Agenda política e estratégica para a Saúde

Revista Radis | Fiocruz

As manifestações que se iniciaram com o Movimento pelo Passe Livre em São Paulo estenderam seus pleitos para reivindicações por serviços públicos de qualidade para os brasileiros, principalmente nas áreas de transporte, educação, segurança e saúde. Fruto, em parte, das melhorias sociais conquistadas na última década, essas manifestações revelam que os brasileiros não estão satisfeitos com o que já conseguiram e querem condições de vida mais dignas para todos.

Diante da resposta do Governo Federal, alegando a necessidade de aumento da receita da União para atender aos diversos pleitos, as entidades do movimento social questionam a alocação dos recursos públicos em encargos da dívida pública e em políticas compensatórias não estruturais, assim como a regressividade do sistema tributário que faz com que os mais pobres paguem mais e tenham menor acesso aos descontos proporcionados pelas desonerações fiscais na saúde, na educação e também nas destinadas ao incentivo ao consumo de carros e eletrodomésticos. […]

O movimento por que passa o Brasil insere-se claramente em um novo contexto internacional. Na América Latina, na última década, assiste-se, de maneira geral, à adoção privilegiada de políticas de transferência de renda dirigidas aos pobres e muito pobres. […] Em vários países latino-americanos, os movimentos por sistemas públicos de saúde universalistas têm se inspirado na resistência brasileira ao desmonte do SUS, assim como na rejeição aos pacotes de serviços limitados para os pobres, propagados por organismos internacionais financeiros e de saúde, com apoio de empresas de saúde e governos neoliberais.

Na Europa ocidental, governos de diferentes orientações partidárias respondem à crise econômica que assola a região com cortes nas pensões, aposentadorias, seguros-desemprego e benefícios familiares; com reduções de salários e demissões de funcionários públicos; com aumento de impostos e elevação da idade para a concessão da aposentadoria; entre outras medidas de austeridade. No campo específico da saúde pública, ao lado da contenção do gasto, assiste-se, sob todas as formas, o aumento da participação do usuário no custeio. Apesar dessas investidas, cujo único objetivo é garantir que os Estados honrem o serviço da dívida junto aos bancos credores, a resistência tem sido intensa.[…]

Voltando ao Brasil, no que se refere à saúde especificamente, uma efetiva resposta do governo aos anseios da população passa por dois compromissos:

A) Assumir, concretamente, a implantação do SUS fundado na universalidade, igualdade e integralidade […]

B) Promover a democratização e a “republicanização” do Estado, com reformas política, tributária e administrativa […]

Diretrizes para uma Agenda Política e Estratégica da Saúde

1. Desenvolvimento de um projeto nacional inclusivo, autônomo e sustentável, que permita a todos os brasileiros, das gerações atuais e futuras, usufruírem do progresso econômico e social.

2. Redução das desigualdades regionais com melhor distribuição da riqueza nacional, regulação estatal da formação e da distribuição de profissionais de saúde, e da produção e da oferta de equipamentos, unidades assistenciais e serviços de saúde.

3. Resgate do Orçamento da Seguridade Social, sem a desvinculação das receitas da União (DRU), e garantia da parcela federal no financiamento do SUS, correspondente a 10% da sua Receita Corrente Bruta. Revisão da limitação do pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal. Investimento exclusivo nos estabelecimentos públicos.

4. Criação de novas fontes federais a serem efetivadas além dos 10% das Receitas Correntes Brutas da União: taxação das grandes fortunas e aumento de impostos sobre bebidas alcoólicas e tabaco; empréstimos do BNDES aos hospitais sem fins lucrativos que ofereçam serviços exclusivamente ao SUS; parcela dos royalties do pré-sal e das Emendas Parlamentares Impositivas para a Saúde.

5. Fim dos subsídios públicos à assistência médica privada.

6. Os novos recursos para o SUS devem ser destinados à organização das redes regionalizadas de atenção integral à saúde sob coordenação da Atenção Básica, universal e de qualidade, com investimentos nas carreiras públicas, reguladas com base em legislação nacional e sensíveis às especificidades regionais, com exclusividade para servidores públicos concursados.

7. As redes regionalizadas devem representar um modelo de atenção à saúde baseado nas necessidades e nos direitos de toda a população.

8. Regulação estatal do complexo industrial produtor e fornecedor de bens de saúde, no sentido de orientá-lo para a produção dos bens necessários à integralidade da atenção.

9. A compra de serviços complementares no setor privado deve substituir o pagamento por produção (tabela de procedimentos e valores), pelo cumprimento de metas quali-quantitativas previamente pactuadas de acordo com as necessidades da população e a implementação do novo modelo de atenção, com valores não inferiores ao custo. O conceito e a prática da complementaridade devem ser revistos no sentido de se tornarem efetivamente complementares e não o centro financeiro e programático do sistema. A extensa rede de hospitais sem fins lucrativos dedicados exclusivamente ao SUS deve ser priorizada no processo de contratação.

10. Melhoria da eficácia e da eficiência da gestão pública com a criação de um ente público com poder de autoridade sanitária da Região de Saúde, cogerido e cofinanciado pela União, estados e municípios.

11. Os níveis locais e regionais da gerência pública de saúde deverão ter a necessária autonomia administrativa e orçamentária, descentralizada aos estabelecimentos públicos de saúde de médio e grande porte.

12. Efetivação do planejamento ascendente participativo com base nas necessidades e nos direitos de toda a população, para o estabelecimento de prioridades e metas.

13. Os conselhos de saúde devem participar ativamente do resgate da participação direta das entidades e dos movimentos da sociedade civil, na recuperação da consciência dos direitos sociais de cidadania. Os conselhos de saúde deverão realizar junto às entidades a sua atribuição legal de participar na formulação de estratégias, e não simplesmente reagir ou não às estratégias formuladas em instâncias governamentais.

Belo Horizonte, 03 de outubro de 2013.

Assinam este documento: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde (Ampasa), Associação Paulista de Saúde Pública (APSP), Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa)

O texto teve trechos suprimidos para adequação ao espaço desta página. Leia a íntegra em http://goo.gl/A0iK2R