Parceria de McDonald’s com Ministério da Saúde provoca reações

Parceria de McDonald’s com Ministério da Saúde provoca reações

padilha e mcUma parceria entre o Ministério da Saúde e a rede de restaurantes de fast food McDonald’s para o programa do governo “Amigos da Saúde” gerou críticas e causou forte indignação entre setores da sociedade civil e de diversas entidades e organizações de pesquisa. Essa cooperação entre o ministério e a empresa alimentícia faz uso de ações de marketing com promoção à vida saudável e de atividades físicas em papéis utilizados para forrar a bandeja onde o lanche é servido. Insatisfeitas, as entidades afirmam que a ação é incompatível com o histórico da pasta na luta pela segurança alimentar e que a parceria nada mais é do que uma campanha publicitária do McDonald’s, na tentativa de maquiar os malefícios à saúde que as refeições oferecidas por ela causam.

Em Carta Aberta, os professores Carlos Augusto Monteiro e César Gomes Victora – membros da Academia Brasileira de Ciências – e o professor Malaquias Batista Filho, do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), manifestaram suas reservas quanto à participação da rede de fast food no programa “Amigos da Saúde”. Eles classificaram a campanha como extremamente nociva para crianças e adolescentes (público alvo da marca) na medida em que associam mensagens que exaltam a importância para a saúde da prática de atividade física, da ingestão de água, do sono, da proteção contra a exposição excessiva ao sol e da alimentação saudável com o símbolo do McDonald’s e seu slogan “amo muito tudo isso”, o website e o Disque-Saúde do Ministério da Saúde.

Além disso, o documento afirma que a cadeia de restaurantes estabelece uma diferença em valores nutricionais de seu cardápio com outros alimentos, como coxinha, empadas, pastéis, pizzas e feijoada tradicional, classificando-os como “outros alimentos do seu dia-a-dia”. A nota diz ainda que o objetivo do McDonald’s “é associar o consumo dos produtos que ela comercializa a comportamentos saudáveis e a induzir o consumidor a pensar que esses produtos deveriam ou poderiam ser consumidos frequentemente e a negar que eles pudessem ser menos saudáveis do que alimentos tradicionais da dieta brasileira”.

O conteúdo da carta acusa de enganosa a campanha da rede de fast food, na medida em que tenta disfarçar os malefícios à saúde. Os autores exemplificam demonstrando que a refeição mais comum do McDonald’s (Big Mac, porção média de batata frita, refrigerante e um sorvete com calda), fornece dois terços do total de calorias que um adulto poderia consumir ao longo de todo o dia e praticamente todas as calorias diárias necessárias para uma criança. Essas quantidades podem ultrapassar o limite para um adulto em todas as refeições do dia se a opção for por sanduíches com maior concentração de condimentos. É o exemplo do sanduíche Big Tasty, que sozinho corresponde a 63% da ingestão diária de sódio e 109% da ingestão diária máxima de gorduras saturadas, recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotada pela Agência nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Em um comunicado também dirigido ao Ministério da Saúde, instituições de pesquisa que integram a Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos manifestaram indignação com a do Ministério da Saúde do Brasil com a marca, produtos e campanhas publicitárias da empresa McDonald’s. A Frente é formada por 57 organizações e redes da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa e tem como objetivo lutar para que o poder público estabeleça normas que regulem a publicidade de alimentos e monitorem o cumprimento dessas normas de modo a evitar prejuízo à saúde da população e puna severamente todos que as descumpram. Para a entidade, não se justifica, em hipótese alguma, “o Ministério da Saúde associar sua imagem a de empresas como McDonald’s, atribuindo-lhes o título de Parceiro da Saúde, uma vez que a sua principal atividade é a comercialização de alimentos que, em sua grande maioria, fazem muito mal à saúde.

O comunicado cita ainda conclusões das Pesquisas de Orçamentos Familiares, realizadas periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde há uma crescente substituição de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta brasileira, como a mistura arroz e feijão, por bebidas e alimentos ultra processados, densamente calóricos e com baixa concentração de nutrientes. Na mais recente pesquisa nacional, realizada em 2008-2009, o IBGE constatou que apresentavam peso excessivo metade dos adultos brasileiros, um em cada cinco adolescentes e uma em cada três crianças de 5 a 9 anos de idade. A mensagem termina ainda com uma expectativa de que o ministro da saúde compartilhe da preocupação de todos os organismos de promoção à segurança alimentar e que desvincule de imediato a relação do McDonald’s com o programa “Amigos da Saúde”. Nem o Ministério da Saúde, nem o McDonald’s se manifestaram sobre o assunto em suas respectivas páginas eletrônicas na internet.

Para o presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Roberto Passos Nogueira, a iniciativa de unir saúde à marca McDonald’s fortalece, junto com a reforma do Código Florestal aprovada pela Câmara, a tese de que é necessário ampliar os eixos de discussão priorizados pela reforma sanitária. “Para quem, como eu, estava insistindo em que o debate do movimento sanitário precisa abarcar outros temas de importância nacional ademais dos aspectos de gestão do SUS, eis que o Congresso Nacional e o Ministério da Saúde nos proporcionaram, numa mesma semana, a oportunidade de abordar dois temas de amplo interesse público: agronegócio versus meio ambiente e promoção da nutrição saudável versus McDonald’s. Estamos todos perplexos com o encaminhamento dado por nossos representantes e autoridades públicas quanto a esses assuntos, mas sabemos certamente de que lado estamos”, afirmou ele.

Abaixo, a íntegra da Carta Aberta dirigida ao Ministério da Saúde foi reproduzida. O conteúdo do manifesto da Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos está disponível no endereço http://regulacaoalimentos.blogspot.com/.

“Senhor Ministro Alexandre Rocha Santos Padilha, acabamos de tomar conhecimento do envolvimento do Ministério da Saúde em campanha publicitária da rede de lanchonetes da empresa McDonald’s no Brasil.

A nosso ver, este envolvimento não se coaduna com o histórico do Ministério da Saúde na promoção da segurança alimentar e nutricional da população brasileira e com a elogiável prioridade que sua gestão tem consignado para a promoção da alimentação saudável e para o controle das doenças crônicas não transmissíveis.

A campanha da rede McDonald’s, à semelhança de outras estratégias de marketing empregadas pela mesma empresa, é extremamente nociva, em particular para crianças e adolescentes, que são o público alvo daquela rede.

Estamos nos referindo especificamente ao uso nas lojas da rede McDonald’s de toalhas de bandeja que reproduzem, lado a lado, material educativo elaborado pelo Ministério da Saúde e publicidade dos produtos comercializados pela rede.

Como o senhor poderá facilmente verificar, em um dos lados da toalha há mensagens que exaltam a importância para a saúde da prática de atividade física, da ingestão de água, do sono, da proteção contra a exposição excessiva ao sol e da alimentação saudável. Junto a essas mensagens, são mostrados o símbolo da empresa e seu slogan ‘amo muito tudo isso’, o website e o Disque-Saúde do Ministério da Saúde e a referência ao Ministério como fonte das mensagens educativas.

No verso da toalha, há a reprodução do cardápio dos produtos oferecidos pela rede – sanduíches, batatas fritas, saladas, molhos, bebidas e sobremesas – com informações (em letras miúdas) sobre sua composição nutricional. Essas informações são encimadas pela frase ‘Veja aqui os componentes nutricionais da sua refeição’. Abaixo do cardápio, há um quadro com o título: ‘Veja algumas informações nutricionais interessantes’. Neste quadro apresenta-se a composição nutricional do que, para a rede McDonald’s, seriam ‘outros alimentos do seu dia a dia’. Esses alimentos incluem ‘coxinha’, ‘empadinha’, ‘pastel’, ‘pizza’ e ‘feijoada tradicional’.

É ocioso notar que o objetivo dessa campanha da rede McDonald’s é associar o consumo dos produtos que ela comercializa a comportamentos saudáveis e a induzir o consumidor a pensar que esses produtos deveriam ou poderiam ser consumidos frequentemente (‘alimentos do dia a dia’) e a negar que eles pudessem ser menos saudáveis do que alimentos tradicionais da dieta brasileira. Ainda mais ociosa é a constatação de que a inscrição dos símbolos do Ministério da Saúde no material publicitário da empresa legitima a campanha e aumenta em muito sua eficácia.

Senhor Ministro, a própria composição nutricional do cardápio da rede Mcdonald’s, descrita nas toalhas, revela quão enganosa é esta campanha publicitária. Por exemplo, a ingestão de um Big Mac (que não é o maior dos sanduíches oferecidos no cardápio) acompanhada de uma porção média de batatas fritas, de um copo médio de refrigerante e de uma porção pequena do sorvete com calda da rede fornece dois terços do total de calorias que um adulto poderia consumir ao longo de todo o dia e praticamente todas as calorias diárias necessárias para uma criança. Se a opção for pelo sanduíche Big Tasty e por porções grandes dos acompanhamentos e sobremesa, as calorias ingeridas em uma única refeição alcançam o limite superior estabelecido para um adulto em todas as refeições do dia. A situação fica ainda mais grave se o cálculo da composição nutricional envolver a ingestão de nutrientes que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e outras graves doenças crônicas. Por exemplo, o consumo de um único Big Tasty corresponde, segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde adotadas pela ANVISA, a 63% de todo o sódio que o indivíduo poderia ingerir por dia e a 109% da ingestão diária máxima de gorduras saturadas.

Como certamente é do seu conhecimento, as pesquisas de orçamentos familiares do IBGE vêm mostrando que alimentos tradicionais e saudáveis da dieta brasileira, como a mistura arroz e feijão, vem sendo crescentemente substituídos por bebidas e alimentos ultra-processados, que são densamente calóricos e têm conteúdo excessivo de gordura saturada, açúcar e sódio como a imensa maioria dos produtos comercializados pela rede McDonald’s.

Senhor Ministro, essas mudanças no padrão alimentar da população brasileira colocam em risco importantes avanços obtidos pela Saúde Pública brasileira nas últimas décadas. O aumento epidêmico da obesidade é a expressão mais dramática das consequências do crescimento do consumo de alimentos ultra-processados. Na mais recente pesquisa do IBGE, realizada em 2008-2009 com a colaboração do Ministério da Saúde, constatou-se que apresentavam peso excessivo metade dos adultos brasileiros, um em cada cinco adolescentes e uma em cada três crianças de 5 a 9 anos de idade. Dados do sistema VIGITEL, operado pelo próprio Ministério da Saúde nas capitais de todos estados brasileiros e no Distrito Federal, indicam que, se nada for feito, em cerca de doze anos alcançaremos a situação calamitosa enfrentada pelos Estados Unidos, onde dois terços da população adulta têm excesso de peso.

Senhor Ministro, diante dos fatos brevemente relatados nesta carta e conhecedores do seu compromisso com a Saúde Pública, pedimos-lhe que ordene a imediata desvinculação das marcas, programas e imagem do Ministério da Saúde do Brasil da marca, produtos e campanhas da empresa McDonald’s.

30 de Maio de 2011

Carlos Augusto Monteiro
Professor Titular da Universidade de São Paulo e Membro da Academia Brasileira de Ciências

César Gomes Victora
Professor Emérito da Universidade Federal de Pelotas e membro da Academia Brasileira de Ciências

Malaquias Batista Filho
Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco e Membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)
«Contra a rede McDonalds ser “Amiga da Saúde”»

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N10435

Fonte: Com Cecovisa e agências