O SUS na prática: qual a política pública de saúde?

O SUS NA PRÁTICA : QUAL É A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE ?
1990 – 2015: 25 ANOS DO SUS
Nelson R. dos Santos*

“A pretensão nessas poucas páginas não é encarar análise de conjuntura nem descrição de etapas mas sim instigar o debate, análise e posição se o SUS, na prática, é ou caminha para ser política pública com lógica e modelo: a) ampla e democraticamente debatida e decidida entre 1986/1990 de Bem Estar Social (Social-Democrata), ou b) imposta por núcleo hegemônico no poder de Estado, estruturando perverso ‘mix público-privado’ de caráter classista, anti-social e compensatório (Neoliberal)” – Nelson Rodrigues dos Santos.

 

O DECISIVO “PONTA-PÉ” INICIAL NA “BOLA” DO SUS

 

Contribuindo ao entendimento e equacionamento da grande encruzilhada atual do SUS, profunda e complexa, assim como das alternativas desejáveis possíveis, não há como não remontar suas raízes nos anos 70, na ditadura, quando, em consequência das intensas concentração de renda e pauperização da população, deu-se inusitada e massiva migração para as periferias urbanas de cidades médias e grandes, com grande elevação da tensão social. As respostas do Estado brasileiro concentraram-se nas Prefeituras municipais com elevação da oferta de serviços sociais básicos, ainda que mínimos e precários devido aos baixíssimos orçamentos municipais, entre eles, os de saúde. Também nos anos 70 as duas escolas de Saúde Pública – FSP/USP e ENSP/Fiocruz remodelavam seus cursos tradicionais concentrando-os em um semestre e/ou regionalizando para outras unidades federadas, o que passou a disponibilizar levas de jovens sanitaristas com visão da atenção integral á saúde, com perfil de gestão regional, e sensíveis à políticas públicas de direitos sociais e à inabdicável democratização do Estado.

 

Ao final dos anos 70 dezenas de municípios no país expandiam redes periféricas de unidades básicas de saúde e na prática acumulavam experiência na atenção integral á saúde, universal e equitativa. Nos anos 80 esse movimento municipal de saúde (centrado nas secretarias municipais de saúde-SMS) cruzou positivamente com movimento mais amplo de formulação de políticas públicas para direitos de cidadania e mobilização da sociedade, também iniciado nos anos 70: o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira-MRSB. Já no refluxo da ditadura, o movimento municipal de saúde junto com as Secretarias Estaduais de Saúde conseguem convênios com o Ministério da Previdência e Assistência Social (com apoio estratégico do Ministério da Saúde-MS), que resultou em marcante expansão do atendimento integral á saúde. Essa expansão, além da grande ampliação da cobertura por serviços de saúde, revelou nos municípios inusitadas produtividade das equipes iniciais multi-profissionais de saúde e inovações no micro-processo de trabalho. Vários indicadores de saúde nos anos 80 refletiram a eficácia da descentralização no controle da hipertensão e suas sequelas, da poliomielite, do sarampo, de doenças no pré-natal e puerpério, de infecções respiratórias, da desidratação infantil e outras. Esse substrato efetivo foi fundamental nos debates e resultados da 8ª Conferência Nacional de Saúde/86, da Comissão Nacional da Reforma Sanitária/87 e da Assembleia Nacional Constituinte/88, tendo como pano de fundo o referencial dos sistemas públicos de saúde em desenvolvimento na maioria dos países europeus e em Cuba.

 

Esse patamar municipal atingido nos anos 80 avançou nos anos 90 com o SUS obrigado em Lei, completando nessa década a inclusão de metade da população antes excluída de qualquer sistema de saúde. De 1990 a 2005 os municípios com parcos recursos passaram a ser responsáveis por 93% dos novos estabelecimentos públicos de saúde e 69% dos servidores públicos de saúde no país. Sua porcentagem média dos impostos municipais destinada á saúde passou de 3% nos anos 80 para 14,4% em 2000 e 23% em 2012, revelando no contexto interfederativo, que vem sendo a esfera de governo na saúde que rompe com a cultura política anti-pública e anti-social de tratar o limite mínimo legal estipulado na EC-29, como “teto”.

 

OS 25 ANOS DE AVANÇOS DO “SUS”

 

Os inquestionáveis avanços do SUS a favor das necessidades e direitos da população constituem patamar inabdicável de realizações, conhecimentos e expertise acumulados na atenção integral á saúde. No âmbito da atenção básica á saúde-AB foi desenvolvido alto nível de integração das ações promotoras, protetoras e recuperadoras da saúde, adequadas para cada realidade social, epidemiológica, cultural e regional das necessidades e direitos da população, envolvendo novos conhecimentos, perfís profissionais, tecnologias e processos de trabalho em equipe, com resolutividade entre 80 e 90% das necessidades de saúde. Porém, ainda ao nível de exceções: são muitas dezenas de locais ou micro-regiões com excepcionais circunstancias e características dos gestores descentralizados, trabalhadores de saúde, equipes de saúde de família, apoio matricial, núcleos de apoio a saúde de família, infra-estrutura física e de custeio, suporte de referências especializadas, etc, muitas vezes em integração com atividades acadêmicas em saúde, mas sem condições e perspectivas de estratégias para expandir e tornar-se regra nos territórios estadual e nacional: permanecem e reciclam-se como verdadeiros “nichos” ou trincheiras. Com essas mesmas características de excelência e expertise desenvolvem-se e mantém-se “nichos” ou trincheiras nas redes dos Centros de Atenção Psico-Social-CAPS, dos Centros Regionais de Saúde do Trabalhador-CEREST, dos serviços pré-hospitalares de urgência-emergência-SAMU e dos Hemocentros(também no limite de exceções sem condições e perspectivas de expandir e tornar-se regra). A competência da nossa Vigilância em Saúde é reconhecida internacionalmente, apesar da parca infraestrutura ao nível regional, a assistência especializada e fornecimento de materiais muito avançaram na inclusão dos portadores de deficiências e doenças crônicas específicas, o nosso controle da AIDS é ainda o de melhor avaliação nos países em desenvolvimento, mas já com retorno da elevação da incidência, da letalidade(nas regiões sul e norte), e queda dos testes de HIV nos grupos mais vulneráveis; nossos serviços de transplantes de órgãos e tecidos estão entre os mais produtivos do mundo, ainda que carregando porcentagens altas e inaceitáveis de falências renais, hepáticas e outras, comprovadamente evitáveis ao nível dos serviços básicos universais de qualidade.

 

Nos 25 anos do SUS ficou notável a retroalimentação entre : de um lado, a resistência aos desvios e realização dos avanços possíveis, e de outro lado, a assunção do ideário do modelo de atenção á saúde com base nas necessidades e direitos de cidadania. Ideário esse a ser viabilizado com política pública universalista que abrange os condicionantes socioeconômicos da saúde e rede de atenção básica de fácil acesso nos locais residenciais e de trabalho, com resolutividade de 80 a 90% das necessidades de saúde e capacitada para assegurar e ordenar o acesso à assistência especializada aos restantes 10 a 20% (modelo”SUS”). É o ideário que na prática está mais voltado para a relação custo/eficácia social, do que para a mera relação custo/efetividade. Essa combinação de práticas e valores humanos gerou uma postura de positiva militância: a “militância SUS” assumida diariamente (conscientemente ou não) por centenas de milhares de trabalhadores de saúde, gestores descentralizados, conselheiros de saúde e movimentos por direitos sociais e democratização de Estado. É de se destacar ainda, que a referida assunção do ideário e os avanços desenvolvidos propiciaram avanço no pacto inter federativo na área social: a intergestão por meio das comissões intergestores ao nível nacional, estadual e regional, pleiteadas pelos estados e municípios nos primeiros anos do SUS, reconhecidas formalmente em 1993 e legalizadas em 2012. Resta ainda a efetivação da diretriz constitucional da Hierarquização/ Regionalização, desafio estruturante, estratégico e decisivo ao desenvolvimento do SUS, pendente até hoje: não há como nela não incorporar a grande acumulação da experiência municipal por 4 décadas na inclusão social e esforços pelo modelo”SUS”. A superação dessa pendência já conta com claro respaldo constitucional e legal: o comando único nas esferas federadas e as pactuações intergestores em plena implementação; resta o desafio da construção do comando único na menor célula sistêmica do SUS, a Região de saúde, a ser definido e pactuado nas comissões Intergestores e deliberado nos conselhos de saúde. Então, como e porque a “militância SUS”, operando com grande produtividade e monumental produção de ações e serviços de saúde, não vem conseguindo transformar a exceção em regra?

 

OS 25 ANOS DE DISTORÇÕES E DESVIOS DE RUMO
(O subfinanciamento federal e seus embricamentos)

 

1. Desconsideração da indicação constitucional do mínimo de 30% do Orçamento da Seguridade Social -OSS(1990) e, na base de cálculo consignada para o SUS, a subtração da contribuição empregado-empregador do Fundo da Previdência Social, a maior fatia do OSS(1993). O financiamento federal permaneceu desde então entre 1/3 e 1/2 do que foi inicialmente indicado e consignado na Constituição/1988. O gasto federal com o SUS é mantido em 1,7% do PIB, enquanto com os juros da dívida pública, vem crescendo ano a ano, devendo fechar 2015 com 8% do PIB.
2. Em 1995/1996, desvio para outras “prioridades” dos recursos da CPMF aprovada para o SUS, e de 20% do OSS-Desvinculação das Receitas da União, renovável a cada 4 anos.
3. Aprovação em 2000 da EC-29 que vincula o financiamento do SUS aos impostos, somente para os Estados e Municípios; da Lei da Responsabilidade Fiscal que piorou a limitação ao quadro público de pessoal municipal, e da Lei criadora da Agencia Nacional de Saúde-ANS para regulação do mercado dos planos e seguros privados de saúde.
4. Crescimento e sistematização nos anos 90 de três formas de subsídios públicos federais ao mercado de planos e seguros privados de saúde: a renúncia fiscal(o mais volumoso, estendido ao mercado de fármacos) , o cofinanciamento público de planos e seguro privados de saúde á totalidade dos servidores e empregados públicos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, e o ressarcimento(obrigado em Lei pelas empresas de planos privados ao SUS), apenas simbólico, pelos serviços públicos de saúde prestados aos seus consumidores.
5. “Engavetamento” em 2004 do PL-01/2003, após aprimoramentos e aprovação duramente conquistados pela militância “SUS” nas três comissões obrigatórias na Câmara dos Deputados. O PL elevava o financiamento federal para o mínimo de 10% da Receita Corrente Bruta-RCB e dispunha sobre sistemática de gastos atrelada á construção do modelo “SUS”: planejamento/orçamentação ascendentes, regionalização, repasses equitativos, etc.
6. “Engavetamento” em 2007 no Senado, do PL-121/2007, similar ao PL-01/2003.
7. A partir de meados da 1a década dos anos 2000, pesado financiamento público fortemente facilitado e subsidiado(BNDES e BID) para edificações dos hospitais privados de grande porte conveniados pelo SUS e credenciados pelas grandes empresas de planos e seguros privados de saúde, assim como nos hospitais próprios dessas empresas.
8. Veto governamental ao artigo do PL-141/2012 que dispunha sobre o mínimo de 10% da RCB para o SUS e incorporando os artigos dos PL-01/2003 que tratavam dos gastos.
9. Veto governamental apoiado pela bancada da situação na Câmara dos Deputados, do debate aberto e votação do PLIP-321/2013 requerido por 2,2 milhões de assinaturas de eleitores(articulado pelo CNS, CNBB e mais de 100 entidades), terceiro “engavetamento”que resgatava os PL-01/2003, 121/2007 e original 141/2012.
10. Sem debate com o CNS, Gestores do SUS, militância “SUS” e sociedade, é em curtíssimo prazo apresentada pela situação e aprovada, a inclemente PEC-358/2013, hoje EC-86/2015 que dispõe sobre 13,2% até 15% da Receita Corrente Líquida-RCL, obriga a execução pelo MS das emendas parlamentares individuais impositivas(0,6% da RCL), retira o adicional referente ao Pré-Sal e exclui a reavaliação quinquenal constante na EC-29/2000, com piora substantiva do subfinanciamento federal do SUS a valores abaixo dos dispostos pela EC-29, constitucionalizando o subfinanciamento.
11. Aprovação da MP-619/2014 que estende a renuncia fiscal das contribuições sociais COFIN e PIS ás empresas de planos privados de saúde.
12. Aprovação da MP-656/2014 que estende a entrada do capital estrangeiro ao mercado nacional da rede privada ambulatorial, hospitalar e laboratorial, além do mercado de planos privados já contemplado pela Lei 9656/1998.
13. Recente veto presidencial a artigo da LDO/2016, permitindo queda no orçamento do SUS de 2015 para 2016, por volta de R$13 bilhões.

 

Creio ser importante destacar que essa inquestionável e insistente estratégia de subfinanciamento do SUS nos seus 25 anos, não é isolada: está atrelada não só ao fluxo de recursos públicos a outras “prioridades”, mas também a construção de outro modelo de atenção à saúde, conforme sugere fortemente as constatações e reflexões que seguem:
O drástico subfinanciamento federal já nos anos 90 limitou também drasticamente: a) o desenvolvimento da infraestrutura pública para realizar a inclusão social, propiciando a livre expansão do setor privado contratado pelo gestor público que, de legalmente complementar, passou ao final da década a substitutivo da responsabilidade pública: produz 65% das hospitalizações e acima de 90% dos serviços diagnósticos e terapêuticos do SUS, aí concentrando-se a massa da assistência especializada média, os custos/preços, o pagamento por produção, a pressão do mercado de serviços, medicamentos e equipamentos, as ações evitáveis e os gastos públicos, b) o desenvolvimento do quadro de pessoal público em todos os níveis, entrando na década seguinte com menos de 40% do total de trabalhadores de saúde do SUS permanecendo mais de 60% de terceirizados/precarizados, alocados por entes privados fornecedores de recursos humanos a custo bem menor, e c) o desenvolvimento da AB mantendo-a focal e compensatória sem condições de realizar a estratégia de reorientar o modelo de atenção á saúde. Nessa época surgiu o bordão angustiado das lideranças na gestão descentralizada: “a obrigação humana e legal de socorro ás urgências e assistência aos casos mais graves consome quase todos os recursos, retirando-os da proteção ás situações de risco e do diagnóstico precoce, mantendo o ciclo perverso que leva a mais urgências e casos graves.”

 

Em novembro de 1995, antevendo os graves descaminhos na construção do SUS, o Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde-CONASS patrocinou produtiva oficina de trabalho com 67 dirigentes e técnicos nacionais, estaduais, municipais e da OPAS, com aprovação de relatório que priorizou a implementação da Regionalização e Gestão Pública dos Recursos Humanos. Essa oficina não obteve repercussão na condução da política nacional de saúde, política essa que, até o final da década, revelou-se dependente do “núcleo duro” ministerial – Casa Civil, Fazenda, Planejamento/Orçamento/Gestão e, eventualmente, Previdência e Assistência Social, articulando a bancada situacionista no Legislativo.

 

Quanto aos subsídios federais às empresas de planos e seguros privados de saúde, somente a renúncia fiscal já referida correspondia em 2003 a 23% do gasto do MS e 158% do lucro líquido declarado do conjunto dessas empresas, em outras palavras: o Estado bancando a rentabilidade desse ramo. Estima-se que as três formas apontadas de subsídios correspondem a pelo menos 30% do gasto do MS, significativo perante o baixo valor dos gastos do MS e mais significativo perante a economia de gastos perante o conjunto do gasto federal, caso a indicação e consignação constitucional inicial fosse cumprida desde 1990: o orçamento do MS estaria entre o dobro e o triplo do atual. Em outras palavras: grande economia de gastos federais na saúde valendo-se da privatização interna no SUS(setor privado contratado substitutivo) e externa(subsídios públicos ao mercado). Cabe referir que: a) a ANS, autarquia federal com cinco diretores nomeados pelo governo, há vários anos tem os cinco provenientes do mercado na saúde, em outras palavras: agencia pública reguladora do mercado capturada pelo mercado; e b) o engajamento crítico e cauteloso nos anos 80 de todas as centrais e federações sindicais na luta do MRSB pelo SUS, foi revertido nos anos 90 com base na elevação da oferta de planos privados subsidiados mais acessíveis e sensíveis aos dissídios anuais das categorias sindicalizadas (trabalhadores do setor privado e servidores e trabalhadores do setor público), e simultânea lentidão no acesso e acolhimento da rede pública subfinanciada que assumia a inclusão social. A classe trabalhadora, vanguarda histórica das lutas sociais cedeu na prática a um classismo menos envolvido com os direitos de cidadania amplos e políticas públicas universalistas.

 

Os “engavetamentos” apontados na 5ª, 6ª e 9ª distorções foram operados pelo “núcleo duro” ministerial já referido. É de destacar que os 10% da RCB que precipitou os “engavetamentos” significavam elevar o financiamento público do SUS de 3,9% para 4,7% do PIB, ainda longe da média de 8% dos países que financiam sistemas públicos de saúde respeitados e defendidos pelas suas sociedades; a diferença de 0,8% do nosso PIB foi estimada para simplesmente tentar corrigir os desvios de rumo em nosso sistema público, além dos benefícios imediatos a grande parte da população. Após o “engavetamento” de 2004 e outras frustrações das militâncias “SUS” e do MRSB, lideranças dessas militâncias junto à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados realizaram o 8º Simpósio de Política Nacional de Saúde com 800 participantes que aprovaram a “Carta de Brasília”. Isso resgatou espaço para o SUS na política nacional, o que possibilitou oportuno debate tripartite que levou ao Pacto pela Vida, em defesa do SUS e de Gestão, ainda que permanecendo contra-hegemônico na política nacional.

 

Na prática, temos 25-30% da população que é consumidora de planos privados de saúde, cujo acesso aos serviços, oportunidade da sua utilização, qualidade e resultados estão segmentados de acordo com os preços dos planos (mensalidades entre R$80,00 e 8000,00) e poder aquisitivo das respectivas camadas sociais. Continuam dependendo do SUS em serviços com esperas menores, fornecimento de medicamentos, ações de vigilância sanitária, imunizações, serviços de alto custo e de urgência, etc, incluindo serviços e materiais obrigados por ações judiciais individuais, principalmente para os que podem pagar escritórios de advocacia especializada. A soma do seu per-capita privado e público para saúde corresponde de 4 a 6 vezes o per-capita dos 70 a 75% que só utilizam o SUS. Entre os 25-30% estão a elite social, a classe media alta e as classes: média média e média baixa que incluem a maioria dos trabalhadores sindicalizados do setor privado e público, e entre os 70-75% estão a minoria da classe media baixa, a massa trabalhadora formal e informal e os miseráveis. O sistema público inclui todos mas de maneira segmentada, atentando contra a Integralidade e Equidade. É um sistema híbrido público-privado, com relações promíscuas entre si, sem regulação de interesse público e que reflete um Estado criador de mercados na área social dos direitos de cidadania. Daí, o jargão “SUS pobre para os pobres e complementar segmentado para os consumidores dos planos privados.” É nesse contexto de hegemonia que a diretriz constitucional da Regionalização permanece almejada, mas pendente até nossos dias.

 

Descortinando o processo histórico civilizatório, a identificação e reconhecimento dos avanços do SUS , ainda que ao nível de exceções (“nichos” ou trincheiras), tornam-se condição básica para a identificação e reconhecimento das graves distorções e desvios de rumo que ainda são a regra, o que pode contribuir para as militâncias formularem estratégias realistas e adequadas em cada conjuntura. A impactante inclusão social (anualmente, bilhões de ações ambulatoriais básicas e especializadas, centenas de milhões de exames diagnósticos, mais de 10 milhões de hospitalizações, etc.), vem sendo realizada simultaneamente pelas ações e serviços tanto vinculados aos avanços do SUS(exceção), como ao outro modelo com incontroláveis distorções(regra). As referidas outras “prioridades” desse modelo hegemônico atendem o “tripé” macro-econômico: metas de inflação com juros altos, superávit primário e cambio flutuante. A inveja que o SUS suscitou inicialmente nas lutas sociais de outros países latino-americanos e até de outros continentes (em parte ainda suscita), deve ser delimitada á Constituição/1988 democraticamente conquistada, às exceções (avanços, “nichos” e trincheiras ), e às militâncias “SUS” e do MRSB. Essa delimitação remonta à configuração constitucional claramente social-democrata, e exclui o que passou a predominar na prática, hoje com nítida hegemonia neoliberal.

 

Nelson Rodrigues dos Santos – Presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) e membro do Conselho Consultivo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES).