“Os preconceitos contra os homossexuais se enraizaram na alma dos brasileiros”

Universo AA

Defensor dos direitos das minorias, Jean está sempre nos noticiários por causa dos confrontos com a bancada fundamentalista cristã do Congresso Nacional.

Em uma conversa franca, Jean falou sobre os avanços e retrocessos dos direitos da comunidade LGBT no Brasil; sobre suas percepções a respeito de seu primeiro mandato e também comentou alguns projetos polêmicos que envolveram seu nome, tais como o Escola Sem Homofobia e PLC 122.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Universo AA: Parte da militância LGBT acha que o senhor erra ao insistir na bandeira do casamento civil para os gays. Eles defendem que a ênfase deveria ser na criminalização da homofobia. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Jean Wyllys: Essa é uma falácia que, de fato, divide até a comunidade LGBT. Tem muita gente que cai de bom grado nela. Eu não sou contra à “criminalização da homofobia” e insisto na legalização do casamento igualitário como pauta principal por dois motivos: o primeiro é que a criminalização da homofobia por si só não resolve o problema da homofobia, que é um sistema, uma estrutura. Uma resposta apenas penal a um problema que é estrutural e sistêmico não vai resolvê-lo. O segundo é que é preciso ter cuidado com a ampliação do Estado penal, porque ele já se voltou contra nós, homossexuais, no Brasil e se volta em muitas partes do mundo. Sou a favor da luta contra a violência dura que se abate sobre homossexuais: os assassinatos e os espancamentos. Sou a favor de que o Código Penal inclua a homofobia entre as motivações torpes dessa violência. Mas não sou a favor de penas mais duras que as já previstas e acho que, no caso da injúria e da discriminação homofóbicas, a pena não deve ser a de prisão. Defendo, no caso da injúria e da discriminação, penas alternativas, como a prestação de serviços e pagamentos de multas à comunidade lesada. Estou defendendo outros aspectos que levam à redução do estado penal, como a descriminalização do aborto; a legalização e regulamentação do consumo de maconha; a descriminalização das casas de prostituição e descriminalização de movimentos sociais, logo, não posso cair na incoerência de defender a ampliação do estado penal no caso da homofobia. A parte da militância que me critica, por isso, precisa pensar mais.

UAA: Por que é tão difícil aprovar legislações específicas em relação aos direitos gays no Congresso? A PLC 122, chamada de lei contra a homofobia, e a legalização do casamento igualitário, por exemplo, não conseguem avançar…

JW: Porque os direitos LGBTs fazem parte do que se convencionou chamar de “causas polêmicas”. Existem as causas unânimes, como os direitos das crianças, o meio ambiente e o direito dos idosos, e, destas causas, nenhum parlamentar pensa duas vezes antes de dizer – ainda que da boca pra fora – que são a favor, já que existe uma unanimidade em torno dessas causas. Quem tem coragem de dizer publicamente que idosos querem “privilégios” quando reivindicam seus direitos? Quem tem coragem de dizer que crianças não merecem proteção especial? Os que falam algo parecido, quando falam, referem-se apenas às crianças pobres e infratoras… Quem tem coragem de dizer publicamente que é a favor de que se exterminem as araras-azuis e as espécies de árvores da floresta tropical? Ninguém! Nem mesmo os imbecis odiosos que são hoje os porta-vozes da direita reacionária brasileira (surpreendentemente composta sobretudo por uma juventude analfabeta funcional e sem repertório cultural) e que ocupam tribunas na Veja, Folha de São Paulo, Band e nas redes sociais, porque o dano à imagem de quem defende essas barbaridades é grande! Mas muitos desses parlamentares e porta-vozes da direita reacionária se colocam publicamente contra a cidadania LGBT, alguns defendem abertamente o extermínio de homossexuais e me acusam de querer “privilégios” quando reivindico os direitos da comunidade LGBT. E o fazem por quê? Porque não há dano à imagem pública desses canalhas, já que os preconceitos contra os homossexuais são reproduzidos há tanto tempo e por tantas formas que se enraizou na alma da maioria dos brasileiros. Esta é a principal explicação para a dificuldade na aprovação de leis em favor da cidadania plena de LGBTs. A homofobia é tratada como uma questão moral e não como uma questão da violação de direitos humanos, de liberdades civis. Muita gente acha que é legitimo alguém perder direitos ou ser violado nos seus direitos humanos por ser homossexual. Este é o mesmo pensamento que já norteou, por exemplo, a violência contra os negros e contra as mulheres. Muita gente achava que era legítimo e “natural” que as mulheres não votassem, porque elas seriam “naturalmente inferiores” – um pensamento que hoje é rechaçado por ser absurdo e que por muito tempo foi sustentado por políticos.

UAA: Do começo do seu mandato até hoje, o senhor, de fato, vê que houve uma mudança em relação à comunidade LGBT?

JW: Sim, houve. A principal mudança é que pautamos a agenda pública. Pautamos a imprensa e o Congresso. Levamos o País a discutir os direitos e a representação da comunidade LGBT na medida em que um porta-voz dessa comunidade assumiu, pela primeira vez na história da República brasileira, uma vaga no Congresso Nacional. Isso por si só já é uma conquista e tanta! Mas fomos além: o meu mandato conseguiu colocar, de uma vez por todas, no Brasil, a questão LGBT sob o guarda-chuva dos Direitos Humanos; articulei as reivindicações da comunidade LGBT às reivindicações de outras minorias estigmatizadas, mostrando que nossa luta é a luta de todos que acreditam num Estado Laico e Democrático de Direito; empreendi uma campanha nacional em favor do casamento igualitário e conseguiu a adesão de grandes estrelas da tevê, do cinema e da música a ela, o que resultou na extensão, por parte do Judiciário, do direito ao casamento civil aos gays e lésbicas; derrubamos o projeto da “cura gay” e consegui descortinar o fundamentalismo religioso como grande inimigo político da extensão da cidadania plena aos homossexuais. Por outro lado, do ponto de vista estritamente legislativo, não temos leis aprovadas no Congresso Nacional. Algumas cidades e Estados têm leis para população LGBT, mas não existem leis federais ainda. Temos um espaço político garantido no Legislativo – e essa já é uma grande conquista. Graças a ela, conseguimos driblar a má vontade da maioria dos congressistas e sensibilizar o Judiciário a reconhecer nosso direito ao casamento civil. O que aconteceu com o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil foi a aprovação de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que obrigou os cartórios do País a realizarem o casamento de pessoas do mesmo sexo.

UAA: O que tem a dizer sobre os gays que lhe criticam por gastar energia com causas de outras minorias?

JW: Que eles são uns equivocados e egoístas que, sem querer ou não, acabam fazendo o jogo de nossos adversários. Eu acho que a luta específica dos direitos civis dos homossexuais deve estar ligada à luta mais ampla dos direitos humanos e liberdades individuais. Não há como lutar contra o conservadorismo reacionário que nos vitima se não articularmos a luta pelos direitos dos homossexuais com a luta pela equidade de gênero e com o enfrentamento da misoginia, do sexismo, do racismo, da xenofobia e do antissemitismo. Não fui eleito pelos LGBTs, mas mesmo assim eu mantenho meus compromissos com essa comunidade, assumidos durante a campanha de 2010. Eu estou lutando por aquilo que acredito, independentemente de não ter ganho o voto dos LGBTs fluminenses (eu sou deputado pelo Rio de Janeiro; nas eleições, só os fluminenses podem votar em mim). Eu luto pelos direitos humanos, e o fato de ser homossexual me faz lutar com mais ênfase pelos direitos dos homossexuais, principalmente quando não há outro parlamentar no Congresso que faça isso sem o medo do custo eleitoral desta luta.

UAA: E o projeto Escola sem Homofobia? Por que Dilma o suspendeu?

JW: O projeto foi suspenso por causa da atuação da bancada fundamentalista cristã. Agiu com uma má-fé e desonestidade intelectual absurdas! Os parlamentares dessa bancada, mais o Bolsonaro, pegaram um material do Programa de Redução de Danos Entre Usuários de Drogas Injetáveis e apresentaram à sociedade como se fosse parte do Escola sem Homofobia, produzindo uma histeria de massa, que nada mais foi que fruto da ignorância, da falta de informação e dos preconceitos da maioria. Além disso, eles chantagearam a presidenta Dilma, que cedeu fácil à chantagem e enterrou o projeto usando uma expressão equivocada e infeliz: “O governo não faz propaganda de opção sexual”. Ela nunca se retratou por esse absurdo!

UAA: Como o senhor avalia esse movimento de mostrar a homossexualidade nas novelas? Isso é positivo?

JW: Isso é muito positivo, principalmente em um País como o nosso, com um índice alarmante de analfabetismo. A televisão ocupa um papel central na formação do imaginário popular. Então, conquistar um lugar positivo na teledramaturgia é importante para os homossexuais. Os autores de novelas vêm fazendo isso não por uma simples concessão, é uma batalha cultural. Nessa arena há outras forças em oposição, como o crescimento da audiência evangélica, puxado pela nova classe média, a tal “classe C”, que tem muitos preconceitos arraigados. Falta uma educação de qualidade para acabar com essa mentalidade.

UAA: A que você relaciona o aumento do número de candidatos da comunidade LGBT nas últimas eleições municipais?

JW: Eu acho que esse crescimento está diretamente ligado à visibilidade da comunidade LGBT nos últimos anos – visibilidade que se dá por meio das paradas do orgulho gay, da atuação dos ativistas nas redes sociais e no contato com a imprensa e pela representação que a mídia faz da comunidade LGBT – e, claro, está ligado ao sucesso do meu mandato. Mas eu espero que minha atuação esteja mostrando aos candidatos que não basta ser LGBT. É preciso ter formação, repertório cultural e disposição para a luta; saber abrir mão de certos aspectos da vida privada e estar num partido que sustente sua causa e não esteja apenas lhe usando para conseguir votos pra legenda, a fim de eleger um candidato heterossexual contrário à causa gay.

UAA: Qual o caminho para educar as pessoas e fazê-las entender que defender os direitos dos homossexuais não faz você ser mais ou menos hétero e que isso não é apologia, nem incita o homossexualidade?

JW: O caminho é garantir à população, sobretudo à de baixa renda, por meio de políticas públicas, uma educação formal de qualidade que não se preocupe apenas em reproduzir, sem reflexão, o conhecimento, mas, antes, preocupa-se em desenvolver valores humanistas, a consciência da diversidade humana e o respeito por essa diversidade. É claro que, entre essas políticas públicas, está a valorização social do professor por meio de salários dignos e de programas de formação continuada que os levem a quebrar seus preconceitos e seu senso comum. Outro caminho paralelo é pressionar as mídias de massa – responsável pela educação informal ao lado da família e dos grupos de amigos – a estimular mais os valores humanistas e a representar positivamente os grupos historicamente difamados, entre os quais os LGBTs. Infelizmente, uma política pública de educação nesse sentido – o projeto Escola Sem Homofobia – foi suspensa pelo Ministério da Educação devido a tenebrosas movimentações políticas de parlamentares e setores da mídia que se opõem à cidadania plena.