Saúde da mulher é destaque em reunião do CNS

Teve início na manhã desta quarta-feira, 19, a 255a reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde. Nos dois dias de encontro serão discutidos temas como a saúde integral da mulher no contexto dos 25 anos do SUS; as políticas de saúde para a população em situação de rua; a saúde indígena; a discussão da agenda da saúde para 2014, com a presença do Ministro Artur Chioro; além da análise e deliberação de demandas das Comissões de Ética em Pesquisa (Conep), Orçamento e Finança (Confin) e Recursos Humanos (CIRH).

Os trabalhos deste primeiro dia foram abertos com uma mesa temática sobre a saúde da mulher nos 25 anos de SUS, pauta que reflete o compromisso do CNS como contribuição nas atividades do mês de março marcado pelo Dia Internacional da Mulher.

Estiveram presentes a deputada federal Érica Kokay (PT-DF); o chefe do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes) do Ministério da Saúde, Dário Pasche; a coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, Maria Esther Vilela; além da conselheira e representante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Maria do Espírito Santo; e a presidenta do CNS, Maria do Socorro.

Na ocasião, a conselheira Maria do Espírito Santo (Santinha) destacou o fato de que o CNS ser presidido por uma mulher, que, de certa forma, é consequência da luta das mulheres em ocupar áreas estratégicas do poder. “Este debate acontece hoje não apenas em razão do 8 de março, mas porque é uma questão central na luta por mudança social por mais igualdade de gênero e outras condições da exclusão e discriminação”.

O Programa de Ação do Cairo, assinado por 179 países, redefiniu princípios para abordar a saúde reprodutiva e sexual dos adolescentes e das mulheres (clique aqui para acessar o Programa na íntegra).Segundo Maria do Socorro, presidenta do Conselho, as políticas para as mulheres devem ser um tema de interesse não apenas das próprias mulheres, mas de toda sociedade.

Ela lembrou que esta agenda ganhou força política internacional desde a realização da Conferência do Cairo sobre a População e Desenvolvimento, realizada em 1994.

O Ministério da Saúde e a Saúde da Mulher

De acordo com o diretor do Departamento de Programas Estratégicos de Saúde- Dapes, as políticas de saúde para as mulheres implementadas nos últimos anos compreendem sua completude e contempla a integralidade. Entre os temas elencados como prioritários para o Ministério, ele destacou a violência contra a mulher, os direitos sexuais e reprodutivos, e o direito ao parto normal. No que diz respeito ao planejamento reprodutivo, segundo Dario Pashe, nos últimos anos, houve uma redução no número de jovens grávidas abaixo dos 19 anos, ao passo que se verificou um aumento da quantidade de mulheres que tem filho aos 30 anos.

“O Ministério tem buscado adotar políticas e posições de vanguarda, ampliando o acesso das mulheres à informação e aos insumos de planejamento familiar”.

Maria Esther Vilela ressaltou que o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher do Ministério da Saúde foi consequência da luta das mulheres pela universalidade e integralidade de um sistema público de saúde.

“O Ministério tem compromisso com as definições do Programa de Cairo e os eixos das nossas políticas levam em consideração, sobretudo, a saúde sexual e reprodutiva, a atenção obstetrícia, a atenção às mulheres com histórico de violência, atenção à saúde da mulher idosa, mulheres com câncer de colo de útero e mama, e a feminização da aids e demais doenças sexualmente transmissíveis”.

A Mulher no Congresso Nacional

Para a deputada Érica Kokay, é importante que o dia da mulher seja lembrado de forma crítica, não permitindo que a data seja colonizada por uma visão machista e sexista. Nesse sentido, ela defendeu que as políticas de saúde para a mulher precisam ser implementadas em uma perspectiva transversal e que pense a mulher em sua completude e respeitando a diversidade brasileira.

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Na análise da deputada, a violência contra a mulher é um tema prioritário na agenda política e deve ser tratado também como uma questão de saúde, pois ele restringe o direito da mulher a sua intimidade e identidade. Portanto, é imprescindível que o assunto seja incorporado nos programas de atenção básica, com foco na saúde mental da mulher.

“A culpabilização da mulher pela violência é um mecanismo de repressão patriarcalista e patrimonialista que ainda resiste na cultura política brasileira”.

Kokay lembrou também que a bancada fundamentalista tem tentando impedir a tramitação e a aprovação de projetos de lei que tratam dos direitos sexuais e reprodutivos e tem conseguido impor suas pautas, uma vez que as mulheres ainda são apenas 8,7% da Câmara dos Deputados.

Posicionamento do Cebes

Ao apresentar Ana Costa , Santinha lembrou o compromisso “de vida” que a conselheira sempre teve com a saúde da Mulher. Lembrou que, como médica de carreira (hoje aposentada) do Ministério da Saúde, em 1983 Ana Costa foi formuladora e coordenadora do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Este trabalho foi consequência de um processo de debate convergente entre o incipiente movimento feminista nacional e o movimento da reforma sanitária, resultando na ruptura do modelo de “saúde materno infantil” que vinha sendo implantado nos anos anteriores.

A conselheira Ana Costa, presidenta do Cebes, alertou que é preciso proceder releituras que visem radicalizar o sentido da integralidade que deve ter como perspectiva, não apenas a oferta de ações nos diversos níveis do sistema de serviços, mas os modos do cuidado. Denunciou que observa uma ausência de compromisso na prática assistencial realizada pelas equipes de “saúde da família” que ainda preservam o caráter burocrático e se organizam na lógica dos profissionais e não do usuário, comprometendo a concepção de integralidade que as mulheres, na sua diversidade, necessitam.

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Para ela, o aprofundamento, a radicalização e a transformação na prática do sentido de integralidade na saúde das mulheres não pode acontecer por partes e ficar restrito ao foco da demanda por ação de saúde, seja de grupo populacional, orientação sexual, etnia, local de moradia, portadora de patologia, etc. A integralidade deve contemplar o conjunto das necessidades e das demandas subjetivas e objetivas, da universalidade da população feminina brasileira. Nesse sentido, ela provoca que, “ao invés de adotar a perspectiva da atenção integral, talvez seja necessário passar a adotar o conceito ampliado de saúde integral”.

Um segundo problema apontado por Ana Costa na avaliação histórica dos 25 anos do SUS é a persistência perversa da tendência à verticalização da Política que, na prática, assume características muito mais próximas a um fragmentado “programa vertical”, com linha própria de financiamento e insulamento de suas ações no SUS.

“Essa modalidade de gestão programática e vertical é perversa porque constrange linhas de uso e gasto de recursos de saúde pelos estados e municípios que deparam com populações com necessidades e demandas complexas. Ademais, programas verticais fragmentados não contribuem para organizar efetivamente serviços de atenção comprometidos com a integralidade. O Ministério como gestor principal do SUS tem o compromisso de conduzir processos de mudança do modelo de atenção de forma robusta”.

Em seguida, Ana Costa lamentou ainda que o governo seja refém das forças políticas fundamentalistas da sociedade e do Congresso no debate sobre os direitos reprodutivos e sexuais, sobretudo no que diz respeito ao aborto, tema barrado no parlamento com a conivência e mediação do governo. Desse modo, defendeu um posicionamento e uma ação politica do CNS sobre a legalização do aborto em virtude da gravidade que a ilegalidade e clandestinidade assume para a saúde das mulheres.

Refletindo sobre a persistência da prevalência da taxa de uso de métodos contraceptivos hormonais e cirúrgicos entre as usuárias, Costa denunciou que a meta velada e não explicita da queda da natalidade foi alcançada e, lamentavelmente, não houve compromisso com a autonomia das mulheres e nem com a mudança no padrão de contracepção. Lembrou também que a elevada taxa de mulheres esterilizadas alardeou o pais na PNAD de 86.

Assim, mesmo sem uma política de Estado para redução do crescimento demográfico, na prática, o SUS ofereceu serviços que conduziram um planejamento reprodutivo que pouco ofereceu às mulheres mecanismos educativos críticos para promover autonomia e tampouco ofereceu alternativas tecnológicas e diversidade de métodos na realização de planejamento familiar ou reprodutivo com base no direito e na autonomia das pessoas, das famílias e das mulheres. Relembrou que “as políticas de direitos sexuais e reprodutivos precisam retomar e dar valor às práticas educativas essenciais nos serviços de saúde, pois são elas que constroem cidadania”.

A presidenta do Cebes propôs ainda que, além das mudanças curriculares para a formação médica que estão em curso, é necessário direcionar a contratualização dos hospitais de ensino, contemplando medidas que qualifiquem a formação médica para saúde integral da mulher.

“Os médicos precisam ser sensibilizados e formados para atender o aborto, mas também devem conhecer os benefícios do parto normal, ter visão crítica sobre partos cesarianos, saber sobre os prejuízos da medicalização, a importância do rastreamento e ter capacidade para realizar detecção precoce de enfermidades crônicas. Estes aspectos devem ser incluídos como condicionantes e metas para estas instituicões de ensino, que devem, por exemplo, se comprometer com a redução de cesarianas”.

Na opinião de Ana Costa, estas medidas tem potencia para mudar a cultura da formação medica atual e são importantes, sobretudo, para a saúde da mulher como um todo.

 

Veja aqui a pauta geral da 255a reunião do CNS

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