Revista Saúde em Debate, Vol. 42, Ed. 119

2018: um ano que deixou marcas indeléveis na sociedade brasileira

Lucia Regina Florentino Souto1

EM 2018, AO MESMO TEMPO QUE COMEMORAMOS OS 30 ANOS da Constituição Cidadã e do Sistema Único de Saúde (SUS), vivemos momentos de profunda insegurança e das consequências da ruptura do pacto nacional estabelecido com o fim da ditadura militar, que permitiu avanços significativos no campo dos direitos sociais.

A partir de 2016, com o golpe parlamentar-judiciário-midiático, instituiu-se uma agenda de retrocessos, a exemplo da EC-95 (Emenda do teto dos gastos), das contrarreformas trabalhista, da previdência, culturais que tentam barrar conquistas históricas étnico-raciais e de gênero, com o velho discurso de que os direitos sociais não cabem no orçamento.

Já se fazem sentir as consequências dessa agenda: o retorno do Brasil ao mapa da fome, o aumento da desigualdade, a volta do sarampo, a reversão da queda da taxa de mortalidade infantil e o deslocamento dos planos de saúde na direção do SUS em função da precarização do trabalho e do desemprego.

Além disso, a inadmissível epidemia de violência, um verdadeiro genocídio, com mais de 160 mil homicídios entre 2015 e 2017, a maioria de jovens negros. A violência contra as mulheres, contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), a execução de defensores e defensoras de direitos humanos, o veneno na nossa alimentação. O extermínio de nossa população é a expressão mais radical de nossas desigualdades.

O Brasil vive uma disputa civilizatória de repercussões globais por seu papel estratégico na geopolítica internacional. O ataque do capitalismo financeiro, associado a uma elite oligárquica, escravocrata, tem dimensões globais e se manifesta em três dimensões estratégicas: a afronta à soberania nacional, aos direitos sociais e à democracia.

Oito bilionários possuem tanta riqueza quanto 3,6 bilhões de pessoas no planeta. 1% mais rico possui mais riqueza que os outros 99%1 . O enfrentamento das desigualdades ancestrais é nossa agenda estratégica pelos seus efeitos devastadores. A desigualdade deve ser combatida não apenas em função dos aspectos sociais, culturais e éticos envolvidos, mas também pelo fato de que ela produz resultados desagregadores para a economia, para a democracia e para o meio ambiente.

Em momentos como este, devemos buscar os exemplos da nossa história. O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB) é, certamente, uma experiência exemplar de construção democrática/participativa, de direitos sociais e criação de um campo de conhecimento – a saúde coletiva – que explicitou a determinação social do processo saúde/doença. A VIII Conferência Nacional de Saúde, com mais de 5 mil delegados, significou uma verdadeira constituinte popular de saúde, com mais de 140 grupos de trabalho e uma plenária final que durou mais de 24 horas, com um verdadeiro espírito de felicidade pública. O direito à saúde, como consta na nossa Constituição, remonta a este espírito de construção coletiva, que precisamos reencarnar, o Espírito de 1988.

Para resistirmos e avançarmos, é preciso que, inspirados pelo espírito de 1988, intensifiquemos nossa organização das bases às frentes de mobilização (Brasil Popular e Povo Sem Medo), além de outros movimentos de defesa da cidadania e dos direitos.

Com o propósito de enfrentarmos esse momento, em que está em jogo que País queremos, devemos ir ao encontro do povo brasileiro que, diante de sua responsabilidade histórica, saberá, como em outros momentos, afirmar sua presença ativa em defesa de um País soberano com direitos sociais de cidadania e democracia.

A efetivação dos direitos sociais da constituição, a saúde em particular, é a materialização de um projeto que enfrenta o pacto antipopular dos menos de 1% de endinheirados. Precisamos derrotar as ancestrais desigualdades e organizar a defesa intransigente dos direitos sociais de cidadania e o direito universal à saúde. Rossi e Dweck2 mostram que os gastos sociais reduzem o Índice de Gini de concentração de renda.

Não há saídas individuais, e isso fortalece a base social de um sistema público e universal de saúde. O SUS é um patrimônio do povo brasileiro e deve ser tratado como tal. Um sistema que tem uma capilaridade na sociedade, que faz com que todos, pobres ou ricos, valham-se dele, mesmo sem perceber. É preciso ser intransigente na defesa do SUS constitucional, da democracia e da soberania.

O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) reafirma seu compromisso com a defesa da Constituição de 1988 e com a realização da XVI Conferência Nacional de Saúde, que tem como lema Democracia é Saúde.

Um ano de luta, solidariedade e unidade.

Ninguém solta a mão de ninguém!

 

1 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. luciafsouto@yahoo.com.br

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