Reinaldo Guimarães defende recente modificação da Lei de Licitações
Créditos: Arquivo Isto é
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O médico sanitarista e ex vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Fiocruz, Reinaldo Guimarães, defende, em artigo nomeado “Uma grande notícia”, a decisão do atual governo em sancionar o artigo 73 da Lei de conversão da MP 563, agora Lei 12.715. Segundo Guimarães, o artigo modifica a Lei de Licitações, autorizando a dispensa no caso de parcerias entre laboratórios públicos e privados para a transferência de tecnologia e fabricação de produtos prioritários para o SUS.

Reinaldo Guimarães

Anteontem, 17 de setembro, a presidenta Dilma Rousseff sancionou o artigo 73 da Lei de conversão da MP 563, agora Lei 12.715. Esse artigo modifica a Lei de Licitações, autorizando a dispensa no caso de parcerias entre laboratórios públicos e privados para a transferência de tecnologia e fabricação de produtos prioritários para o SUS. Com isso, a política do MS para o Complexo Industrial da Saúde, iniciada por José Temporão e aprofundada por Alexandre Padilha se torna perene e protegida de contestações por parte das empresas farmacêuticas multinacionais e seus representantes locais.

A introdução desse dispositivo na lei 8.666, que orienta as compras governamentais, aumenta a segurança jurídica de arranjos produtivos em território nacional visando medicamentos e vacinas prioritários para o SUS. Desde o segundo mandato do presidente Lula, o Ministério da Saúde vem construindo uma política voltada para o desenvolvimento do parque produtivo farmoquímico e farmacêutico nacional, bem como para a diminuição de preços de produtos estratégicos para o SUS.

Essa política, que vem avançando no governo da presidenta Dilma, opera mediante a mobilização das empresas públicas e privadas sediadas no país e utiliza como ferramenta a constituição de parcerias empresariais para a internalização e domínio de tecnologias e para a produção de insumos e produtos acabados. Até o momento, foram estabelecidas 34 parcerias que, quando consolidadas, promoverão uma economia de cerca de um bilhão de Reais/ano ao país.

A sanção de anteontem complementa normas anteriores, tais como a portaria (2009) que elenca os produtos prioritários para o SUS, a Lei nº 12.349 (2010), que introduziu alterações na Lei de Licitações para incluir dentre seus objetivos a promoção do desenvolvimento nacional sustentável em áreas estratégicas, para tanto admitindo a utilização de margens de preferências nas licitações públicas destinadas às aquisições de produtos manufaturados no país e o Decreto nº 7.713, (2012) que a regulamenta para as compras do SUS.

Em nível global, e a despeito de sua histórica lucratividade, a indústria farmacêutica mundial vive uma crise importante desde a última década do século passado. Seu principal indicador (e determinante) é a diminuição do número de registros de moléculas realmente inovadoras nos principais mercados.

A resposta a essa situação de desconforto tem se orientado em quatro direções principais. A primeira é a onda de fusões e aquisições de empresas, cujo objetivo mais importante é a concentração e o adensamento dos pipelines. A segunda são mudanças no modelo geral de negócios, cuja essência reside no refreamento da verticalização nos processos de desenvolvimento e produção, com crescente terceirização. Aqui, o objetivo principal é o compartilhamento do risco. A terceira foi uma mudança de atitude em relação a medicamentos genéricos, que deixaram de ser “criminalizados” e vêm sendo crescentemente incluídos nos porta-fólios da indústria que se autodenomina “de pesquisa”. E a quarta direção é o que se poderia chamar de uma radicalização nas estratégias comerciais, cujas práticas chegaram a atingir as fronteiras da ética e mesmo da legalidade, o que atestam os recentes acordos celebrados entre farmacêuticas de grande prestígio e a justiça norte-americana. Dentre estes, surpreende o que estabeleceu multa de três bilhões de dólares pelo exercício de práticas comerciais ilegais realizadas pela empresa Glaxo Smith Kline na década passada.

No que se refere ao Brasil, essa radicalização procura tensionar o arcabouço jurídico da proteção à propriedade intelectual, supostamente harmonizado pelos acordos TRIPS de 1994 e pela sua complementação de 2001, que instituiu as devidas flexibilidades para garantias no âmbito da saúde pública. Lamentavelmente, esse tensionamento conta com o apoio das estarrecedoras concessões antinacionais feitas pela Lei de Propriedade Intelectual brasileira de 1996, e das notórias insuficiências operacionais do nosso Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Para a indústria farmacêutica brasileira de capital nacional, em processo de crescimento acelerado, a crise global da Pharma e as iniciativas locais para mitigá-la trazem oportunidades e desafios. É certo que ainda por bastante tempo os medicamentos produzidos por rotas de síntese, genéricos ou não, terão lugar de destaque no mercado. No entanto, fica cada vez mais nítida a percepção de que dentre as oportunidades que se abrem para as nossas farmacêuticas, destaca-se a crescente participação dos produtos biológicos no mercado brasileiro. Numa perspectiva pró-cíclica, as decisões do Ministério da Saúde de incorporá-los nas listas de medicamentos fornecidos aos pacientes do SUS têm sido ferramentas essenciais.

Estejamos certos de que é a perspectiva de disputa desse novo mercado público (os biológicos) que por um lado revela a importância da sanção presidencial e, por outro, explica o agressivo lobby feito pela organização que representa as empresas farmacêuticas multinacionais no Brasil a favor do veto do artigo 73, ao qual a presidenta corajosamente resistiu.

Reinaldo Guimarães é médico sanitarista, Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia, ex secretário nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde e ex vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz).