O surgimento do Cebes e seus atores (1970-1980)

A entrevista pretende reconstruir as relações sociais e os conflitos que presidem a construção do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, nos idos de 1970. Trata-se de um momento em que o grupo inicial que participou da formação do Cebes tenderia a se reorganizar na esteira dos movimentos que tiveram lugar na segunda metade dos anos de 1970 em torno do denominado “Partido Sanitário” – alusão ao alinhamento de seus membros às propostas do PCB.

Cabe agora circunscrever detalhadamente o corte temporal da entrevista, realçando o momento analítico e o motivo de sua escolha. No plano internacional, o período compreendido entre os anos de 1970 e 1980 é significativo, uma vez que a Guerra Fria dá lugar a relações distendidas entre duas superpotências; enquanto isso, no Brasil, ainda sob a ditadura, o Movimento Democrático Brasileiro ganha legitimidade política e apoio social; por fim, entre os próprios militares, cresce a adesão às propostas de dissensão.

Na área da saúde, em meados da década de 70, com o fim do milagre econômico, ocorreu uma crise do financiamento da Previdência Social, com repercussões no INAMPS. O movimento de Reforma Sanitária – no qual José Ruben foi protagonista – surgiu e articulou-se em um panorama caracterizado pela preponderância da Previdência Social, com sua lógica de modelo, sobre o Ministério da Saúde, que foi enfraquecido normativa e financeiramente. Essa preponderância foi construída a partir da concentração de recursos na esfera da Previdência Social, que passou a ser o segundo maior orçamento da União.

No comando da Previdência, estava a aliança entre interesses privados e a burocracia estatal. A partir dessa aliança, foram preparadas condições para uma crescente privatização dos serviços médicos.  Além disso, o setor saúde passou a sofrer as conseqüências da contradição decorrente da expansão da cobertura via compra de serviços do setor privado.

Todos estes eventos criaram uma situação de crise e reformas. A maior expressão de então se encontra na fundação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, o Cebes, em 1976. Identificado como importante lócus da luta pela “democratização da saúde”, pela constituição de uma “sociedade mais justa” e pelo “fortalecimento de um modelo democrático e pluralista de organização”, aglutina os integrantes do Partido Sanitário.

A partir desse período, as tensões anteriores e os conflitos coletivos mais e menos evidentes, abertos pelas formas de mobilização, ainda se apresentam como territórios a serem mais conhecidos. Retornar à conjuntura de abertura trazida pelo Governo Geisel, a partir de 1974, e esquadrinhá-las em novas entrevistas, torna-se um imperativo da necessidade de mapear caminhos relativos à participação em um campo que, de uma forma e de outra, o Cebes ajudou a construir.

Além disso, cabe ressaltar que, no final da década de 1970, parece ficar cada vez mais evidente a demanda por tal renovação.

Em janeiro de 1979, o Governo decreta o fim do Ato Institucional n.5. Em 28 de agosto entra em vigor a Lei da Anistia, contemplando assim muitos condenados políticos da Ditadura. No dia 29 de novembro de 1979, o Congresso decreta o fim do bipartidarismo. Com isso, o Movimento Democrático Brasileiro é extinto, criando-se, em seu lugar, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). No dia 10 de fevereiro de 1980, é fundado o Partido dos Trabalhadores (PT), do mesmo modo que, em 16 de setembro do mesmo ano, o Partido Democrático Trabalhista, liderado por Leonel Brizola. Estes são lugares para onde converge parte da intelectualidade do setor saúde. Na continuação desse cenário, não se conservam mais os papéis tradicionais, as representações e as práticas destinadas a essa geração, embora não deixem de estabelecer elos e continuidades com o passado.

Assim, a escolha do período a ser estudado por meio de depoimentos orais com membros do Cebes pretende perceber o progressivo deslocamento da sociedade brasileira e o de suas elites políticas e econômicas no rumo da defesa do restabelecimento das instituições democráticas na Saúde entre os anos 70 e 80 do século XX. Interessa-nos examinar mais de perto os sentidos das transformações que se anunciam – a formação de esquerdas alternativas, presentes no quadro do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde desde sua criação.