quinto item tem a ver com o uso eficiente dos recursos e mira, principalmente, o lixo. “Este é um assunto de todas as partes do mundo”, resume. Potocnik diz que agora estão trabalhando nestes tópicos para propor objetivos, metas, prazos e maneiras de monitorar os progressos.
A abordagem europeia para pensar nestes tópicos poderia ter sido setorial, com metas para, por exemplo, pesca ou agricultura. Ou funcional, com foco em cidades sustentáveis ou alimentação. “A nossa é uma abordagem sobre o uso de recursos. Se lidarmos bem com isso poderemos atingir tudo o que é importante”, esclarece. “Em todos esses ângulos estamos pensando na erradicação da pobreza, na inclusão social”, continua. “Não se pode conseguir segurança alimentar sem ter eficiência no uso da água, sem ter manejo sustentável da terra, sem pesca sustentável, sem observar quanta energia foi necessária para se chegar àquela produção”, diz. “Pensamos em construir um tipo de matriz.”
É por isso que os europeus, diz, defendem o fortalecimento da arquitetura institucional tanto do ambiente como do desenvolvimento sustentável. “Se quisermos construir o futuro com todos os pontos que estamos discutindo teremos que ter organizações que funcionem bem”, diz. “Precisamos melhorar a estrutura dos dois.”
Potocnik rejeita o discurso de que fortalecer o pilar ambiental no mundo pode abafar o crescimento sustentável dos países, deixando de lado problemas sociais e econômicos. “Há anos estamos tentando conseguir que o ambiente no mundo seja tomado com a mesma seriedade. É assim que entendemos a vida na Europa. Temos muitas atividades voltadas à inclusão social, como emprego para jovens”, cita.
O comissário prossegue com o argumento econômico: “Também temos problemas na Europa. E sérios. Estamos lidando com uma das mais graves crises da história. “Nunca subestimamos o pilar econômico e social, temos sindicatos fortes. Para nós, conseguir o equilíbrio entre os três pilares é sustentabilidade. Isso está nos genes da população europeia”, continua. “Se falamos de crescimento verde precisamos de um novo paradigma de desenvolvimento, que é diferente do crescimento “marrom” atual absolutamente insustentável”, diz, referindo-se à economia baseada nos combustíveis fósseis.
Segundo ele, a Rio+20 é o momento ideal para que o mundo discuta estes processos. “Também é uma oportunidade para que os outros evitem os erros que fizemos. Para nós, sair de uma “economia marrom” para uma “economia verde” é uma mudança inevitável dos nossos padrões de vida, de produção e consumo, que não são sustentáveis.” Ele diz que, mesmo na atual conjuntura econômica difícil, “estamos pressionando nesta direção. Pensamos que usando menos energia, menos água, menos matéria-prima para produzir produtos que podem ser reusados e reciclados, faz não só sentido ambiental, mas também econômico e social.” E conclui: “Precisamos fazer mudanças tectônicas.”